Internacional

Indústria do abacaxi deixa em água comunidades costarriquenhas

Um operário do Instituto de Água e Esgoto enche de água os recipientes dos moradores de Milano, no município de Siquirres, que desde agosto de 2007 não tomem beber a água que sai das torneiras por estar contaminada. Foto: Cortesia do Semanário Universal
Um operário do Instituto de Água e Esgoto enche de água os recipientes dos moradores de Milano, no município de Siquirres, que desde agosto de 2007 não tomem beber a água que sai das torneiras por estar contaminada. Foto: Cortesia do Semanário Universal

Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS – 

São José, Costa Rica, 25/5/2015 – Doze anos depois de encontrar em um aqueduto rural os primeiros resíduos de pesticidas relacionados com o cultivo industrial do abacaxi, cerca de sete mil pessoas de quatro comunidades do Caribe costarriquenho continuam sem poder utilizar a água de seu aquífero.

Trata-se das comunidades de Milano, El Cairo, La Francia e Luisiana, que ficam no município de Siquirres, 100 quilômetros a nordeste de São José, dentro de uma região dedicada à produção agropecuária, incluída a de abacaxi (Ananas comosus), onde há alta presença de companhias transnacionais. As quatro localidades só têm acesso à água potável que chega por caminhões-pipa.

“É difícil, e tem mais, se antes o caminhão vinha todos os dias, agora deixa de vir quando quebra ou há uma emergência em outro lugar, ou é feriado, e as pessoas ficam sem água potável por quase quatro dias”, afirmou à IPS a presidente do Aqueduto de Milano, Xinia Briceño. Ela lidera a Associação Administradora do Sistema do Aqueduto Rural de Milano, que serve cerca de mil famílias, e está frustrada com a demora. “Em agosto próximo completaremos oito anos dependendo da água do caminhão-pipa”, ressaltou.

Desde 22 de agosto de 2007, essas comunidades agrícolas só têm acesso à água potável dessa forma e não podem aproveitar o aquífero de El Cairo, porque foi contaminado pelo pesticida bromacil, usado nas plantações de abacaxi de Siquirres, um município rural de 60 mil habitantes na caribenha e agrícola província de Limón. “Continuam aparecendo produtos químicos na água. Há temporadas que enquanto não chove, baixa o grau de contaminação, mas quando chove volta a aumentar”, afirmou Briceño.

Os tropeços de diversas instituições do Estado para garantir água de qualidade aos habitantes dessas quatro comunidades revelam as complicações que enfrenta o aparato estatal costarriquenho para fazer valer os direitos de seus cidadãos em zonas onde as empresas transnacionais se encontram consolidadas há longo tempo.

As evidências técnicas apontam as plantações de abacaxi próximas ao aquífero de El Cairo como responsáveis pela contaminação, especialmente na fazenda La Babilonia, propriedade da Corporação de Desenvolvimento Agricola Del Monte AS, subsidiária do grupo norte-americano Fresh Del Monte.

Mas, não são apenas os órgãos públicos que devem financiar o acesso à água da população afetada. Como solução temporária, o Instituto de Água e Esgoto (AyA) decidiu em 2007 transportar água potável com caminhões-tanque a cada comunidade, onde atualmente os habitantes enchem três vezes por semana seus recipientes.

Em quase oito anos, a AyA gastou mais de US$ 3 milhões nesta distribuição de água, segundo dados do Estado da Nação. Briceño afirma que com esse dinheiro teria sido possível construir todo um sistema para captar água em outro aqüífero próximo. “A ideia é construir um aqueduto para pegar água de uma nova fonte, em San Bosco de Guácimo. Mas isso significa transportá-la por cerca de 11,7 quilômetros”, explicou a líder comunitária.

A primeira evidência da contaminação ambiental chegou em 2003, quando o Instituto Regional de Estudos em Substâncias Tóxicas, da Universidade Nacional (pública), detectou resíduos de pesticidas em água para consumo humano na região. Em 2007 e anos sucessivos, outras análises determinaram que o líquido era inviável para ser considerado potável.

Uma decisão da Sala Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça determinou que várias entidades pública deveriam resolver o problema, com o Ministério da Saúde e o AyA na liderança. Mas, o Estado é incapaz de cobrar dos produtores de abacaxi por seu dano ambiental, ao não ter conseguido realizar uma avaliação econômica do prejuízo, e seguem abertos casos junto ao Tribunal Ambiental Administrativo, apresentados desde 2010.

“Esse é um dos atrasos que temos, porque parte do processo da denúncia junto ao Tribunal Ambiental Administrativo implica uma avaliação econômica do dano ambiental”, afirmou à IPS Lidia Umaña, vice-presidente e juíza desse tribunal. “Nem todas as instâncias são capazes de fazer essa avaliação”, acrescentou. A juíza explicou que sem este processo é impossível determinar se as empresas devem pagar ou não, pois “nesta instância, como em qualquer outra, é preciso nomear um grupo de peritos para avaliarem os danos”.

Após anos de espera por uma solução que não chega, o caso ultrapassou as fronteiras deste país e chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em 20 de março, representantes das comunidades afetadas, como Briceño, e do Centro de Direito Ambiental e dos Recursos Naturais (Cedarena), pediram a intervenção desse organismo.

“Neste momento a CIDH prepara um informe sobre o direito humano à água e nos disseram que irão incluir este tema”, afirmou Soledad Castro, que trabalha no Programa de Gestão Integrada do Recurso Hídrico de Cederana e acompanhou o caso das comunidades junto à comissão, que tem sede em Washington.

Em conversa com a IPS Castro criticou a falta de vontade do Estado em solucionar o problema, com exceção da AyA. A seu ver, “só o AyA deu a cara, mas não é suficiente para que nos entreguem cisternas. É um custo elevadíssimo que o AyA assumiu, mas ao menos é uma ação. As demais brilham pela ausência”.

O caso também mereceu a atenção de outros órgãos e instituições internacionais, como a Rede de Integridade da Água (WIN), que o qualificou como lamentável, pela incapacidade do Estado em proteger os direitos de seus habitantes e pela lenta e pouco transparente ação das autoridades em relação ao envenenamento. “O Estado carece de prestação de contas e transparência em seus testes de laboratório, nas informações dadas à comunidade e no cumprimento de normativas e regulamentos”, assegura o informe de 2014 da WIN.

Segundo a Câmara de Produtores e Exportadores de Abacaxi (Canapep), que reúne as empresas do setor no país, em 2012 o cultivo de abacaxi na Costa Rica ocupava 42 mil hectares e sua exportação representou a entrada de US$ 780 milhões. Os Estados Unidos importaram 48% do total e o restante foi destinado ao mercado europeu.

Alertados pelo crescimento dos cultivos dessa fruta na região e seu possível impacto nas comunidades, os municípios de Guácimo e Pococí decretaram uma moratória à expansão dessa agroindústria. Uma decisão judicial cancelou a proibição em 2013, diante de um recurso de apelação da Canapep. Em 2014 o informe anual Estado da Nação dizia que “o cultivo do abacaxi se destacara por seu alto grau de conflituosidade” e recordou que em informes anteriores o mesmo problema já havia sido apontado.

A IPS solicitou ao diretor de relações corporativas da Corporaçao Del Monte, Luis Enrique Gómez, seu comentário sobre o problema do aqüífero, mas não obteve resposta. Envolverde/IPS