Análise da qualidade da água em 22 pontos constata que rejeito contaminado afeta, no mínimo, 305 km do rio Paraopeba
A equipe da Fundação SOS Mata Atlântica finalizou no último sábado (9) a expedição Paraopeba. Em 10 dias, Malu Ribeiro, Marcelo Naufal e Tiago Felix, da equipe de água da organização, percorreram mais de 2 mil km por rodovias federais, estaduais, por estradas rurais, desvios, fazendas e comunidades, perseguindo o leito do rio no curso da degradação provocada pela Vale. O objetivo: saber o potencial de impacto à qualidade da água e o alcance do rejeito contaminado para outras regiões.
O resultado, infelizmente, é estarrecedor. Por todo trecho da expedição, desde a região de Córrego do Feijão, onde os rejeitos encontraram o Rio Paraopeba, até o reservatório de Retiro Baixo, em Felixlândia (MG), a equipe não encontrou água em condições de uso. Ou seja, nos 305 km de rio analisados, a água estava imprópria, com qualidade péssima ou ruim.
No último ponto analisado, no reservatório de Retiro Baixo, em Felixlândia, o cenário foi parecido. A situação da água foi considerada ruim com índices de turbidez de 329,6 NTU (sigla em inglês para a unidade matemática Nefelométrica de Turbidez, que verifica a quantidade de partícula sólida em suspensão, o que impede a passagem da luz e a fotossíntese, causando a morte da vida aquática). Isso equivale a três vezes mais do que o permitido pela legislação.
“Fomos super bem acolhidos pelas comunidades, desde ribeirinhos, pescadores que perderam seus peixes, quilombolas sem água para suas roças, produtores rurais, passando por técnicos de órgãos gestores, membros de Comitês de Bacias e toda essa gente que ama o Rio Paraopeba“, afirma Malu Ribeiro, especialista em água da Fundação SOS Mata Atlântica.
A expedição teve início no marco zero da tragédia ambiental em Brumadinho. A ação contou com apoio da Ypê e da Policontrol, empresa de fornecimento de equipamentos de alta precisão. A professora Marta Marcondes, do Laboratório de Poluição Hídrica, da Universidade de São Caetano do Sul, também participou da expedição para identificar os indicadores microbiológicos da contaminação da água.
“Foi mais um aprendizado ter participado desta expedição. Perceber a destruição ao longo do rio foi muito triste. Encontramos pessoas que dependiam do rio, olhando para ele, desoladas, e animais que ainda buscavam alimento por lá. O rio era a vida dessas pessoas e a destruição levou todos esses sonhos embora“, afirma a professora da USCS.
No final, a sensação de todos foi uma só: as águas estão turvas mas a percepção de algumas pessoas que ali vivem ainda é clara, cristalina, como era a água do Rio.
“Foram casas e porteiras abertas para que pudéssemos chegar no Rio e dizer qual a condição da água naquele momento, dando um alento e esperança de que o Paraopeba e toda a sua gente não serão abandonados“, afirma Tiago Felix, biólogo e educador ambiental da Fundação.
Para a Fundação SOS Mata Atlântica, a água segue seu ciclo, a contaminação que fica no leito do rio e nos reservatórios é difícil de ser remediada, e as vidas alteradas jamais serão as mesmas.
“Todos, sem exceção querem que a impunidade, como no Rio Doce, não impere. Juntos podemos combater crimes como esses e recuperar a bacia. É momento de fortalecer instituições de fiscalização e controle, dar apoio às vítimas e condições à população da bacia do Rio Paraopeba, de governança, na tomada de decisão e principalmente nas medidas de ressarcimento de prejuízos materiais, imateriais e ambientais“, destaca Marcelo Naufal, advogado e consultor da SOS Mata Atlântica para questões hídricas.
Nos próximos dias a organização deve finalizar o relatório completo, que será apresentado no dia 27, em Brasília. A ideia é entregá-lo a autoridades, contribuindo para que as melhores decisões sejam tomadas, e também para a sociedade, principalmente quem ainda precisa viver daquele e naquele rio, para que tenham informações concretas sobre a situação local. Afinal, a vida das pessoas foi modificada.
Como foi a expedição
Brumadinho é um município que está totalmente inserido na área da lei da Mata Atlântica. Antes do ocorrido a cidade possuía 15.490 hectares de remanescentes do bioma acima de 3 hectares, o equivalente a 830 campos de futebol – isso representa 24,22% do que havia do bioma originalmente no município, de acordo com o Atlas da Mata Atlântica.
Segundo dados da SOS Mata Atlântica/INPE/MapBiomas, houve uma perda de 112 hectares de florestas nativas. Destes, 55 hectares eram áreas bem preservadas. Além disso, a bacia do rio Paraopeba é formadora e corresponde a 5,14% do território da bacia do rio São Francisco, além de ser um dos principais mananciais de abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – desde a tragédia, o Paraopeba se manteve indisponível para qualquer tipo de uso.
Este rio tem extensão de 546,5 km, área de 12.054,25 km² e abrange 48 municípios mineiros, nos limites e ecraves da Mata Atlântica e do bioma Cerrado. O rejeito contaminado deixa toda essa rede de drenagem alterada, desde nascentes e curso do rio, com vazões interrompidas em alguns trechos e com variações ao longo de toda a bacia hidrográfica.
A comunidade da região, incluindo ribeirinhos, quilombolas, indígenas e agricultores, utilizam a água do Paraopeba para subsistência, atividades econômicas e, principalmente, para animais e lazer. Existe ainda, o impacto de valor imaterial – associado a cultura dessas comunidades -, que não vem sendo mensurado. Assim como no rio Doce, este dano silencioso é de impacto profundo em várias gerações.
Um dos relatos ouvidos pela equipe da expedição, de um pescador da região de Pompéu, expressa muito bem isso. Em uma conversa informal, e por isso não foi possível identificá-lo, disse: “o que o pescador demora anos para pegar, uma tragédia como essa destrói em segundos e, muitas vezes, nós pescadores que somos vistos como vilões“, afirmou.
O dano ambiental ocorreu logo após o período de piracema – época de reprodução de espécies que só ali vivem –, além daquelas que foram reintroduzidas pela Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, como o repovoamento de alevinos que tinha acabado de ser realizado. Após a tragédia, todas essas espécies foram perdidas.
Para obter dados sobre a qualidade da água, a expedição técnica contou com ferramentas de análise do Índice de Qualidade da Água (IQA), estabelecido no Brasil por meio de uma norma legal (CONAMA 357), que contempla o levantamento de indicadores físicos, químicos, biológicos e bacteriológicos. A cada 40 km, uma amostra de água foi coletada – foram 22 pontos de análise –, possibilitando resultados em tempo real sobre 14 indicadores, entre eles turbidez, oxigenação, nitrato e fosfato. Outros dados, que demandam tempo de reação maior, como indicadores microbiológicos da contaminação da água, estão sendo tratados em laboratório e apresentados no evento do dia 27.
Foto: Gaspar Nóbrega/ SOS Mata Atlântica
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