Internacional

Um “mapa do caminho” para a Síria

 Mãe e filho perto de Ma’arat Al-Numan, uma zona rebelde da Síria, em 2013. Foto: Shelly Kittleson /IPS

Mãe e filho perto de Ma’arat Al-Numan, uma zona rebelde da Síria, em 2013. Foto: Shelly Kittleson /IPS

Por Baher Kamal* – 

Madri, Espanha, 11/1/2016 – Os “cinco grandes”, os Estados mais poderosos da Terra – Estados Unidos, China, França, Grã-Bretanha e Rússia – acordaram que já é hora de acabar com a tragédia humana que é a guerra civil na Síria, próxima de completar cinco anos.

Antes de chegarem a essa conclusão esperaram que morressem 300 mil civis inocentes, fossem disparadas toneladas de balas, 4,5 milhões de pessoas se refugiassem em outros países ou perdessem suas casas, houvesse centenas de testes de modernos drones (aviões não tripulados) e fossem realizados bombardeios diários por parte de Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia.

Com essas estatísticas em mãos, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou, no dia 18 de dezembro de 2015, a resolução 2254 que fixa um “mapa do caminho” para o processo de paz na Síria, e até um cronograma de negociações, facilitadas pelo fórum mundial, entre o governo de Bashar al Assad e grupos “da oposição”.

Também estabelecem as linhas gerais de um “cessar-fogo em todo o país, que começará tão logo as partes interessadas tenham dado os primeiros passos para uma transição política”. A resolução afirma que “o povo sírio decidirá o futuro da Síria”.

O Conselho de Segurança pediu também que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, convoque representantes do governo e a oposição para participarem das negociações formais para um processo de transição política “com caráter urgente”, com a meta de início das conversações em princípios de janeiro.

Os “cinco grandes” logo expressaram seu apoio a um processo político dirigido pela Síria e facilitado pela ONU, que estabeleça uma “governança factível, inclusiva e não sectária” no prazo de seis meses, e fixe um calendário e o procedimento para a redação de uma nova Constituição.

Além disso, o Conselho de Segurança expressou seu apoio a “eleições livres e justas, em virtude da nova Constituição, a serem realizadas no prazo de 18 meses e administradas sob supervisão” da ONU, segundo os “mais altos padrões internacionais” de transparência e garantias, com todos os sírios – incluindo os membros da diáspora – aptos a participar.

O Conselho solicitou a Ban que informe sobre as “opções” para a supervisão, verificação e o mecanismo de informação do cessar-fogo, e exigiu que “todas as partes cessem imediatamente os ataques contra a população civil”. Dessa forma, o mapa do caminho estabelece que, no prazo de seis meses, o processo deve estabelecer um “governo com credibilidade, inclusivo e não sectário”, com eleições “livres e justas” supervisionadas pela ONU, que acontecerão dentro de 18 meses.

Baher Kamal. Foto: IPS
Baher Kamal. Foto: IPS

O assunto foi tratado tão rapidamente que o enviado especial da ONU à Síria, Staffan di Mestura, já fixou o dia 25 deste mês como data limite para o início das conversações entre as partes.

Tudo isso vai bem, mas a resolução não dá respostas concretas para uma série de perguntas fundamentais. Para começar, a Coalizão Nacional da Síria (CNS) rejeitou a ideia por considerá-la “pouco realista”, informou o serviço de radiodifusão internacional alemão Deutsche Welle. A Coalizão se opõe a um fato que a resolução do Conselho de Segurança “omite” cuidadosamente, o futuro do presidente Assad.

Segundo o Deutsche Welle, a CNS expressou seu descontentamento porque a linguagem da ONU se referiu ao terrorismo do grupo extremista Estado Islâmico (EI), mas não ao “terrorismo” do governo de Assad. A Rússia solicitou que na transição se deixe a questão da governança para os sírios, enquanto a França, e em certas ocasiões os Estados Unidos, exigiram a expulsão imediata de Assad como condição para o acordo.

Assim sendo, qual “oposição” deve se sentar para negociar com o governo sírio? Enquanto Estados Unidos, França e Grã-Bretanha apoiam os que eles decidiram considerar como grupos “rebeldes” ou “opositores”, Arábia Saudita, Irã, Rússia e Turquia teriam critérios diferentes.

Nesse sentido se decidiu elaborar um mecanismo para estabelecer quais grupos rebeldes na Síria poderão participar do processo de paz. Para isso, a Jordânia, encarregada de listar organizações terroristas na Síria, teria apresentado um documento que inclui até 160 grupos extremistas.

De todo modo, o presidente Assad poderá se candidatar a um cargo nas eleições? Como a ONU supervisionará o cessar-fogo e controlará tantos aspectos diferentes que intervêm nos combates armados, incluídos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia?

E se o cessar-fogo não prosperar? Se mais civis sírios morrerem, fugirem, emigrarem? Como controlar o EI e tantos grupos terroristas que operam no território? O que fazer com os milhões de refugiados sírios, dispersos na região, principalmente no Líbano, Jordânia, Iraque e Turquia, enquanto centenas de milhares são “vítimas do tráfico” por grupos do crime organizado, incluindo o próprio EI?

E por fim, mas não menos importante, qual Síria existirá após os 18 meses fixados como meta para realizar as eleições? Será a Síria atual ou uma nova, reformada após lhe tirarem uma parte para fundar um novo “Suni-stão”, como recomendou recentemente o ex-embaixador junto à ONU do governo de George W. Bush (2001-2009), o republicano conservador John Bolton, sobre os territórios que se libertarão do EI na Síria e no Iraque?

Muitas perguntas essenciais sem respostas claras. E muitas lacunas para que o mapa do caminho seja factível.

A menos que a ideia seja implantar uma solução ao estilo líbio, na qual uma coalizão militar liderada pelo Ocidente, sob o guarda-chuva da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), ataque a Síria, permita que Assad seja assassinado e deixe as pessoas à sua própria sorte. Exatamente o que aconteceu na Líbia em 2011. Envolverde/IPS

* Baher Kamal é jornalista de nacionalidade espanhola e origem egípcia.