por Samyra Crespo –
Mia Couto filósofo e escritor moçambicano, diz que em vez de produzir riquezas, estamos produzindo ricos
Posso afirmar sem medo de errar que os ambientalistas, em sua maioria, acreditam na possibilidade de reformar o capitalismo, dando a ele uma feição inteligente (mais eficaz nas suas promessas de prosperidade) e mais ecológica. Os teóricos chamam a essa tendência majoritária hoje, cujos operadores são os sustentabilistas, de “A modernização ecológica do capitalismo”. Assim, longe de ser revolucionário este movimento vem abraçando o reformismo como ideologia politico-econômica.
Este veio de crenças e sua diligente tradução em práticas de “negócios sustentáveis” se configurou nas primeiras duas décadas deste século, ainda em curso. O mote principal dos sustentabilistas é mainstreamming the ecology (colocar a ecologia no coração da economia capitalista).
Portanto não venham com esse papo de que somos marxistas e anticapitalistas ferrenhos. Há os que discordam do status-quo. São antes anti-establishment. E representam hoje grupos minoritários.
Vamos aprofundar isto. E vou precisar de dois posts para o mesmo assunto. Um texto muito grande ninguém lê e aqui é um embate público, não acadêmico.
Quando eu estava na faculdade um professor que estudara a formação da classe industrial paulista e a formação das novas fortunas originadas na commodity da época – o café – se espantava com os alunos da pós graduação que só tinham apetite para falar dos movimentos sociais, dos pobres e oprimidos. Inclusive eu que naquele momento desenvolvia meu mestrado estudando os integristas católicos envolvidos no Golpe de 64.
Vocês devem estudar os ricos, o poder econômico por eles constituído pois a opressão e a pobreza estão aí como resultado, dizia nosso professor de estudos agrários.
Essas reminiscências me vêm à mente quando vejo diariamente as cotações do dólar dar taquicardia e os colunistas políticos e econômicos se referirem ao Deus MERCADO. O mercado pensa assim, o mercado pensa assado.
Olho para o voo solo e torpedeado de Thomas Piketty, o economista francês – que se utilizando de base de dados sistemáticas e séries históricas, longitudinais, nos mostrou didaticamente como ao longo de séculos – e mesmo enfrentando grandes guerras, as fortunas se mantém nas mãos de algumas poucas famílias. Também explica como a ciranda financeira torna novas pessoas tidas como empreendedores exemplares, tipo Bill Gates e Slim o magnata mexicano muito, muito ricas.
Ao final do século XX vimos dois fenômenos intimamente ligados ocorrer: a expansão do capitalismo (territorial e culturalmente falando) e a concentração brutal da riqueza. Como substrato, massa de pobres e mesmo bolsões de miséria em países tidos como desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos.
Pena, diz Mia Couto filósofo e escritor moçambicano, que em vez de riqueza estamos produzindo ricos, riqueza esta que só é distribuída com escândalo. Basta ver os debates em torno da “renda minima”, não só no Brasil. Faz-se brutais mudanças tecnológicas que destroem milhões de empregos e mesmo as migalhas que serão distribuídas aos que “sobram” desta transição são alvo de controvérsia.
A pergunta que não quer calar é: de onde vêm as fortunas do Brasil?
Respondo que se você quer saber quem são os inimigos dos ambientalistas, siga o dinheiro.
A riqueza no Brasil tem base fundiária, rentista e imobiliária. Extração de madeira, mineração e comércio do solo urbano. O industrialismo sempre contou com proteção de mercado e as commodities com largos subsídios. O avanço sobre terras públicas, o desmatamento, as Serras Peladas, o avanço do boi e da soja. Sacaram?
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo ” O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.