Paris, França, 17/8/2011 – Os governos conservadores e os partidos de centro-direita da Europa criticaram o multiculturalismo e denegriram os imigrantes muçulmanos muito antes de o extremista norueguês Anders Behring Breivik utilizar esses mesmos argumentos para cometer uma matança na Ilha de Ytoya e em Oslo. Três semanas depois desse episódio na Noruega, inúmeros especialistas exortam os governos e partidos a “desarmarem sua retórica contra o Islã”, disse Armin Laschet, ex-ministro de Integração do Estado alemão da Renânia do Norte-Westfalia.
“É possível criticar algumas práticas islâmicas e os fracassos na integração dos muçulmanos às sociedades europeias”, disse à IPS. Entretanto, “não se pode acusar um muçulmano que professa sua fé, observa o ritual do Ramadã, educa seus filhos respeitando Deus e leva uma vida civil exemplar em nosso país pelas ações extremistas de regimes como o da Arábia Saudita”, acrescentou. É uma distinção obrigatória no debate sobre a integração de muçulmanos nas sociedades europeias, alertou Laschet.
Há numerosos exemplos de muçulmanos que levam uma vida perfeita na Europa e que os problemas de imigração se relacionam com uma marginalização social, econômica e educacional, afirmou Laschet. “Há muitos médicos e engenheiros iranianos muçulmanos na Europa que são bons cidadãos”, ressaltou. “Porém, se chegam a Berlim analfabetos vindos de áreas rurais pobres, como da Turquia, é óbvio que terão enormes dificuldades para se adaptar aos costumes de uma sociedade industrial moderna”, observou.
“A forma com os europeus extremistas contrários ao Islã denigrem os muçulmanos é muito parecida com a empregada pelos fascistas e partidos de direita contra os judeus nos anos 1930”, disse Erna Solberg, líder do partido conservador da Noruega. Declarações com essa são importantes em um contexto de repetidos discursos violentos contra a imigração muçulmana e o Islã por parte de dirigentes políticos conservadores e chefes de governo.
Interpretações com a realizada pelo conservador primeiro-ministro britânico em fevereiro são típicas das críticas contra os muçulmanos. “David Cameron acusou a chamada ‘doutrina do Estado multicultural’, de fazer com que diferentes culturas levassem vidas separadas na Europa”. E explicou que “as comunidades segregadas se comportam de forma totalmente distinta dos nossos valores”.
O primeiro-ministro britânico se referiu de forma explícita aos imigrantes muçulmanos ao dizer que uma ameaça terrorista emergiu na Europa. “Uma esmagadora maioria de homens jovens filiados a uma interpretação totalmente perversa do Islã e dispostos a se imolarem e matar outros cidadãos. O Estado multicultural” é a raiz da radicalização e do terrorismo, insistiu Cameron na Conferência sobre Segurança de Munique, este ano.
“Conforme se conhece os antecedentes de condenados por terrorismo, fica claro que muitos deles foram influenciados pelo que alguns chamaram de extremismo não violento, e levaram as ideias radicais a outro nível voltando-se à violência”, explicou Cameron. Seu discurso coincidiu com o dia em que os neofascistas da Liga Inglesa de Defesa (EDL) organizaram uma manifestação em Londres contra a sociedade multicultural e multiétnica. Dirigentes do Partido Trabalhista acusaram o primeiro-ministro de “escrever a propaganda para o EDL”.
A chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel, descreveu, em outubro, o modelo de sociedade multiétnica e multicultural que surgiu na Europa na década de 1960 como um “fracasso total”. A União Democrata Cristã, seu partido, rejeitou durante décadas o fato de que a Alemanha era uma sociedade multiétnica. O partido lançou em 2000 uma campanha por um referendo para deter a nacionalização dos filhos de imigrantes nascidos na Alemanha. Nesse país, a cidadania é determinada pelo “Ius sanguinis”, ou direito ao sangue, e não pelo “Ius soli”, ou direito ao solo.
O comentário de Merkel se integrou no debate que ocorreu após a publicação do controvertido livro “Deutschland shafft sich ab” (A Alemanha suprime a si mesma), do ex-diretor do Banco Central, Thilo Sarrazin. O autor, integrante do Partido Social Democrata, acusa os muçulmanos e o Islã de exigirem muito, e de não poderem se integrar à sociedade alemã.
“Nenhuma outra religião na Europa faz tantas demandas”, disse Sarrazin, referindo-se ao Islã. “Tampouco há outra comunidade imigrante com tantas reclamações de bem-estar ao Estado. Em nenhuma outra a passagem para a violência, a ditadura e o terrorismo é tão fluida”, acrescentou. Sarrazin chegou, inclusive, a afirmar que a raça determina a inteligência. Algo similar ocorreu na França, com os conservadores. O presidente Nicolas Sarkozy chamou de “escória” os imigrantes dos arredores de Paris e disse que os passaria por “uma Kaercher”, máquina com jatos d’água de alta pressão.
O Partido da Liberdade (FPÖ) da Áustria, quase sempre fez campanha contra a imigração, às vezes empregando frases racistas. Este ano, o lema é “Daheim Statt Islam” (Em casa, não ao Islã). O FPÖ tem entre 24% e 29% de simpatizantes entre os entrevistados na última pesquisa. O mesmo estudo mostra que esse partido concentra o interesse de mais de 40% dos menores de 30 anos.
O destacado jornalista Hans Leyendecker apelou ao público para que “não caia na armadilha propagandista” dos movimentos contrários ao Islã na Europa. “Os acalorados debates sobre os riscos do terrorismo islâmico quase sempre ignoram um fato básico, de que a maioria dos atentados ocorre em países islâmicos, como Afeganistão, Paquistão e Somália, e que as principais vítimas são os próprios muçulmanos”, escreveu Leyendecker em uma coluna publicada no jornal Die Sueddeutsche Zeitung. “Em 2010, houve 250 atentados terroristas na Europa. Apenas um em cada três foi cometido por islâmicos”, acrescentou.
Breivik justificou suas ações com os mesmos argumentos defendidos pelo principal movimento europeu contrário ao Islã, disse o comentarista político Stefan Weidner, editor-chefe da revista alemã Fikrun wa Fann (Arte e Pensamento), publicada em árabe. “O movimento agora quer diferenciar entre a crítica moderada do Islã e a violenta”, acrescentou. O terrorismo europeu cristão, como o defendido por Breivik, não ataca as comunidades muçulmanas, como o terrorismo islâmico raramente faz contra cidades ocidentais, afirmou Weidner. “Em lugar de atacar a sede do governo em Riad, o ódio contra o Islã de Breivik o levou a realizar o ataque mais brutal contra sua própria sociedade”, ressaltou. Envolverde/IPS