O copo está meio cheio: a conservação tem feito a diferença

Esforços de conservação focados, incluindo a reintrodução de animais de cativeiro à vida selvagem, salvaram espécies como o mico-leão-dourado da extinção.

Não se desespere: esta é a mensagem de um novo documento do jornal Tendências na Ecologia e Evolução, que argumenta que as ações de décadas de conservação, em múltiplas escalas, tiveram um impacto positivo para muitas das espécies ameaçadas no mundo. Embora tais ações ainda não tenham compensado a maré da atual crise de extinção em massa, elas atingiram um êxito notável que frequentemente se perde em meio ao pessimismo de novas histórias sobre o declínio da biodiversidade.

De acordo com o documento, ações de conservação ocorrem em três escalas. A conservação em microescala se foca em uma única espécie ou ecossistema; a mesoescala é a cooperação de conservação entre alguns países, como esforços para limitar o comércio ilegal de vida selvagem ou proteger várias espécies; e a macroescala abrange organizações ou campanhas mundiais, como as que pressionam corporações multinacionais a se tornarem favoráveis à biodiversidade.

Histórias de conservação de sucesso

Áreas protegidas nacionais, que ocorrem em microescala, são uma das conquistas mais notáveis dos conservacionistas. Hoje, mais de cem mil áreas protegidas – parques nacionais, refúgios de vida selvagem, reservas de caça, áreas de proteção ambiental marinha (APAMs), santuários de vida selvagem, etc. – cobrem cerca de 19 milhões de quilômetros quadrados. O documento aponta um parque na Ásia Central como um exemplo de como as áreas protegidas ajudam as espécies ameaçadas.

“Após a fundação do Parque Nacional de Bardia no Nepal […] a quantidade de ungulados (mamíferos com casco) selvagens aumentou quatro vezes em apenas 22 anos. Essa rapidez também ocorreu tanto com a quantidade de tigres (Panthera tigris) quanto com a de leopardos (Panthera pardus) ameaçados”, escrevem os autores.

Áreas protegidas também foram longe na mitigação do desmatamento, especialmente na Amazônia brasileira.

“A estimativa de 37% no declínio das taxas anuais de desmatamento no Brasil, entre 2002 e 2009, pode ser atribuída à preservação de 709 mil quilômetros quadrados em novas áreas de preservação (APs) estabelecidas”, de acordo com o documento.

O documento reconhece que muitas áreas protegidas são apenas “parques no papel”, ou seja, embora elas sejam designadas como estando sob proteção, as reservas não têm fundos ou pessoal do governo necessários para evitar que as pessoas cortem árvores ilegalmente, caçem e realizem outros impactos. Além disso, simplesmente conservar o habitat não é o suficiente para salvar muitas espécies.

“Intervenções (de conservação) como restauração, reflorestamento, reintrodução, aumento de população e erradicação de espécies invasoras” são às vezes necessárias, escrevem os autores. No Reino Unido, a grande-borboleta-azul (Maculinea arion) foi salva da extinção local pela reintrodução de indivíduos, restauração do habitat e da gestão atual. Esforços multifacetados similares têm salvado uma série de espécies no mundo todo da extinção, como a seychelles magpie robin (Copsychus sechellarum) e a iguana-azul (Cyclura lewisi).

Ações de conservação em mesoescala – que ocorre entre nações diferentes – também têm tido êxito. Uma das formas como isso ocorre é através de áreas protegidas que se estendem além das fronteiras nacionais, com a meta de proteger ecossistemas inteiros e espécies-chave.

“Parques nacionais contíguos fundados nas montanhas Virunga na República Democrática do Congo, Uganda e Ruanda levaram a aumentos na população de elefantes e gorilas”, escrevem os autores. “A população de gorilas-das-montanhas (Gorilla beringei beringei) aumentou de 250 para 480 animais nos últimos 30 anos.”

O documento também aponta um acordo recente entre todos os países onde há tigres para dobrar as populações de tigres selvagens dentro de uma década como um exemplo adequado de como as conservações em mesoescala funcionam.

As maiores ações de conservação, no entanto, ocorrem em nível mundial. Cada vez mais comuns, esforços em macroescala se concentram em corporações multinacionais que são responsabilizadas pela perda de biodiversidade, especialmente com a destruição das florestas. A pressão de grupos ativistas e consumidores levou uma série de grandes companhias a mudarem suas estratégias. O estudo aponta ações de macroescala que tiveram impactos positivos nas indústrias de gado e de soja na Amazônia, polpa e papel na Sumatra, e no corte ilegal de árvores em Madagascar como alguns exemplos.

“A pressão pública dos consumidores em países desenvolvidos é às vezes necessária para fazer a diferença na conservação a quilômetros de distância. Essa pressão, frequentemente na forma de boicotes de produtos obtidos via desmatamento, está transformando as cadeias de suprimento”, observam os autores, acrescentando que novas tecnologias, como o Google Earth, estão tornando mais fácil rastrear o desmatamento e relacioná-lo rapidamente à companhias.

O ativismo global de como as commodities são produzidas está até atingindo instituições financeiras.

“A decisão de bancos multinacionais, como o Citigroup, de não aprovar empréstimos para projetos de silvicultura inescrupulosos e exigir verificações rigorosas de ecocertificação beneficiarão a biodiversidade”, escrevem os autores.

Além de empresas, alguns governos também adicionaram novas regulamentações, que acredita-se que ajudarão a biodiversidade no mundo todo. Os Estados Unidos e a União Europeia recentemente implementaram leis que tornam uma ofensa federal a compra e a venda de madeira que é derrubada ilegalmente em seu país de origem. A Austrália está considerando uma legislação similar.

O documento também argumenta que organizações globais como a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), que avalia o quão ameaçadas estão as espécies, e a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites), que determina a legalidade do comércio de espécies, têm sido benéficas para os esforços de conservação e de biodiversidade como um todo, mesmo sendo imperfeitas – subfinanciadas ou mal aplicadas –, às vezes. Na mesma linha, os autores acreditam que o programa de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) da Organização das Nações Unidas (ONU), que pretende pagar os países para preservarem suas florestas, tem a capacidade de ter um papel similar.

“Se focados cuidadosamente, os investimentos em REDD poderiam ajudar a preservar os focos de biodiversidade e muitas espécies ameaçadas”, escrevem eles.

Em resumo, a conservação trata de preservar a vida na Terra e êxitos devem ser celebrados. De acordo com o documento, ao menos 16 espécies de pássaros dos cinco continentes teriam sido extintas entre 1994 e 2004 se não fosse por ações diretas de conservação. Além disso, o documento observa que um grande número de espécies simbólicas – da águia-careca (Haliaeetus leucocephalus) ao mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), e da baleia-cinzenta (Eschrichtius robustus) do Pacífico ao órix-da-Arábia (Oryx leucoryx) – têm sido salvas por esforços concentrados em diversas escalas. Embora seja difícil determinar quantas espécies têm sido salvas por ações de conservação – de áreas protegidas a acordos globais –, é difícil imaginar como animais como tigres, elefantes, gorilas e pandas poderiam ter sobrevivido no último século sem a ajuda incansável de conservacionistas, às vezes em meio a grandes ameaças.

Muito a percorrer

O documento, no entanto, não sugere que os conservacionistas devam se tornar complacentes – pelo contrário,  dizem eles, “os conservacionistas devem se orgulhar de si mesmos e então redobrar seus esforços em todas as escalas de conservação”.

Os pesquisadores escrevem que “mais projetos de conservação fracassam do que obtêm êxito, e nosso destaque aos êxitos não deve ser visto como um pedido para ‘descansarmos sobre nossos louros’. Ao contrário, nosso objetivo é dar esperança e inspirar outros a continuar seus esforços dedicados”. Eles recomendam que a conservação não apenas ganhe força com êxitos passados, mas também aprenda o que funciona e monitore tanto os êxitos quanto os fracassos para o futuro.

“Felizmente, existe agora uma crescente disposição de ferramentas para avaliar os projetos de conservação. Tanto resultados de projetos de conservação exitosos como mal sucedidos devem ser amplamente divulgados para que sucessos futuros possam ser repetidos”, escrevem os autores, declarando que financiamentos de longo prazo e metas claras são vitais para o êxito.

Os pesquisadores concluem que a conservação se tornará ainda mais desafiadora no futuro.

“Com estimativas indicando que a população mundial passe de dez bilhões de pessoas até o final desse século, os conservacionistas enfrentarão desafios crescentes e a necessidade de mais financiamento e apoio político e popular”, escrevem eles.

Enquanto a guerra para salvar a diversidade da vida na Terra ainda não foi ganha, algumas batalhas notáveis podem indicar o caminho.

Leia o original (inglês)

Tradução: Jéssica Lipinski.

* Publicado originalmente pelo Mongabay e retirado do site CarbonoBrasil.