O movimento da sustentabilidade e da responsabilidade social vem avançando desde o final dos anos 90 no Brasil graças às atividades das organizações não governamentais, das empresas e de associações com foco nestes temas. Premiações, revistas, encontros, palestras e seminários vêm movimentando um grupo de pessoas que já está chegando em sua terceira ou quarta geração.
Sim, os profissionais pioneiros destas atividades no país estão passando sua sabedoria para aqueles mais novos, que agora trabalham nas grandes empresas e organizações de impacto.
Estes pioneiros acabaram trilhando um processo de mostrar e engajar pessoas da economia tradicional para uma argumentação com propósitos sociais e ambientais. Tiveram que utilizar pontos como melhoria na imagem, gestão de riscos, aumento de mercado, entregas sociais e ambientais aos acionistas ou ainda um retorno à sociedade dos lucros conseguidos pelas tradicionais empresas. O debate sempre foi acirrado para verificar qual era o foco principal, ou foco único, no caso o financeiro para a maioria das empresas.
Mas afinal, como podemos juntar este tal trabalho com propósito? Antigamente as pessoas iam trabalhar nas empresas tradicionais para ganhar dinheiro e pagar as contas, às vezes, realizando ações não muito éticas, e no fim de semana atuavam como voluntário em uma ação beneficente para uma igreja, ONG ou projeto ambiental.
Nos anos 80 e 90, o movimento do empreendedorismo social também cresceu no Brasil com os profissionais que montavam uma associação e juntavam competências para melhorar um problema social ou ambiental. Estas organizações ficaram conhecidas e estes empreendedores acabavam abdicando do seu trabalho formal para se dedicar, exclusivamente, aos projetos de impacto. À época, a organização Ashoka financiava os empreendedores a fim de que pudessem viver para realizar o projeto, como se fosse um salário ou como chamam agora de capital semente.
Esta definição de empreendedor social veio de Bill Drayton, pois coloca que é aquele profissional que aponta tendências e traz soluções inovadoras para problemas sociais e ambientais, seja por enxergar um problema que ainda não é reconhecido pela sociedade ou vê-lo por de uma perspectiva diferente.
Hoje, o tema tem sido colocado como os empreendimentos de impacto social, que nada mais é qualquer organização que esteja melhorando, transformando ou trazendo inovações para esses problemas. Resolvendo um problema do mundo, do país, do estado, da cidade ou mesmo do seu quarteirão onde seu produto ou serviço impacte positivamente e melhore algo. Algumas empresas tradicionais também estão mudando ou criando serviços e produtos específicos para entrar nesta onda positiva.
Muhammad Yunus, ganhador do Nobel da Paz, criador do banco Grameen, também cunhou um outro conceito, o de negócio social. Ele considera que existem dois tipos de empresas sociais: a empresa cujo foco é proporcionar um benefício social ao invés da maximização dos lucros para os proprietários e as empresas que visam a maximização dos lucros e pertencem a pessoas pobres ou desprovidas de recursos.
Nesse caso, o benefício social consiste no fato de que todos os dividendos e o crescimento do capital social produzido pela empresa servirão para beneficiar essas pessoas, ajudando-os a reduzir a pobreza ou até mesmo sair dela completamente.
O nosso país também é rico deste tipo de empreendedores. E para mapear isso o Projeto Brasil 27 buscou um caso de empreendedorismo social em cada um dos estados brasileiros. No site do projeto é possível assistir e ler cada passo dessa jornada.
Uma organização que está difundindo o tema desde 2004 é a Artemisia, que potencializa este tipo de negócio. O mote dela é exatamente o que se coloca neste artigo: “entre ganhar dinheiro e mudar o mundo, fique com os dois”. Existem vários programas de aceleração que ajudam na formatação do modelo de negócio, acesso a rede de mentores, capacitação da equipe e conexão com investidores, gestores e parceiros. A Artemisia já acelerou mais de 100 negócios e capacitou outros 300 e atualmente possui uma parceria com o Facebook, que levou esta consagrada metodologia para a Estação Hack – primeiro centro de inovação do Facebook no mundo. Outra organização que também vem trabalhando com o tema é a NESsT, que já investiu em 32 negócios sociais que melhoraram a vida de 117 mil pessoas, mais de US$ 2,2 milhões investidos no Brasil e na região do Cone Sul.
O ICE – Instituto de Cidadania Empresarial é a organização que vem promovendo a temática e tem reunido o ecossistema da inovação social, bem como investido no trabalho de mobilização de professores de universidades e num trabalho de criação e desenvolvimento de propostas de políticas públicas. O Instituto coloca que temos muitas dificuldades e problemas no Brasil, que estes empreendimentos sociais têm que ter a missão explícita de gerar benefícios sociais e/ ou ambientais, ao mesmo tempo, que tenha resultados financeiros positivos e de forma sustentável. Essas organizações podem assumir formatos legais diferentes como: associações, fundações, cooperativas ou empresas. Porém, precisam necessariamente ter o propósito de gerar impacto socioambiental explícito na sua missão, ter uma lógica econômica que permita gerar renda própria, ter uma governança que leve em conta os interesses dos investidores, clientes e comunidade e que tenham e mensurem seus impactos constantemente.
A Força Tarefa de Finanças sociais, grupo que tem na sua diretoria membros do ICE e do Sitawi Finanças do Bem, e seus parceiros mapearam o ecossistema numa pesquisa realizada pela Deloitte. No sistema colocaram como as partes: organizações/ indivíduos que ofertam o capital para o negócio de impacto iniciar ou potencializar; aquelas organizações que demandam o capital e são as executoras dos processos de impacto social; e as organizações que intermediam o processo de impacto, sejam elas oferecendo serviços de avaliação de impacto, recursos financeiros, conhecimento, entre outros. Neste documento denominado “Pesquisa de Intermediários do Ecossistema de Finanças Sociais e Negócios de Impacto” os autores deixam bem claro os diferentes públicos existentes e os mecanismos de fomento e alocação de recursos, como os que vêm por meio da filantropia, crowdfunding, microcrédito, fundos sociais, entre outros.
Muitas organizações como o SEBRAE e a ONU se juntaram para fazer uma premiação para o desafio sobre a gestão e uso das águas. Este Camp de Ecoinovação foi lançado no Fórum Mundial da Água de 2018 (realizado em março), buscando ideias e que startups desenvolvessem soluções para melhoria das águas. A empresa AMBEV está com uma aceleradora e também está recrutando novos negócios que já estejam em funcionamento para juntos buscarem soluções para os seus desafios: gestão da água, agricultura sustentável, embalagem circular, mudança climática e empreendedorismo. A Coca Cola também lançou um desafio para que os cientistas do mundo inteiro pesquisem e busquem informações para um produto que tenha gosto de açúcar, mas que seja mais saudável. O Google faz um desafio anual para inovações sociais e premia ONGs que mais se destaquem como inovadoras. E na cidade de São Paulo, no bairro da Vila Madalena, está em pleno funcionamento o Civi-Co, um cooworking (espaço de trabalho compartilhado) que congrega várias empresas de negócios de impacto social e oferece cursos, eventos e palestras sobre o tema.
Para estruturar estes negócios de impactos sociais, várias pesquisas já foram desenvolvidas. A apuração da Pipe Social de 2017, por exemplo, mostra que, dentre os 579 negócios mapeados, 70% das organizações já estão formalizadas e 40% do total tem menos de 3 anos de fundação. Sobre as questões de gênero, 58% tem como seus fundadores apenas homens e 20% apenas mulheres, o restante é misto. A pesquisa ainda mostra uma concentração na região sudeste com 63% e na soma da região norte e nordeste somente 11%, expondo, ainda, a disparidade das necessidades versus os projetos e negócios de impacto social. Como área de impacto social, ou seja, temas nas quais os empreendedores sociais estão trabalhando, fica com 38% o tema da educação, seguido de 23% tecnologias verdes, 12% cidadania, 10% saúde, 9% finanças sociais entre outros. Com isso, é possível observar como prioridade o que o nosso país realmente está precisando. Para se ter uma ideia, 35% dos pesquisados ainda não faturou, 31% faturou no último ano até R$ 100 mil reais e apenas 7% faturou acima de R$ 2,1 milhões, mostrando que o movimento ainda está no começo, se comparado às empresas tradicionais ou ao mercado global.
Como observado, o movimento está crescendo, porém, precisa de mais pessoas, recursos, pesquisas e educação sobre o tema. Muitas vezes buscamos empreender, ter um propósito, mas não cuidamos do nosso quarteirão e nem mesmo do vizinho. Este empreendedor social precisa começar, primeiramente, com o que tem de mais próximo: ele mesmo. Certamente o autoconhecimento é fundamental até para acharmos qual é o nosso propósito e qual o problema do mundo queremos resolver, talvez este seja o passo inicial para o empreendedorismo social. Para aqueles que estão começando com este tema, coloquei aqui sete passos para refletirem antes de criar a sua organização de impacto social.
1. Problema do mundo
É muito importante que o empreendedor social entenda qual é o problema do mundo que ele tentará resolver, transformar, modificar ou mobilizar pessoas. Para isso é necessário muito estudo, pesquisa para entender as causas e os efeitos que este problema possui e, com isso, definir o ponto principal de mudança. Sendo realista e com dados quantitativos.
2. Causa
Com o problema definido, é agora a hora da construção da causa para que outras pessoas se engajem e que faça sentido para possíveis compradores e doadores do tema. A causa terá que ser algo compreensível para todos os públicos e será o grande chamariz da organização.
3. Público-alvo
Um público principal deverá ser escolhido. E mais do que escolhido, muito bem pesquisado, nos seus mínimos detalhes. Seja ele o público beneficiário ou o público indireto que também será trabalhado pela organização. A mudança ou transformação neste público pode ser a principal causa da organização.
4. Lucrativo ou sem fins de lucro
A organização que o empreendedor social está montando poderá ser lucrativa ou não. Se for lucrativa poderá ser uma empresa de impacto social que divide os lucros entre os sócios e acionistas ou ser uma empresa social que não divide os lucros e só os reinveste na própria organização. Ou ainda poderá ser uma organização sem fins de lucro, mais conhecida no Brasil como ONG ou Fundação. Ou ainda, uma cooperativa com pessoas de baixa renda cujos lucros serão divididos entre os cooperados.
5. Modelo de negócio
Mesmo as organizações sem fins de lucros precisam desenvolver um modelo de negócios que literalmente pague as contas. Sejam elas dos custos fixos ou das despesas ou ainda recursos para o projeto final que beneficie o público-alvo. Este modelo de negócio para as empresas sociais é necessário ter uma rentabilidade e boa alocação dos recursos. Além, óbvio, de ter muito bem desenvolvido como funcionará a organização para chegar ao seu objetivo final.
6. Engajamento e comunicação
O engajamento e comunicação com todos os públicos envolvidos é fundamental, seja ele o público interno (funcionários), o público atendido, o governo, a mídia, outras organizações sociais, os investidores etc. Muitas organizações só conseguiram o sucesso graças ao engajamento de todos pela causa.
7. Seja feliz
Se você “recebeu o chamado” para esta empreitada precisa entender que não é um peso e sim uma oportunidade para ter um real sentido para a sua existência neste planeta. Portanto, seja feliz com esta nova caminhada que, com certeza, será muito mais árdua do que os caminhos tradicionais. Porém, tenha certeza de que você deixará um legado para as próximas gerações. Muhammad Yunus coloca para que você faça tudo com felicidade!
Assim, escolhemos se queremos criar e/ou administrar uma ONG, fundação, um negócio social, de impacto social ou uma cooperativa. Organismos jurídicos que serão instrumentos para sua missão organizacional e propósito pessoal de vida. Ao invés de ficar só reclamando, vamos sair da inércia e transformar a realidade?
*Marcus Nakagawa é professor de graduação e MBA da ESPM; coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental (CEDS); idealizador e conselheiro da Abraps; autor do livro 101 dias com ações mais sustentáveis para mudar o mundo; e palestrante sobre sustentabilidade, empreendedorismo e estilo de vida.