Internacional

Indígenas querem sua parte na conservação florestal

O líder emberá Cándido Mezúa, segurando o microfone, cobra que os povos indígenas sejam considerados nas ações para mitigar a mudança climática e que tenham participação nos benefícios por conservarem as florestas, durante a reunião anual do internacional Grupo de Trabalho de Governadores do Clima e das Florestas, na cidade mexicana de Guadalajara. Foto: Emilio Godoy/IPS
O líder emberá Cándido Mezúa, segurando o microfone, cobra que os povos indígenas sejam considerados nas ações para mitigar a mudança climática e que tenham participação nos benefícios por conservarem as florestas, durante a reunião anual do internacional Grupo de Trabalho de Governadores do Clima e das Florestas, na cidade mexicana de Guadalajara. Foto: Emilio Godoy/IPS

Por Emilio Godoy, da IPS –

Guadalajara, México, 1/9/2016 – “Por que as autoridades não se colocam em nosso lugar?”, perguntou o líder indígena panamenho Cándido Mezúa, a respeito da participação em políticas de conservação e divisão de benefícios pela proteção florestal proporcionada pelos povos originários. Mezúa, do povo emberá e dirigente da Aliança Mesoamericana de Povos e Florestas, disse à IPS que “o beneficio deve ser reconhecido pelo Estado como um mecanismo valioso para a sustentabilidade no longo prazo, como uma medida de mitigação própria dos povos indígenas”.

Mas não se avançou sobre qual será a recompensa e em mecanismos “claros” de compensação, lamentou o dirigente, durante um encontro indígena por ocasião da reunião anual do Grupo de Trabalho de Governadores do Clima e das Florestas (GCF), que começou no dia 29 de agosto e termina hoje na cidade de Guadalajara, no México.

A reclamação desse indígena se estende também à 22ª Conferência das Partes (COP 22)da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC), que acontecerá entre os dias 7 e 18 de novembro na cidade de Marrakech, no Marrocos.Além disso, busca incidir na agenda da 13ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que acontecerá no balneário mexicano de Cancún, entre os dias 4 e 17 de dezembro.

“Devem ser considerados os pontos de vista das organizações locais para a implantação de qualquer ação no território”, destacou Edwin Vázquez, coordenador-geral da Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica.As organizações indígenas “promovem estratégias de desenvolvimento sustentável próprias, que estão adequadas aos padrões locais, nacionais e internacionais e se destacam por terem como eixo central os saberes e as práticas dos povos”,disse à IPS.

Enquanto as agrupações de povos originários afinam seus posicionamento com vistas à COP 22 da CMNUCCe à conferência da CBD, a declaração emitida nessa cidade mexicana pelas organizações indígenas serve como prévia do que serão suas demandas.No documento Princípios Reitores de Colaboração Entre Membros do Grupo de Governadores Sobre Clima e Florestas e os Povos Indígenas e Comunidades Locais, demanda-se que o desenho e a execução do plano para a Redução de Emissões Provocadas pelo Desmatamento e pela Degradação das Florestas (REDD+) incorpore a participação “plena e efetiva” de povos originários e comunidades locais.

Também solicitam uma consulta para obter o consentimento livre, prévio e informado sobre essas medidas, as quais “reconhecerão e fortalecerão os direitos territoriais de povos indígenas e comunidades locais”.Em questão de financiamento, esses atores impulsionarão mecanismos de financiamento e distribuição de benefícios para a aplicação das ações referidas. Serão “incluídos sistemas de salvaguardas sociais e ambientais” vinculantes para que os povos indígenas e as comunidades locais enfrentem os riscos dessas políticas.

O GCF pode ser um laboratório diante do desempenho da CDB e da COP 22, pois a ênfase dos governadores recai especialmente nos planos da REDD+.Trata-se de um plano de ação que financia programas nacionais em países do Sul em desenvolvimento para combater o desmatamento, reduzir as emissões de dióxido de carbono e fomentar o acesso dos países participantes ao apoio técnico e financeiro com essas finalidades.

Moradias do povo emberá em uma clareira na floresta que esse povo indígena do Panamá protege, em uma área de quase 4.400 quilômetros quadrados. Os povos originários querem que os acordos climáticos reconheçam seu papel protagonista na proteção das florestas e os incluam nos benefícios proporcionados por essa conservação. Foto: Governo do Panamá
Moradias do povo emberá em uma clareira na floresta que esse povo indígena do Panamá protege, em uma área de quase 4.400 quilômetros quadrados. Os povos originários querem que os acordos climáticos reconheçam seu papel protagonista na proteção das florestas e os incluam nos benefícios proporcionados por essa conservação. Foto: Governo do Panamá

A iniciativa é parte do Programa Conjunto da Organização das Nações Unidas para a Redução de Emissões Provocadas pelo Desmatamento e pela Degradação das Florestas (ONU REDD) e atualmente inclui 64 países.O grupo de governadores do clima, criado em 2009, reúne sete Estados, províncias ou departamentos do Brasil, dois da Costa do Marfim, um da Espanha, dois dos Estados Unidos, seis da Indonésia, cinco do México e um do Peru.

Financiado por várias fundações norte-americanas e pela Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento, o GCF busca avançar em programas desenhados para promover o desenvolvimento rural de baixas emissões e a REDD+. Também trabalha para vincular esses esforços com outras iniciativas para reduzir outros gases-estufa, os regimes de redução de emanações e outros planos de pagamento por desempenho.

Mais de 25% das florestas tropicais do mundo estão nos Estados e províncias do GCF, incluindo mais de 75% das florestas do Brasil e mais da metade das da Indonésia.As florestas capturam o carbono da atmosfera e o armazenam nos troncos de suas árvores e no solo. Daí a importância de frear o desmatamento e evitar a liberação de carbono na atmosfera. Além disso, as árvores controlam o ciclo hidrológico ao permitirem a evaporação da água que alimenta a chuva.

“Deve haver condições para a participação efetiva nas etapas de preparação” dos planos, apontou à IPS o presidente da Rede Mexicana de Organizações Camponesas Florestais, Gustavo Sánchez, presente nos debates do GCF.Em sua reunião anual de 2014, no Estado brasileiro do Acre, os governadores se comprometeram com a reduçãode 80%do desmatamento em suas regiões,até 2020, mediante financiamento internacional com base em resultados. Assim, os Estados brasileiros do GCF poderiam evitar a emissão de 3,6 milhões de toneladas de gases ao ano.

Entre 2000 e 2010, as emissões de dióxido de carbono por desmatamento totalizaram 45 milhões de toneladas no México. Para reduzi-las, esse país adotou a meta de zero desmatamento até 2030. Os cinco Estados mexicanos participantes do grupo de governadores poderiam reduzir, anualmente, 21 milhões de toneladas de suas emissões até 2020, cerca de metade da meta assumida.

O Peru ofereceu redução de 20% em suas emissões, as quais totalizariam 159 milhões de toneladas até 2030 por uso da terra, mudança em seu uso e corte de árvores. Esse país poderia reduzir entre 42 milhões e 63 milhões por ano de suas emissões derivadas de áreas florestais até esse ano.

O grupo administra um fundo criado em 2014, que busca garantir e desembolsar US$ 50 milhões ao ano, a partir de 2020, para construção de capacidades e execução de projetos inovadores. Somente em 2014, o grupo de governadores convocou as organizações indígenas para formar alianças.

Os países latino-americanos ainda não apresentaram mecanismos sobre como podem usar as reduções de emissões alcançadas para garantir pagamentos por resultados. Mas a REDD+, criticada por muitas organizações indígenas e comunitárias, engatinha na região, pois somente a Costa Rica está para começar a participar do plano. E o México, por sua vez, está terminando a consulta da Estratégia Nacional REDD+.

“Sempre tivemos políticas climáticas ancestrais. O GCF pode consolidar uma proposta mais completa, com alianças entre jurisdições diferentes”, pontuou Mezúa.Sánchez considerou que as metas serão alcançadas se incluírem os administradores dos recursos naturais. “Haverá pouco alcance se se descansar em políticas de REDD+, que ainda estão sendo desenhadas. Deve haver um mecanismo que reúna todos os esforços”, sugeriu.

Para Vázquez, é “determinante” que no processo de gestão sejam “realizados processos para o estabelecimento de salvaguardas, mecanismos de participação nas decisões e aplicação de plano de ação e participação equitativa nos benefícios”. Envolverde/IPS