A Assembleia Mundial da Saúde, durante intervenção da chanceler alemã, Angela Merkel, na jornada inaugural de sua 68ª sessão. Foto: OMS
A Assembleia Mundial da Saúde, durante intervenção da chanceler alemã, Angela Merkel, na jornada inaugural de sua 68ª sessão. Foto: OMS

Por Gustavo Capdevila, da IPS – 

Genebra, Suíça, 1/6/2015 – A Organização Mundial da Saúde (OMS), que vence ou pelo menos aplaca as pestes mais severas, como ocorreu com a epidemia de Ebola, há cinco anos arrasta uma indefinição de suas relações com o setor privado e a sociedade civil.

A Assembleia Mundial da Saúde (OMS), que realizou entre os dias 18 e 26 de maio em Genebra, sua 68ª sessão anual, adiou novamente a aprovação de um contexto legal para regular a colaboração da OMS com indústrias, sociedades filantrópicas e organizações não governamentais sem fins lucrativos.

A redação do documento, denominado Marco Para a Colaboração Com os Atores Não Estatais, está parada porque uma grande maioria dos 194 Estados membros da OMS atua com precaução extrema diante da delicadeza do tema. O que está em jogo são os conflitos de interesses que podem surgir uma vez regulamentadas as relações da OMS com o setor privado.

Por exemplo, um ponto do rascunho do documento se refere à colaboração com determinadas indústrias que afetam a saúde humana. Um parágrafo desse artigo, que aparentemente já tem consenso, especifica que “a OMS não colabora com as indústrias do tabaco e de armas”.

Entre “as numerosas questões sem resolver figura precisamente a listagem de algumas indústrias”, afirmou à IPS Thiru Balasubramanian, representante em Genebra da organização não governamental Knowledge Ecology International (Kei), com sede em Washington. Essa lista também deveria ser divulgada no caso de aprovação da segunda parte do parágrafo sobre as fábricas de cigarros e armas.

O rascunho do texto proposto e ainda não aprovado diz: “Além disso, a OMS atuará com particular cautela na hora de colaborar com outras indústrias que afetem a saúde humana ou tenham relação com normas e padrões da OMS”.

A médica Kavitha Kolappa, que representou junto à OMS as organizações não governamentais Health Action International (Hai) e Young Professionals Chronic Disease Network (YP/CDN), deu à IPS exemplos da denunciada interferência da indústria na saúde pública.

No ano passado, “cerca de 25 laboratórios farmacêuticos apareceram implicados em uma campanha planejada para obstruir um rascunho de reformas da política de propriedade intelectual da África do Sul”, contou Kolappa. As reformas tinham por objetivo “aumentar o acesso aos medicamentos nesse país”, acrescentou.

Em 2013, “os limites da quantidade de açúcares nas bebidas estabelecidos pelo Conselho de Saúde da cidade de Nova York foram questionados por uma campanha financiada pela indústria de bebidas, e finalmente eliminados pela justiça”, afirmou a médica. Há apenas dois meses, soube-se que a Aliança Internacional de Alimentos e Bebidas (IFBA) “havia pressionado junto aos Estados membros da OMS para garantir que suas indústrias não fossem excluídas do marco sobre atores não estatais”, recordou.

O documento em discussão estende as relações oficias da OMS “às fundações filantrópicas, instituições acadêmicas e ao setor privado, em particular às associações de empresários, sem distinguir entre as organizações não governamentais que poderiam estar mais próximas do setor dos negócios do que do setor público”, afirmou à IPS a especialista Lida Lhotska, representante da Rede Internacional de Grupos Pró-Alimentação Infantil (IBFAN). “Se o Marco for aprovado como está, tememos que possa levar a uma perda de credibilidade da OMS”, alertou.

Representantes de organizações não governamentais sem fins lucrativos criticaram diferentes aspectos do rascunho, que será discutido em uma reunião intergovernamental que a diretora-geral da OMS, Margaret Chan, deverá convocar antes do dia 15 de outubro deste ano. O texto “dá a falsa impressão de que os riscos de interação com companhias transnacionais e fundações filantrópicas, incluídos os conflitos de interesses, estão abordados adequadamente”, afirmou Lhotska.

Balasubramanian destacou outro aspecto, o das contribuições voluntárias, de governos e entidades privadas, que chegam a representar 80% do orçamento da OMS. Os 20% restantes provêm das “contribuições assinaladas”, como são chamados na OMS os aportes obrigatórios feitos pelos Estados membros segundo sua riqueza e sua população. O representante da Kei apontou que o maior contribuinte são os Estados Unidos, “o que está certo, já que é um Estado membro, e o segundo seria a Fundação Bill e Melinda Gates”.

Então, “ao cuidar desse Marco sobre como a OMS colabora com a sociedade civil, com os interesses dos setores de negócios e as fundações  filantrópicas, creio que se deveria dar mais atenção à maneira como grandes organizações filantrópicas, como a fundação dos Gates, podem influir na OMS”, ressaltou Balasubramanian. “Em especial, em termos de atividades relacionadas com a adoção de normas (da OMS) e de como exatamente se gasta esse dinheiro”, ressaltou.

A última palavra será dada na próxima assembleia da OMS, em maio de 2016, que poderá resolver definitivamente a forma como a OMS se relacionará com os atores não estatais ou adiar a decisão, como vem ocorrendo desde 2011. Enquanto isso, fica uma observação de Kolappa, segundo a qual, uma vez incorporados à OMS, “todos os atores não estatais farão o que são incentivados a fazer, e não devemos ignorar isto”. Envolverde/IPS