Maura Campanilli –

O empenho maciço da comunidade científica brasileira e a cobertura dos veículos de comunicação não têm sido suficientes para mobilizar de fato a população e impactar as decisões do Congresso Nacional em relação às alterações ao Código Florestal brasileiro. Com o projeto de mudança aprovado na Comissão de Meio Ambiente do Senado, aumentam as chances de a decisão final ficar nas mãos da presidenta Dilma Rousseff, pelo poder de veto, que prometeu usar caso questões cruciais, como a anistia aos desmatadores estivessem no projeto aprovado no Congresso. Para o jornalista Dal Marcondes, diretor executivo da revista digital Envolverde, um dos principais veículos especializados em sustentabilidade do país, há várias razões para o descolamento entre informação qualificada, via cientistas e mídia, e as decisões políticas. Entre elas, está a perda de poder da mídia tradicional e o sucesso do setor ruralista em ideologizar a discussão. Questões como essas foram foco do 4º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, que aconteceu entre 17 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro. Moderador da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental e fundador da Rede Paulista de Jornalistas Ambientais, Marcondes foi coordenador do encontro, que reuniu quase 700 jornalistas e estudantes de comunicação de todo o país.

Dal Marcondes

Clima e Floresta – Por que a comunicação sobre as mudanças no Código Florestal têm falhado em mobilizar a população suficientemente para impactar o Congresso Nacional?

Dal Marcondes – Basicamente porque somos uma sociedade 85% urbana. As pessoas se solidarizam com questões ambientais, mas argumentos pseudopragmáticos sobre agricultura projetam dúvidas se a legislação atual poderia comprometer a produção de alimentos. Apesar de informada, a população não detém conhecimento sobre as questões agrícola e ambiental. Além disso, a discussão é ideologizada. A grande massa não se mobiliza por falta de conhecimento, o que permitiria tomar um lado.

Clima e Floresta – Na sua opinião, os ambientalistas estão falhando em sua comunicação?

Marcondes – Depende do campo da disputa. No campo político, os ruralistas são mais eficientes, basta ver quantos representantes eles têm no Congresso. Mas em relação à mídia, os ambientalistas são mais fortes. Se analisarmos o que tem sido publicado na imprensa, o conteúdo é francamente contra a mudança no Código Florestal. Tenho visto muito mais material a favor do Código antigo ou de eliminar os problemas colocados pelo projeto de Aldo Rebelo, do que a favor das posições ruralistas. No entanto, o campo que decide é o político. Considero um absurdo total a estratégia que fazem, de jogar trabalhos científicos, como os da SBPC e da Associação Brasileira de Ciência, no mesmo balaio do movimento ambiental. Estas coisas não podem se misturar e os ruralistas estão fazendo isso porque é interesse deles. O Brasil não pode perder a oportunidade de ter uma academia participativa. Outro problema é que a imprensa não tem poder majoritário, seu poder está relativizado. Em ambientes de jovens, poucos leem jornais. Eles se informam por redes sociais e internet. Nas redes sociais, não se sabe quem fala o quê. É uma informação que sozinha não tem credibilidade, mas milhões de pessoas estão se informando apenas por esse meio. Além disso, as redes sociais manipulam as informações para você se sentir na sua zona de conforto, na sua tribo. Com isso, se perde a riqueza de saber o que pensa a sociedade. A discussão do Código Florestal mostra que os campos da política, da mídia e da sociedade estão perdendo os vínculos. O que se argumenta no campo político não tem relação com o que a mídia percebe da sociedade e a mídia tem cada vez menos leitores. Além disso, a nova classe média é conservadora e tem medo de perder privilégios recém-conquistados. Ela se informa basicamente pela televisão e, dentro dela, a mídia televisiva de baixa qualidade de pauta: pautas mal escolhidas e matérias mal apuradas. Com isso, o poder político não vê a mídia como ameaça porque seu eleitorado não se informa por ela.

Clima e Floresta – Por outro lado, temos visto uma mobilização maior em relação à construção da usina de Belo Monte, que parece estar incomodando de maneira mais contundente o governo federal…

Marcondes – Belo Monte é um imenso bode na sala para atrair o foco de atenção, enquanto centenas de outras coisas acontecem no país. Todos jogaram cartas nessa questão, enquanto o plano de usinas do governo federal tem centenas delas planejadas e várias em projeto ou em construção. Outras obras, como as voltadas para a Copa do Mundo, estão sendo aprovadas sem critérios técnicos e ambientais. Não duvidaria que, em algum momento, o governo, quando não precisar mais do bode, diga que vai rever Belo Monte. Objetivamente, Belo Monte não tem utilidade: é pouca energia e alto impacto ambiental. O objetivo de tanta discussão pode ser desviar atenção. Mobiliza porque é localizado e facilmente mensurável. Ainda não conseguimos exemplos mais emblemáticos em relação ao Código Florestal. Perder milhões de quilômetros quadrados de florestas acontece todo ano. A informação está amortecida na cabeça das pessoas. Pouquíssimos sabem o que representam milhões de quilômetros quadrados.

Clima e Floresta – Quais seriam os caminhos para reverter essa situação?

Marcondes – Trabalhar com duas coisas diferentes. Primeiro, continuar a batalha no Congresso e com a presidenta, que tem poder de veto. Tem que garantir que Dilma não deixará passar grandes absurdos. Em segundo lugar, é bom lembrar que a lei federal define o patamar mínimo, mas as leis estaduais podem ser mais restritivas. Nada impede que se volte a campanha para os Estados, para que tenham legislação mais restritiva. O mesmo vale para municípios. Pode também haver pactos da sociedade para mudar práticas, trabalho com produtores rurais. A comunicação deveria também colocar rostos nas campanhas, mas cara de produtor rural, não de artista, porque esta é uma disputa de produtores. O caso de Paragominas é emblemático, onde houve pacto local e os produtores têm o que dizer. Tem que ser produtores com rosto e nome, dizendo que estão produzindo respeitando a lei. Não usar como garoto propaganda gente que não é do campo, que nunca plantou um pé de alface. É preciso convencê-los a contar suas histórias. Falar de negócios que estão dando certo.

Clima e Floresta – Como a imprensa pode colaborar para melhorar o esclarecimento sobre essas questões?

Marcondes – Está crescendo o interesse do jornalista em entender do que estamos falando. No Congresso de Jornalismo Ambiental, participaram mais profissionais do que estudantes. O Congresso teve um caráter formativo, discutimos economia ambiental e como ela deve ser usada pelas pautas. Isto é importante para que o jornalista perceba que cobertura ambiental não é diferente da cobertura do dia a dia, mas deve ser acrescentada às pautas. Jornalismo tem que ser completo e meio ambiente deve fazer parte de todas as pautas. Hoje os temas ainda estão muito descolados. A mesma edição traz, no caderno de cidades, uma matéria falando dos recordes de congestionamento e, no de economia, outra comemorando o recorde de produção de automóveis.

Clima e Floresta – Neste cenário, o que podemos esperar da cobertura da Rio+20, que acontece em 2012?

Marcondes – Estou um pouco cético em relação à nossa capacidade de cobertura da Rio+20. Acho que ainda vai ser fragmentada e focada em grandes decisões, que não devem acontecer. Se os países saírem convencidos a olhar a economia verde e as desigualdades com seriedade, já será um sucesso. Acordos sobre clima ou biodiversidade não serão o foco da Conferência.

* Publicado originalmente no site Clima e Floresta.