Opinião

Incerteza econômica global afeta adoção de posturas sustentáveis pelo mundo

*Por Maria Emília Peres – 

Pesquisa da Deloitte mostra que preocupação com o aquecimento global vem caindo nos últimos anos. Dificuldades financeiras, causadas pelos desafios econômicos, limitam ações e engajamento.

Nos últimos anos, o mundo testemunhou crises que desafiaram – e ainda desafiam – a economia global. Algumas, mesmo que distantes geograficamente, impactam o dia a dia de boa parte da população em geral, como a guerra Rússia-Ucrânia, a inflação acelerada, o aumento no desemprego e as consequências prolongadas da pandemia da Covid-19 nas cadeias logísticas. Em paralelo, as emissões de carbono seguem altas. Como consequência de uma infeliz conjunção, as incertezas econômicas têm reduzido a preocupação com as sequelas do aquecimento global.

A constatação está na Pesquisa Global de Sustentabilidade da Deloitte, organização com o portifólio mais diversificado do mundo, que analisou atitudes e comportamentos em relação ao desenvolvimento sustentável em mais de 20 países. O estudo mostrou que o apoio às ações climáticas e às escolhas sustentáveis têm caído em todo o mundo e que o volume de atividades individuais frente às mudanças climáticas diminuiu no período entre setembro de 2021 e março de 2023. Independentemente de renda, a maioria das pessoas se preocupa com a mudança climática e conversa sobre o assunto, mas as dificuldades financeiras, especialmente por conta dos desafios econômicos, limitam as ações.

A pesquisa ainda revela queda no número de entrevistados que, dentro do seu local de trabalho, defendem maior equilíbrio na preservação dos recursos naturais. Outro ponto: menos trabalhadores estão dispostos a mudar para um empregador que inclua atividades mais sustentáveis na rotina das organizações. Esse é um cenário moldado, especialmente, por condições econômicas individuais. Pessoas com rendimentos altos se engajam mais em comportamentos que reflitam a sustentabilidade. O levantamento da Deloitte mostrou que, enquanto cerca de metade dos entrevistados de renda média e alta considerariam mudar de emprego para uma empresa mais engajada com ações de sustentabilidade, o mesmo comportamento seria considerado apenas por 20% de quem tem rendimentos mais baixos.

Não é para se surpreender. A parcela mais pobre da população ocupa-se de preocupações diárias que não incluem, por exemplo, a compra de produtos sustentáveis ou engajar-se na defesa do clima a partir de comportamentos políticos e cívicos. Nada disso significa, porém, ausência de considerações a respeito do tema – ou seja, que não haja potencial para a ação. A pesquisa indica que este mesmo grupo se mostra mais insatisfeito quando questionado sobre as ações de seus empregadores em relação às mudanças climáticas.

Não é para se surpreender, mas é para se preocupar. A mudança climática só será adequadamente enfrentada em escala global por meio de ações coletivas e sistêmicas de milhões de pessoas – e o coletivo só se manifesta quando há mudança de postura individual, influenciando esforços corporativos e governamentais. Profissionais e consumidores engajados são fundamentais para que as organizações invistam em inovação e no desenvolvimento de produtos ecologicamente sustentáveis. Em larga escala, essa produção pode tornar o acesso da população de baixa renda mais acessível e atrativa. Esse ciclo precisa girar.

Para parte disso, há responsabilidades fundamentais do setor público, por exemplo, que pode criar políticas como subsídios e impostos sobre carbono. Qualquer mudança nas abordagens sobre as questões climáticas daqui para frente, porém, precisará ser avalizada pela equidade – tanto por entes dos governos quanto pelas organizações privadas. A disposição para observar direitos e características de cada indivíduo são essenciais para que ações de sustentabilidade sejam justas coletivamente – e, assim, façam parte, de fato, da rotina da população. A transição para uma economia de baixo carbono deve ser equitativa, com foco em inclusão de todas as camadas sociais, dirimindo assim resistências frente, inclusive, à percepção de benefícios e ganhos desiguais.

*Maria Emília Peres é líder das Ofertas Integradas da Deloitte Brasil para Clima, Sustentabilidade & Equidade.