São os novos ricos do grande negócio futebol, uma das mais rentáveis mercadorias desta era globalizada do capital.

Não é nada fácil a vida de um cronista de Bruzundanga… São tantos eventos insólitos e quase surreais a ocupar as manchetes da mídia tupiniquim, que muitas vezes nem sequer logramos abordar temas de enorme interesse e relevância para a nossa conturbada República. Para que o leitor não pense em me desmentir, reporto-me aqui tão somente às últimas lides de minha província, onde o menino Juan, de apenas 11 anos, foi assassinado pela PM (temendo ser morta, sua família está sob proteção policial desde o final de junho). Isso para não falar da aparição espetacular de Osama Bin Light nas galerias de energia elétrica do Rio, cuja concessionária (privatizada, é óbvio) ensaia uma nova – e, literalmente, explosiva – modalidade olímpica para 2016: o arremesso de bueiros.

Uma crônica, porém, não deve limitar-se a denunciar os absurdos da Corte. Sempre que possível, caberá a ela também refletir sobre as tramas e personagens das farsas encenadas nessa luta miúda pelo poder que parece jamais ter fim nos bastidores sombrios das elites. Por isso, li com imenso prazer o texto que o cineasta Ugo Giorgetti (o premiado diretor de Boleiros) escreveu há poucos dias, revelando-nos, com inegável verve literária, suas impressões sobre a figura anódina de Ricardo Teixeira, o todo-poderoso presidente da CBF e do Comitê Organizador da Copa 2014, um exemplo acabado dos novos arrivistas que prosperam às custas do nebuloso negócio do futebol.

Com o espírito aguçado de um legítimo ficcionista, Giorgetti relê uma longa entrevista que Ricky Tricky concedeu à revista Piauí. Mais além da arrogância e onipotência do cartola, ele desvela-nos com rara clarividência a tosca matéria de que se compõe a personagem e seu entorno. Conforme escreve o cineasta, o mundo em que se move Teixeira, ao contrário do que muitos poderiam supor, “é tudo, menos glamouroso, aventuresco, imprevisível e charmoso.”

Aos seus olhos, o cartola surge como “um homem absolutamente comum, banal, quase triste, que se movimenta num meio composto de velhos cansados, cinzentos, opacos, que só se manifestam por meio de lugares comuns dos mais vulgares, empregando um linguajar de uma pobreza extrema, só igualado pela indigência de seus raciocínios”.

Desprovido de qualquer carisma, o insosso Ricky é, em suma, uma figura sem molho e sem sal, sem o menor fascínio, nem sequer uma única frase memorável, como soem cultivar os grandes vilões da História e da ficção. Parco de imaginação e paixão, alheio à própria euforia congênita do esporte que “comanda”, a cinzenta criatura move-se apenas na rota soturna do exercício do poder. Ele e seus pares são “pequenos homens de negócios”, encerrados em estreito círculo mental, desconfiados uns dos outros e empenhados apenas em defender-se todo o tempo de “acusações reais ou imaginárias”.

São os novos ricos do grande negócio futebol, uma das mais rentáveis mercadorias desta era globalizada do capital. Seus traços, de certa forma, já se entreviam nas velhas elites da casa grande, que o magistral Lima Barreto nos descreve à perfeição em Os Bruzundangas. Teixeira, contudo, está longe de ostentar a aura daqueles latifundiários que viviam nas cidades, “gastando à larga, levando vida de nababos e com fumaças de aristocratas” e arranjando “meios e modos” de o governo central decretar um empréstimo de milhões para valorizar sua lavoura nos momentos de crise. Em realidade, ele é apenas um filhote desgarrado de Brás Cubas e Macunaíma, carente da criatividade fabulosa do “herói sem nenhum caráter” e incapaz de exibir a desfaçatez charmosa do “defunto autor” machadiano…

Foram-se os tempos dos anti-heróis literários e daqueles “vilões fascinantes” a que se refere o cineasta Ugo Giorgetti. Na periferia pós-moderna do capitalismo, o que nos resta são essas criaturas cinzentas, fechando negócios nos balcões do Erário, ociosas e improdutivas como tantos alqueires de terra nos grotões de Bruzundanga. Será que teremos de suportá-las impávidas até 2014?

* Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, e autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e Lima Barreto – o rebelde imprescindível.

** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.