Internacional

A ONU aos 70 anos, ainda cumpre seu mandato?

Por Julia Rainer, da IPS – 

Um barco cheio de refugiados, alguns necessitados da proteção internacional, é resgatado no mar Mediterrâneo pela marinha italiana. Foto: A. D’Amato/Acnur

Viena, Áustria, 22/5/2015 – Quando se comemora o 70º aniversário de fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), um seminário realizado esse mês de maio na capital austríaca preferiu analisar se há futuro para o fórum mundial.

O 45º seminário do Instituto Internacional da Paz (IPI), do qual participaram representantes da política, sociedade civil, dos meios de comunicação e das forças armadas, examinou a capacidade ou não da ONU de enfrentar as crises e os desafios do planeta no futuro. Houve consenso entre os participantes de que as dificuldades em relação à paz e à segurança internacionais são muito diferentes hoje das que existiam quando a ONU foi criada em 24 de outubro de 1945.

O número de Estados membros não só quadruplicou desde então, mas ao cenário mundial se incorporaram atores não estatais, como criminosos e terroristas, que representam uma ameaça real para a estabilidade do sistema internacional que a ONU deve salvaguardar. Ao mesmo tempo, o planeta sofre outras ameaças que não se detêm nas fronteiras nacionais, como a mudança climática, as pandemias e as guerras, que têm dimensões mundiais e são extremamente difíceis de conter em nosso mundo globalizado.

“A ONU surgiu das cinzas da Segunda Guerra Mundial e não houve nenhum conflito mundial desde então, mas tampouco houve paz mundial”, afirmou Martin Nesirky, diretor do Serviço de Informação das Nações Unidas em Viena.

Este ano, o debate sobre a reforma das Nações Unidas representa uma possibilidade para a mudança e a ação em duas grandes frentes.

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), embora não tenham sido atingidos plenamente, estão dando lugar a uma nova agenda de desenvolvimento na forma dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Por outro lado, há esperança de que finalmente se chegue a um acordo internacional sobre a mudança climática na 21ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em dezembro em Paris.

Segundo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, “este não é apenas mais um ano, é a oportunidade de mudar o curso da história”.

Entretanto, nem todos os participantes do seminário do IPI estavam convencidos de que a ONU poderá desempenhar seu mandato sem adaptar-se às circunstâncias que se alteram.

Um tema muito debatido foi a reforma do seu Conselho de Segurança e o poder de veto que possuem China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia, os cinco membros permanentes, e que, se argumentou, não representam a comunidade mundial. Alguns participantes apontaram que a situação geopolítica atual se caracteriza pela ruptura das relações de poder que complicam enormemente o trabalho das Nações Unidas.

Richard Gowan, diretor de pesquisa do Centro de Cooperação Internacional da Universidade de Nova Iorque, expressou sua preocupação pela intensificação das lutas de poder nos últimos anos. “As tensões entre Rússia e Ocidente, e em certa medida entre China e Ocidente, deterioraram gravemente a capacidade da ONU para enfrentar a crise síria e impediram que o fórum mundial tivesse um papel sério na crise da Ucrânia”, acrescentou.

Gowan propõe que seja resolvida a competência geopolítica atual para que a ONU recupere a força a fim de enfrentar as crises urgentes, e advertiu que “se o Conselho de Segurança entrar em colapso, em última instância acontecerá o mesmo ao resto da ONU”.

Agora que o mundo enfrenta a crise de refugiados mais grave desde a Segunda Guerra Mundial, Gowan também insistiu na importância do correto funcionamento das instituições internacionais, e da ONU em particular. Mais de 53 milhões de pessoas estão na condição de refugiadas à força atualmente, número que é equivalente a toda a população da Coreia do Sul.

Os últimos incidentes trágicos de centenas de refugiados afogados no Mediterrâneo demonstraram que a comunidade internacional não consegue garantir a segurança daqueles que buscam um futuro na Europa. “O desespero não tem medida nem custo”, afirmou Louis Aubin, diretora-adjunta do Departamento de Proteção Internacional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

Aubin foi testemunha da situação vivida no maior campo de refugiados do mundo, em Dadaab, no Quênia, a 100 quilômetros da fronteira com a Somália. Alí estão cerca de 500 mil refugiados somalianos, alguns pertencentes à terceira geração nascida no acampamento. Como mãe, “não há dúvida de que faria o que estivesse ao meu alcance para tentar enviar meus filhos a outro lugar. E esse lugar se encontra cruzando o Mediterrâneo”, acrescentou.

Os participantes do seminário em Viena disseram que é preciso criar um acesso seguro ao asilo para que os refugiados possam gozar dos direitos que lhes cabem de acordo com o direito internacional. É claro que a responsabilidade não recai apenas sobre a ONU, acrescentaram, se referindo ao papel que cabe à União Europeia (UE) no tratamento dispensado aos refugiados. Entretanto, tanto a ONU quanto a UE só têm a força que lhes é dada por seus Estados membros.

Se a ONU aos 70 anos não está apta para cumprir seu mandato, tem que tomar medidas imediatas para ficar pronta para isso. Do contrário, não estará cumprindo seu dever com as pessoas necessitadas e colocará sua legitimidade em dúvida. Envolverde/IPS