Diversos

A quem interessa a desinformação sobre a agenda de conservação da biodiversidade no Brasil?

Artigo de Elizabeth Oliveira* – 

Como país de megadiversidade biológica e signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), o Brasil vinha assumindo compromissos internacionais de proteção desse patrimônio inestimável, por meio de políticas públicas e outras ações institucionais, nas últimas décadas. A Política Nacional da Biodiversidade (Decreto 4.339/2002) é um resultado direto desse comprometimento do governo brasileiro com a CDB. Vale ressaltar que, dentre os sete componentes dessa política pública, o sexto se refere à “Educação, Sensibilização Pública, Informação e Divulgação sobre Biodiversidade”, alinhado, por sua vez, ao artigo 13 da própria Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) que trata de “Educação e Conscientização Pública”.

Considerando esse contexto, é preocupante que o decreto presidencial 9.759/2019, assinado em 11 de abril, tenha extinguido a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) juntamente com outros conselhos e colegiados que não tenham sido criados por lei. Essa é uma questão que merece aprofundamento da mídia já que muitas dúvidas ainda pairam no ar. Diante dessa iniciativa governamental e da falta de recursos financeiros e humanos no âmbito do MMA, quem assumirá as funções que estavam a cargo da Conabio? Como a sociedade brasileira poderá acompanhar esses desdobramentos?

Segundo informações disponíveis no site do Ministério do Meio Ambiente, a Conabio “é composta por representantes de órgãos governamentais e organizações da sociedade civil e tem um relevante papel na discussão e implementação das políticas sobre a biodiversidade”.  Ainda segundo a mesma fonte, “compete à comissão promover a implementação dos compromissos assumidos pelo Brasil junto à CDB, bem como identificar e propor áreas e ações prioritárias para pesquisa, conservação e uso sustentável dos componentes da biodiversidade”.

Outra questão merece aprofundamento e debate com a sociedade brasileira. No âmbito da CDB, a principal agenda global envolvendo os signatários é o Plano Estratégico 2011-2020 ao qual se vinculam as 20 Metas de Aichi, acordadas durante a Décima Conferência das Partes da CDB (COP-10), realizada em Nagoya, Japão, em 2010.  A meta 11, de ampliação das áreas protegidas, se destaca nesse esforço de enfrentamento da perda de biodiversidade, até 2020. Com as Metas Nacionais, o Brasil assumiu compromissos ainda mais ousados do que os da própria CDB (proteção de 17% das áreas terrestres e 10% das áreas marinhas e costeiras), conforme destacado a seguir, embora algumas decisões governamentais pareçam estar na contramão desse comprometimento oficial.

“Até 2020, serão conservadas, por meio de sistemas de unidades de conservação previstas na Lei do SNUC e outras categorias de áreas oficialmente protegidas, como APPs, reservas legais e terras indígenas com vegetação nativa, pelo menos 30% da Amazônia, 17% de cada um dos demais biomas terrestres e 10% de áreas marinhas (…)” (5º Relatório Nacional para a Convenção Sobre Diversidade Biológica), publicado pelo  MMA, em 2016.

Informações importantes não estão disponíveis

Apesar da relevância dessa agenda e da sua atualidade, diante de um contexto de perda de biodiversidade sem precedentes, no site do MMA, na área destinada aos compromissos do Brasil com a CDB, alguns links estão aparentemente disponíveis, mas quando acessados não apresentam as informações correspondentes. Isso acontece com osDocumentos Técnicos da CDB.

Segundo informado no site do MMA: “O objetivo da Série de Documentos Técnicos da CDB é contribuir para a disseminação de informações atualizadas e confiáveis sobre tópicos selecionados de importância para a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável de seus componentes e a repartição eqüitativa de seus benefícios”.

No entanto, a lacuna percebida quando se tenta acessar os documentos mencionados contraria esse compromisso de disseminação de informações atualizadas.Não há qualquer esclarecimento sobre o porquê da indisponibilidade.

Já no espaço denominado O Brasil e a CDB não consta nenhuma informação, o que tende a dificultar o entendimento dos internautas sobre os compromissos assumidos pelo país como signatário dessa Convenção e, consequentemente, o acompanhamento dos seus principais desdobramentos.

A importância do acesso à informação qualificada

Recentemente, foi divulgado que o MMA iria rever a criação de 334 unidades de conservação federais, implementadas, segundo o ministro Ricardo Salles, sem critérios técnicos para tal. Nesse contexto, estaria em xeque até mesmo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC (lei 9.985/2000)? Esse é o arcabouço legal que orienta a criação, implementação e gestão das UCs no Brasil, resultante de um processo de debates e negociação envolvendo diversos segmentos sociais por mais de uma década.

Há de se reconhecer que, nas últimas décadas, têm sido desenvolvidos estudos para orientar a criação de parques, reservas e outras unidades de conservação no Brasil (processo que se tornou mais participativo a partir do SNUC). A definição de Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira (os três objetivos da CDB) é um exemplo nesse sentido. No entanto, informações atualizadas sobre essas áreas foram retiradas do ar pelo MMA, em abril, sob a alegação de erros identificados. Posteriormente os dados foram reativados. Inicialmente, houve alguma repercussão na mídia sobre essa questão, mas ainda cabem aprofundamentos sobre os desdobramentos possíveis dessa tomada de decisão, tendo em vista as intenções já sinalizadas pelo governo para a gestão de unidades de conservação e para o futuro de outras estratégias de proteção da biodiversidade no Brasil.

Diante do atual contexto político-institucional nacional, além dos riscos evidentes ao futuro do SNUC, qual seria o destino da Política Nacional da Biodiversidade? Estaria em curso algum plano para alterá-la ou mesmo exterminá-la do rol de políticas ambientais brasileiras? E própria participação do Brasil na CDB, estaria em risco?

O Brasil está atrasado com a entrega do 6º Relatório Nacional para a CDB (deveria ter ocorrido até o final de 2018). Quando esse documento será entregue e como se dará a sua tramitação considerando que a Conabio exercia um papel central nesse processo? Por outro lado, é importante considerar que o Congresso brasileiro ainda não ratificou o Protocolo de Nagoya, que apresenta diretrizes para a repartição justa e equitativa dos recursos gerados pelo uso da biodiversidade, outra importante deliberação da COP-10. Como está a tramitação desse processo, iniciada em 2012, e quais são os segmentos sociais que têm colaborado para o bloqueio dessa agenda?

Com a proximidade de 2020, o que esperar como respostas do governo brasileiro frente aos compromissos assumidos com as Metas de Aichi ? Nesse contexto, a Meta 1 orienta que “até 2020, no mais tardar, as pessoas terão conhecimento dos valores da biodiversidade e das medidas que poderão tomar para conservá-la e utilizá-la de forma sustentável”, o que pressupõe a necessidade de acesso à informação qualificada e às ações educativas, entre outras iniciativas de sensibilização sobre a importância dessa agenda. E, ainda, quais são as perspectivas de participação do Brasil nos debates para o chamado pós-2020, quando poderão ser atualizadas as metas ou mesmo adotado um novo plano estratégico? Essa é uma discussão que já mobiliza os signatários da CDB globalmente.

Por fim, diante da complexidade desse cenário, cabe a todos uma reflexão urgente: A quem interessa a desinformação sobre os desdobramentos dos compromissos brasileiros com a agenda mais importante no âmbito do principal tratado internacional pela proteção da biodiversidade?

*Jornalista e integrante do Grupo de Pesquisa Governança, Ambiente, Políticas Públicas, Inclusão e Sustentabilidade (Gapis) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia, e mestre pelo Programa Eicos de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, vinculado ao Instituto de Psicologia, ambos da UFRJ.