Ambiente

Até quando a Amazônia vai pagar a conta do clima? Artigo de Pedro Soares

Pedro Soares*

A Amazônia brasileira é responsável por grandes recordes: abriga a principal porção da maior floresta tropical do planeta e gerou a maior contribuição individual de um país contra o aquecimento global, quando a queda do desmatamento ilegal entre 2006 e 2014 evitou a emissão de 6 bilhões de toneladas de carbono para a atmosfera. Mas esses títulos podem ficar no vazio, se os negociadores brasileiros no Acordo do Clima continuarem a insistir em negligenciar as florestas em detrimento a setores menos relevantes do ponto de vista social e mais competitivos economicamente, como indústrias e grandes hidrelétricas da Amazônia.

A insistência do governo federal em apostar nas doações como a única estratégia de investimento para a Floresta Amazônica, como as realizadas pela Noruega ao Fundo Amazônia, carece de uma visão de longo prazo para o desenvolvimento e futuro da região. Até hoje, as doações recebidas remuneraram apenas 6% do valor que poderia ter sido obtido pelo desmatamento evitado entre 2006 a 2014. Pior: é um investimento cada vez mais volátil, considerando que o desmatamento está crescendo na região (6,5 mil quilômetros de desmate em 2017) e que, a partir de 2020, os países terão que direcionar recursos para a diminuição das próprias emissões e dificilmente manterão doações, como a realizada pelos noruegueses.

No campo das oportunidades, existe a previsão concreta de investimento de ao menos US$ 12 bilhões por parte da Organização da Aviação Civil Internacional (Icao, na sigla em inglês), para a compensação das suas emissões por meio da compra de créditos de carbono, inclusive os de origens florestais. Adicionalmente, o Acordo de Paris e seu decorrente Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS) devem expandir exponencialmente a demanda por créditos de carbono para que os países cumpram suas metas de redução de emissões.

Ambas as oportunidades infelizmente são tratadas hoje apenas por um grupo restrito do Ministério do Meio Ambiente e do Itamaraty, sem abertura para a participação da sociedade civil e dos governos estaduais e municipais amazônicos. Tamanhas decisões não podem ser tomadas à revelia de segmentos sociais fundamentais para a redução do desmatamento na Amazônia.

Entender a conservação florestal como mecanismo elegível aos mercados de carbono, incluindo as operações de REDD+ (Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal) na lista de potenciais geradores de créditos para compensação, é uma questão negocial. A maioria absoluta dos países assinantes do Acordo do Clima mostra-se favorável, neutra ou omissa frente ao tema. Os únicos a se posicionarem claramente contra o uso de créditos florestais na compensação de emissões são Brasil (ironicamente, a maior potência de REDD+ do planeta), Bolívia e o bloco de nações de florestas tropicais liderado pela República Democrática do Congo.

O principal motivo para a resistência do governo federal brasileiro em incluir o REDD+ em mecanismos de mercado é a dificuldade de estabelecer metas mais ambiciosas de reduções de emissões também para outros setores, como energia, transporte e indústrias. Continuamos com uma visão ultrapassada de cumprir os compromissos e metas nacionais (a NDC brasileira) com extremos sacrifícios da Amazônia e do setor florestal, enquanto são aprovados pacotes paralelos de incentivos para exploração de petróleo e gás.

O ano de 2018 será chave para definições dos princípios e critérios que irão reger os mercados de carbono nas próximas décadas. Esse é o tempo de que os negociadores brasileiros dispõem para fazer contas, rever suas análises e responder à pergunta: até quando a Amazônia continuará pagando a conta do clima no Brasil?

*Pedro Soares, gerente do Programa de Mudanças Climáticas e REDD+ do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) (#Envolverde)