Trinta anos após a descoberta do vírus, os jovens são o grupo com maior tendência de crescimento da aids.
“Mas tem tratamento!” Não é incomum ouvir a frase ao falar a adolescentes sobre aids no trabalho de prevenção. Graças aos avanços, às pesquisas e à descoberta dos medicamentos em 1992, convivemos com o HIV há três décadas. Mudanças de conceito e na transmissão de informação são pontos marcantes nesses 30 anos. Mas cabe ao educador questionar: o que não é dito a esses jovens?
Se a primeira década foi marcada por terrorismo e medo, já que se desconhecia o agente causador da doença, hoje presenciamos o aumento da qualidade da informação, constatada pelas pesquisas de conhecimento, atitudes e práticas realizadas pelo Programa Nacional de DST/aids no Brasil. Graças aos avanços desde 1992, com a descoberta dos medicamentos antirretrovirais (que impedem a multiplicação do vírus no organismo), o acesso universal ao coquetel reposicionou a aids como uma doença crônica com tratamento possível, rigoroso e delicado. Não se trata mais de uma sentença de morte. Ou seja, esta geração de adolescentes veio ao mundo quando o enfrentamento da epidemia tinha novas perspectivas e teve amplo acesso à informação, por meio de campanhas de mídia, articulações em saúde e educação.
Por outro lado, o Ministério da Saúde dá conta de que, em cinco anos, a prevalência do vírus HIV em meninos entre 17 e 20 anos subiu de 0,09% para 0,12% – o porcentual sobe quanto menor for a escolaridade. De 1980 até junho de 2010, 11,3% dos casos no país foram de jovens na faixa dos 13 aos 24 anos. Não só: a maior proporção de ocorrências está relacionada à expoxição sexual. Diante desse quadro, como os jovens lidam com o sexo seguro e com a aids?
O que os jovens sabem
Em levantamento recente realizado pelo Centro de Estudos da Sexualidade Humana do Instituto Kaplan, 97% dos 1.149 adolescentes demonstraram ter informações sobre a aids, o que não impediu que, na hora de tomar decisões diante de situações hipotéticas, 37% dessem respostas que indicassem uma conduta de vulnerabilidade (explica-se o conceito a seguir). Ademais, a Pesquisa de Comportamento, Atitudes e Práticas da População Brasileira (PCAP 2008) constatou que 97% dos brasileiros entre os 15 e os 24 anos sabem que o preservativo é o método mais efetivo no combate à transmissão do vírus, mas seu uso tende a cair quanto mais estável for o relacionamento sexual.
É notável que apenas a informação não é suficiente para que os jovens utilizem o preservativo. Também é preciso motivá-los a lançar mão desses conhecimentos ao enfrentar situações de risco. É nesse aspecto que a influência do educador pode fazer a diferença. Na mesma sondagem do Instituto Kaplan, a escola foi destacada por 84% dos entrevistados como o principal espaço para a busca de conhecimento sobre DST/aids, o que mostra que o professor tem papel essencial na educação sexual.
O que fazer diante de uma oportunidade dessas? Os programas de educação pregam aliar informação a valores, atitudes e condutas que fortaleçam a prevenção e diminuam a vulnerabilidade. Para ficar em um exemplo baseado em pesquisas: percebe-se que, diante da afirmação “mas aids tem tratamento!”, nem sempre o professor esclarece o que vem com o pacote “tratamento”, polemiza, discute como seria o momento posterior a ele ou ressalta o mais grave: que ainda não há cura. Este é um típico momento para retirar do próprio adolescente o fragmento de conhecimento que ele apresentar e construir em conjunto uma informação que dê subsídios, de maneira clara e direta, para o entendimento dos reais impactos de uma doença como a aids ou da convivência com o HIV.
Vulnerabilidade juvenil
O conceito de vulnerabilidade identifica os fatores que influenciam a não prevenção nas relações sexuais. Questões como a dificuldade de negociar o uso do preservativo, a vergonha, o medo de falhar, o desconhecimento, a diminuição da autoestima, a ausência de cuidado consigo e o envolvimento emocional fazem parte do repertório de fatores que podem agir na contramão do uso do preservativo.
Muito se discute a respeito da vulnerabilidade dos alunos de Ensino Médio em relação à gravidez na adolescência e à infecção pelo HIV. No Brasil, 20,42% dos partos são de adolescentes, de acordo com o Ministério da Saúde. Em relação ao contágio pelo vírus, segundo dados de 2009, a porcentagem de jovens do sexo masculino infectada salta de 2,4%, na faixa dos 14 a 19 anos, para 18,1%, entre os que têm de 20 a 24 anos. Entre as garotas, os números vão de 3,1% para 13,4%, na comparação entre as faixas etárias de 13 a 19 e de 20 a 24 anos.
Especialmente a vulnerabilidade das garotas à aids preocupa e faz parte das ações de enfrentamento da epidemia no Brasil. No mais recente Boletim Nacional de DST/aids, elas foram destacadas como o público que teve crescimento no número de casos em relação às demais populações, que têm apresentado decréscimo. Segundo o relatório, a inversão se deu a partir de 1998 e é esta a única faixa etária em que há mais ocorrências entre mulheres do que em homens: oito casos em meninos para cada dez em meninas. Em ambos os sexos, dos 13 aos 24 anos, a contaminação está atribuída à categoria de exposição sexual, sendo 74% no sexo masculino e 94% no sexo feminino. Órgãos como Unaids e Unesco, da Organização das Nações Unidas, reconhecem que o adolescente se encontra em posição vulnerável e que é necessário a implantação nas escolas de programas de educação sexual que favoreçam o acesso integral a informações.
Educação sexual
Cerca de 30,5% dos alunos de 9º ano já tiveram relações sexuais segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (2009) e estima-se que, ao fim do Ensino Médio, de 70% a 80% exercite sua vida sexual. O repertório sexual dos adolescentes é amplo atualmente. Eles se permitem investigar e descobrir formas de contato íntimo para lidar com interdições como a virgindade, e, assim, se relacionam de outras muitas maneiras que podem torná-los vulneráveis.
Um exemplo é o sexo oral e a crença de que não expõe às DST. O número de dúvidas sobre a prática cresceu nos últimos anos, assim como os casos de HPV e herpes, mas as aulas de orientação sexual a respeito das DST não acompanharam essa evolução, e continuam mostrando imagens horrorosas de estágios avançados de doenças. Na nova perspectiva de formação de competências para a vida não podemos segregar a educação sobre HIV/aids, um aprendizado que envolve a participação juvenil, o pensamento crítico e a experiência.
Isso posto, é preciso buscar metodologias para inserir a educação sexual, de maneira lúdica e dirigida, atendendo às perspectivas do aluno e fornecendo ferramentas para que ele associe o uso do preservativo ao exercício do prazer. A escola deve estar preparada para uma abordagem integral da sexualidade. Apesar de citada, inclusive em guias e diretrizes como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), ainda é difícil expandir na prática a intervenção para além das exposições chatíssimas sobre órgãos reprodutores. Percebe-se, em oficinas que envolvem práticas sexuais, que o prazer e o reconhecimento da vulnerabilidade no cotidiano atraem maior interesse e têm mais impacto nos grupos do Ensino Médio.
Deve-se, então, trabalhar três pilares: conhecimento, atitudes e competências, auxiliando a tomada de decisão diante das condutas de prevenção. É uma tarefa que soa complicada, ainda mais se lembrarmos que, na história da sexualidade, já tivemos tantas associações com a reprodução e que as práticas sexuais sempre foram deixadas de lado, como se não se pudesse abordar a intimidade e as dificuldades que envolvem a vida sexual. Há alguns anos, com o reconhecimento dos 11 direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos – destacando o direito ao prazer – começamos a entender que a estratégia funciona bem como motivadora.
Os adolescentes estão expostos a muitas informações parciais, por vezes tendenciosas ou contestáveis, e o acesso a uma educação sexual clara e baseada nos direitos humanos é fundamental na luta contra o preconceito e para assegurar ao jovem seu papel de sujeito de escolha – este é o lugar do educador. Trabalhar o cotidiano das práticas sexuais facilita o reconhecimento das situações de vulnerabilidade e promove troca de conhecimento, podendo ampliar o número de respostas de enfrentamento e novas condutas – como o uso do preservativo em todas as relações.
Muitos educadores têm dúvidas sobre dizer ou não ao jovem que o HIV/aids encontra-se hoje na classe de doenças crônicas porque temem autorizar, assim, a disseminação do vírus e a ausência do cuidado. A omissão relega ao adolescente o antigo papel de “irresponsável”, no qual ele não teria recursos para decidir sozinho. Quanto mais saudável e responsável for o exercício da sexualidade, mais estaremos evoluindo em qualidade de vida da população e em cidadania. O fortalecimento do adolescente como sujeito de direito à saúde e à educação integral, entendendo que sexo e prazer são constitutivos positivos desse processo, auxilia a motivação para a prevenção.
* Camila Guastaferro é psicóloga e educadora sexual, coordenadora de desenvolvimento institucional do Centro de Estudos da Sexualidade Humana – Instituto Kaplan.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.