Política Pública

A mudança climática e a praga do milho

Por Friday Phiri, da IPS – 

Pemba, Zâmbia, 27/1/2017 – Surrender Hamufuba, da aldeia de Mwanamambo, no sul de Zâmbia, recordou como teve que lutar contra a lagarta do cartucho (Spodoptera frugiperda) que atacou sua plantação de milho em 2012. Em 2016, sofreu uma praga similar, em uma escala ainda maior. “Não estou certo do motivo, mas o aumento da frequência dessas pragas pode ter sua causa na mudança climática”, disse o agricultor de 48 anos, que parece estar bem informado sobre como o clima afeta a agricultura. Hamufuba calcula que o dano atingiu um dos cinco hectares plantados em sua propriedade.

Só na localidade de Pemba, cinco mil pequenos agricultores denunciaram prejuízos de diversas magnitudes. Segundo a ministra da Agricultura, Dora Siliya, a lagarta do cartucho invadiu pelo menos 124 mil hectares de milho, pouco menos de 10% dos 1,3 milhão de hectares plantados com milho nessa safra.

Patrick Kangwa, coordenador nacional da Unidade de Gestão e Mitigação de Desastres, afirmou que “as pragas estão sob controle” e que o governo comprou e entregou 87 mil litros de pesticidas para serem usados nos campos afetados. Apesar de os agricultores receberem o apoio necessário, a preocupação no longo prazo é a frequência e imprevisibilidade dessas pragas devastadoras.

Donald Zulu, professor e pesquisador da Universidade de Copperbelt, em Zâmbia, diz que a mudança climática pode complicar o padrão das infestações. “Os focos da lagarta de cartucho dependem em grande parte dos padrões de vento e chuva. Com o aquecimento global, o padrão climático na África continuará mudando, o que poderá significar mais ou menos focos”, explicou. Ele recomenda estratégias integradas no longo prazo, baseadas em “sistemas sólidos de vigilância e alerta em todo o país”.

A lagarta de cartucho é uma praga migratória grave, que se alimenta de plantas jovens de milho, mas também ataca outros cultivos, como os de trigo, arroz, sorgo, painço e a maioria das pastagens, o que afeta tanto a produção de cultivos como a pecuária. Alimenta-se com tal voracidade que, quando são descobertos, já causaram danos notáveis. Há vários tipos de lagarta de cartucho. Enquanto a invasão de 2012 correspondeu ao tipo africano, o foco deste ano é diferente.

O agricultor Surrender Hamufuba inspeciona sua plantação de milho em Zâmbia. Os especialistas asseguram que a mudança climática agrava as pragas nos cultivos africanos. Foto: Friday Phiri/IPS

 

“Essa praga em particular é a lagarta do milho, e não a lagarta africana”, explicou Eliot Zitsanza, cientista-chefe da Organização Internacional de Controle da Lagarta para África Central e Meridional. “Mas ambas estão muito ligadas. A lagarta do milho é nativa das Américas e pode ter sido introduzida em Zâmbia por acidente”, acrescentou. Este ano, o foco da lagarta de cartucho ocorreu junto com o da broca de espiga (Papaipema nebris). Ambas pertencem à mesma família científica da traça chamada noctuidae. Do ponto de vista científico, os dois tipos de pragas dependem do clima para se reproduzir e crescer, o que ressalta a importância dos sistemas de alerta.

Um dos sistemas de alerta mais notáveis utiliza uma extensa rede de armadilhas de feromônios, que atraem o macho da lagarta de cartucho utilizando um aroma artificial semelhante ao das fêmeas. A captura dos animais nas armadilhas é feita em combinação com os informes meteorológicos locais para prognosticar os focos e ajudar a alertar os agricultores.

Como o aquecimento global causa incerteza meteorológica, também é culpado por uma incidência maior de pragas? O professor Ken Wilson, da britânica Universidade Lancaster, que estuda a lagarta de cartucho há 25 anos, diz que é muito provável que o padrão de focos tenha mudado nas últimas décadas. “É muito provável que a mudança climática afete a incidência dessa praga, porque a lagarta de cartucho depende do clima, já que se alimenta de cultivos e ervas que dependem da quantidade de chuva, e o padrão dos focos depende muito de onde ocorrem as tempestades e com que frequência”, indicou à IPS.

Quanto à broca de espiga, como a maioria dos insetos, seu crescimento depende diretamente da temperatura, o fator ambiental mais importante no comportamento dos insetos, segundo Zulu. “Na medida em que a temperatura projetada aumenta, os insetos se desenvolvem mais rapidamente e isso pode levar a um crescimento da população antes do esperado”, alertou.

O quinto informe de avaliação do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática confirma esse forte vínculo entre o aquecimento e o agravamento das pragas e enfermidades. Ao apontar o risco que representa a mudança climática para a agricultura – redução da produtividade dos cultivos derivada do estresse pelo calor e pela seca –, o informe menciona o aumento dos danos causados por pragas e enfermidades e o impacto das inundações na infraestrutura do sistema alimentar como indicadores essenciais.

Do mesmo modo, o informe recomenda a adoção de variedades de cultivos tolerantes ao estresse, irrigação e sistemas melhorados de observação do tempo. O coordenador agrícola da Província do Sul de Zâmbia, Max Choombe, aponta a monocultura como uma das razões principais, especialmente do foco da broca de espiga. “Creio que a monocultura provocou essa praga porque nossos agricultores plantam milho e mais milho, não mudam”, disse o especialista, insistindo na importância da rotação dos cultivos para romper o ciclo das pragas.

Choombe também acredita que a mudança climática é precursora das infestações de pragas e não descarta o vínculo entre o foco atual e o aquecimento global. “A mudança climática também é um problema, é uma precursora para o ataque de algumas pragas e creio que o ataque dessa safra pode ser consequência das mudanças climáticas extremas que estamos experimentando”, enfatizou. Envolverde/IPS