Internacional

Justiça internacional para a paz

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Jomo Kwame Sundaram*

Por Jomo Kwame Sundaram*

Roma, Itália, 25/9/2015 – Em 2014 houve muita reflexão sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que na realidade foi em grande parte uma guerra europeia, embora com profundas repercussões para o século passado.

A Liga das Nações do presidente norte-americano Woodrow Wilson (1913-1921) não pôde assegurar as condições para a paz duradoura. Com a perspectiva do tempo, o ensaio de John Maynard Keynes sobre as consequências econômicas da paz foi notavelmente premonitório.

Em 2015, a atenção se fixou no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), há sete décadas. O desaparecimento gradual da maioria dos impérios coloniais nas três décadas posteriores ao conflito prometia uma nova era de justiça internacional.

Agora que a comunidade internacional se esmera para implantar a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 e celebrar em dezembro um novo tratado sobre mudança climática, em Paris, é importante aprender rapidamente a lição do fracasso da Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em Adis Abeba, capital da Etiópia, em julho, para abordar a justiça fiscal.

Sem avanços em matéria fiscal ou de ajuda será quase impossível realizar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que a Organização das Nações Unidas (ONU) deve aprovar, este final de semana, devido à falta de financiamento adequado.

Do mesmo modo, segundo assinalaram vários líderes, como o papa Francisco e a ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, não haverá progresso significativo com relação à mudança climática se o acordo de Paris não abordar a questão fundamental da justiça fiscal.

No dia 10 de maio de 1944, antes de terminar a Segunda Guerra Mundial, a Organização Internacional do Trabalho adotou a histórica Declaração de Filadélfia, que reconhece que “a paz permanente só pode se basear na justiça social”.

Preocupação semelhante foi expressa na Conferência de Bretton Woods realizada em julho de 1944, que se comprometeu a gerar as condições para a paz permanente mediante a reconstrução do pós-guerra e do desenvolvimento pós-colonial, com crescimento sustentado, pleno emprego e redução da desigualdade.

Bretton Woods criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Fomento (Birf).

O FMI ajudaria os países a superar suas dificuldades de balança de pagamentos e a “dirigir as políticas econômicas e financeiras para o objetivo de fomentar o crescimento econômico ordenado, com uma razoável estabilidade de preços”.

O Birf, mais tarde conhecido como Banco Mundial, foi criado para apoiar o investimento e o desenvolvimento de longo prazo.

A participação da mão de obra na produção aumentou na medida em que outras desigualdades diminuíam. Esta idade de Ouro também teve maior investimento em saúde, educação e demais serviços públicos, como a proteção social. O consenso de pós-guerra perdurou mais de 25 anos antes de entrar em colapso na década de 1970.

Ao final da Segunda Guerra, o secretário de Estado dos Estados Unidos, George Marshall, anunciou o plano para reindustrializar a Europa devastada pela guerra. Politicamente, o chamado Plano Marshall tinha a intenção de criar um cordão sanitário para conter a propagação do comunismo no início da Guerra Fria.

Esta generosa infusão de ajuda dos Estados Unidos e a aceitação favorável das políticas nacionais de desenvolvimento asseguraram o renascimento da Europa moderna. Muitos europeus continuam considerando que este foi o melhor momento de Washington.

Nas décadas seguintes o Plano Marshall se converteu no que talvez seja o projeto de assistência para o desenvolvimento econômico de maior sucesso da história.

Outras políticas de desenvolvimento econômico similares se aplicaram no Japão, Taiwan e Coreia do Sul, depois da fundação da República Popular de China e a guerra da Coreia.

Esta experiência oferece lições valiosas para os dias de hoje.

A Europa e o nordeste da Ásia se industrializaram com políticas que incluem intervenções econômicas do Estado, com taxas elevadas, cotas e outras barreiras não alfandegárias. O livre comércio somente seria justo depois de se ter alcançado a competitividade internacional.

Marshall sabia que o desenvolvimento econômico compartilhado é o único caminho para a paz permanente. Também insistiu em que a ajuda deve ser verdadeiramente para o desenvolvimento, não fragmentada ou paliativa. As capacidades e aptidões das nações em vias de desenvolvimento produtivo devem ser semeadas.

Cada época, não importa seu êxito, planta as sementes de sua própria destruição.

No começo da década de 1980, depois da mescla de inflação e paralisação econômica do Ocidente nos anos 1970, o neoliberal Consenso de Washington – a política econômica que vincula o governo norte-americano às instituições de Bretton Woods, localizadas em Washington – surgiu para liderar a revolução contra a economia do desenvolvimento, a economia keynesiana e as intervenções estatais não progressivas.

Assim, avançaram a desregulamentação, a privatização e a globalização econômica. Supunha-se que tais medidas impulsionariam o crescimento, que se espalharia para o restante da população e reduziria a pobreza, e, portanto, não seria preciso se preocupar com a desigualdade.

As políticas macroeconômicas se focaram quase exclusivamente em equilibrar o orçamento anual e conseguir inflação de apenas um dígito, em lugar da ênfase anterior, posta no crescimento sustentado e no pleno emprego com razoável estabilidade de preços.

Mas as medidas “neoliberais” não conseguiram gerar crescimento sustentado. Por outro lado, as crises financeiras e bancárias ficaram mais frequentes, com consequências mais devastadoras, exacerbadas por uma tolerância maior à desigualdade e à miséria.

A experiência e as análises recentes refutaram a presunção anterior de que a redistribuição progressiva retarda o crescimento. A desigualdade e a exclusão social demonstraram que são prejudiciais para a paz civil e social.

As novas prioridades globais ao final da Segunda Guerra Mundial continuam sendo relevantes hoje em dia.

Após as três últimas décadas de regressão, temos que voltar a nos comprometer com a ética mais inclusiva e igualitária da Declaração de Filadélfia, da conferência de Bretton Woods e do Plano Marshall, com um Novo Trato Mundial para nossos tempos.

Para que o sistema e as instituições internacionais da ONU sigam sendo permanentes, deverão demonstrá-lo ao reformarem a si mesmos, na medida em que as circunstâncias mudem, a fim de abordar melhor os desafios globais contemporâneos e futuros. Envolverde/IPS

* Jomo Kwame Sundaram é coordenador de Desenvolvimento Econômico e Social da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). As opiniões expressadas neste artigo são de responsabilidade da autora e não representam necessariamente as da IPS – Inter Press Service, nem podem ser atribuídas a ela.