Por Busani Bafana, da IPS –
KwaZulu Natal, África do Sul, 21/12/2016 – A família da pastora sul-africana Bongekile Ndimande perdeu mais de 30 cabras para a seca devastadora da temporada passada, e as sobreviventes agora são sua caderneta de poupança de quatro patas. Em termos econômicos, a seca impediu Ndimande de ganhar mais de US$ 21 mil. Cada cabra valeria cerca de US$ 714, se tivesse sobrevivido ao calor, à seca e ao entorno rochoso de sua aldeia de Ncunjana, na província de Kwa Zulu Natal, atingida pela falta de água que golpeou o sul da África.
Mais de 40 milhões de pessoas necessitam de alimentos após a pior seca registrada na região, inclusive a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) lançou um pedido de emergência para conseguir US$ 2,8 bilhões para enfrentar este problema. Os pequenos agricultores dessa província da África do Sul, começaram a trabalhar com cabras como forma de se adaptarem à mudança climática. A resistência desse animal pode ser um êxito para a pecuária e a agricultura, que precisam de transformação para produzir mais alimentos para mais pessoas com menos recursos.
Pecuaristas como Ndimande tiram o melhor de uma situação ruim. Necessitam de ajuda para enfrentar as condições climáticas que pioram e afetam a segurança alimentar, nutricional e de renda em muitas partes da África. A adaptação da agricultura à mudança climática e às finanças foram assuntos importantes na 22ª Conferência das Partes (COP 22) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que aconteceu em novembro na cidade marroquina de Marrakesh.
O Marrocos, que já começou a implantar o Acordo de Paris sobre mudança climática, divulgou o projeto Adaptação da Agricultura Africana (AAA), uma iniciativa de US$ 30 mil para transformar e adaptar o setor.
Transformar a agricultura para fazer frente ao aquecimento global é fundamental para combater a fome e a pobreza, destacou José Graziano da Silva, diretor da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), no dia 4 de novembro, quando o Acordo de Paris entrou em vigor. O setor agrícola tem uma posição única para impulsionar o desenvolvimento sustentável mediante iniciativas climaticamente inteligentes, acrescentou.
Quase todos os países africanos incluíram a agricultura em seus planos de ação, chamados Contribuições Determinadas em Nível Nacional, o que realça o grave perigo que representa a mudança climática para a segurança alimentar e o crescimento econômico desse continente, apontou Bruce Campbell, diretor do programa de pesquisa do CGIAR Agricultura e Segurança Alimentar. A ciência, a inovação e a tecnologia serão o eixo da adaptação da agricultura africana, ressaltou.
Segundo o Banco de Desenvolvimento Africano, entre US$ 315 bilhões e US$ 400 bilhões serão necessários na próxima década para implantar a agenda de transformação da agricultura do continente. O uso da tecnologia é uma das muitas soluções para enfrentar as consequências da mudança climática, se os pequenos agricultores pretendem produzir alimentos de forma sustentável, em lugar de criar animais.
O Centro Técnico para a Agricultura e a Cooperação Rural (CTA), que lançou um projeto regional para melhorar o acesso dos agricultores à tecnologia, a fim de tirá-los da pobreza, concluiu que diversificar o gado é uma das soluções provadas e que pode ser adotada por pecuaristas e pelos que cultivam cereais na África austral, para passarem a uma agricultura resistente à mudança climática.
Criar cabras em lugar de vacas permitiu a Ndimande aumentar seu rebanho caprino de 30 cabeças, há três anos, para 57, além de 15 cabritos. Em 2015, vendeu seis, a U$ 67 cada uma, e investiu o ganho em uma nova casa com três cômodos, de tijolos e telhas. Ela é uma das pecuaristas de Kwa Zulu que, graças à capacitação na criação de caprinos do projeto Trabalhadores Comunitários para a Saúde Animal, contribuem para a transformação do gado.
O Projeto de Desenvolvimento Rural de Mdukatshani é uma iniciativa de US$ 5 milhões – da qual participam o Departamento de Desenvolvimento Rural e Reforma Agrária, o Departamento de Agricultura de KwaZulu e a organização Heifer International South Africa – para duplicar a produção caprina fazendo com que sete mil mulheres se dediquem à pecuária e criando mais de 600 postos de trabalho para jovens nessa província sul-africana. O projeto também busca criar 270 microempresas e gerar cerca de US$ 7,1 milhões de ganhos em cinco anos.
“As cabras me dão alimentos e renda porque posso vendê-las em um prazo curto, ao contrário do gado bovino”, explicou Ndimande à IPS. Além disso, as cabras são melhores do que os bovinos para enfrentar a seca, a vulnerabilidade e um ambiente mutante. Também é mais fácil de serem criadas pelas mulheres, pontuou Rauri Alcock, diretor do Projeto de Desenvolvimento Rural de Mdukatshani.
“As mulheres são nossa prioridade, porque são responsáveis pela família em muitos casos e estão entre as pessoas mais vulneráveis que procuramos atender, então, cabras, mulheres e aquecimento global se combinam bem”, opinou Alcock à IPS durante apresentação de um projeto de agronegócio a cargo do CTA e da Confederação de Sindicatos Agrícolas da África Austral (Sacau) para pecuaristas dessa região da África.
Alcock acrescentou que o principal objetivo do projeto é evitar a morte de cabritos. A cabra é um animal produtivo, mas a elevada mortalidade de animais antes do desmame diminui a produtividade dos criadores. Criar cabras é uma estratégia de adaptação climática. Os agricultores que tinham vacas e as perderam agora adotam as cabras por serem mais resistentes e melhores animais para um ambiente difícil.
O agricultor Sikhumbuzo Ndawonde, de 46 anos, que foi operário siderúrgico em Johannesburgo, mantém sua família com a criação de cabras, apesar de não as comerem. “Nunca comi sua carne, mas gosto de criá-las porque consigo boa renda, além de tê-las para cerimônias tradicionais. Agora são meu trabalho”, contou. Ele tem 33 cabras e vende pelo menos dez a cada ano.
“Um dos desafios derivados do elevado grau de carbono na atmosfera é o aumento do componente madeireiro na vegetação. As cabras, porém, são principalmente forrageiras, são melhores para reduzir o avanço do mato que, por sua vez, é bom para sua alimentação”, ressaltou Sikhalazo Dube, especialista e representante na África austral do Instituto Internacional de Pesquisa Pecuária (ILRI).
Um rebanho pequeno pode ser criado em uma área reduzida e precisa de menos alimento, o que torna as cabras ideais para as mulheres e os jovens que normalmente não têm terras, enfatizou Dube. Envolverde/IPS