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América Latina, banco de prova da moeda chinesa

Rio de Janeiro, Brasil, 28/2/2012 – A China colocou a América Latina na alça de mira para testar sua moeda, o yuan – ou renminbil – como divisa em substituição ao dólar, aproveitando a crescente expansão de seu comércio e de seus investimentos. Porém, como o volume ainda é insignificante, o impacto nas economias da região é uma incógnita. O surgimento da crise financeira de 2008 nos Estados Unidos, que depois saltou fronteiras até afetar, hoje em dia, especialmente o mundo industrializado, levou a China a impulsionar a utilização de sua moeda nas transações com seus principais sócios, explicou à IPS o economista brasileiro Rodrigo Branco. “Esta mudança se deu principalmente pela necessidade de garantir um abastecimento contínuo de matérias-primas e também pela instabilidade das economias industrializadas”, acrescentou Branco, da Fundação de Comércio Exterior.

A China, que desde 2008 faz parte do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), aumentou seu intercâmbio comercial com os países da América Latina e do Caribe quase 16 vezes desde uma década atrás até alcançar, no ano passado, US$ 188 bilhões. Só com o Brasil, que tem na China seu principal investidor e sócio comercial, o intercâmbio chegou, em 2011, a US$ 77 bilhões, 37,5% a mais do que em 2010. Neste contexto, “a China se lançou a financiar infraestrutura na região para expandir sua produção e, assim, garantir suas fontes de matéria-prima, em lugar de tentar reduzir os preços de suas importações”, explicou à IPS o diretor da Associação Brasileira de Comércio Exterior, economista José Augusto de Castro.

Neste financiamento e incremento comercial entra em jogo o yuan, nome da peça de valor “1” da moeda chinesa, como é conhecida no exterior, embora sua denominação oficial seja renminbi. Esta coincidência se vê, por exemplo, em empréstimos a países como a Venezuela, com o qual Pequim mantém uma relação estratégica, como afirmou o presidente Hugo Chávez. Um artigo do jornal The Wall Street Journal diz que os bancos estatais chineses buscam expandir seus créditos a países latino-americanos fornecedores das principais matérias-primas (minerais e alimentos), estimulando o uso do yuan frente ao dólar como parte de uma estratégia para promover sua moeda no comércio internacional.

O Banco de Exportações-Importações da China (China Exim) negocia com o BID a criação de um fundo em yuan, equivalente a US$ 1 bilhão, para iniciativas de infraestrutura. As duas instituições assinaram um acordo em setembro, pelo qual o China Exim se compromete a oferecer até US$ 200 milhões para financiar o comércio entre esse país e a região, sendo uma parte em yuan. A decisão chinesa de fortalecer o BID também mostra, segundo Castro, seu interesse prioritário em melhorar a infraestrutura latino-americana. Para Branco, “o mais importante neste assunto é a mudança de postura do governo chinês, que antes não queria converter o yuan em uma moeda de circulação internacional porque sua possível volatilidade faria o país ficar refém da situação econômica externa”.

“O efeito nas economias latino-americanas de um yuan convertido em divisa internacional ainda é incerto. Não temos como avaliar os impactos enquanto não houver um mercado já formado e negociando a moeda livremente”, ponderou Branco. O economista recordou que a China demonstrou interesse na região de três maneiras: pela compra direta de minerais e produtos agropecuários de países com vantagens comparativas, como Brasil, Argentina e Chile, na fusão ou criação de empresas binacionais, e em créditos e aportes de capitais, com linhas em yuan, para financiar importações e infraestruturas.

O aumento das negociações em yuan tem como finalidade diversificar o risco em relação ao dólar e ao euro, diante da volatilidade destas duas últimas moedas. Além disso, o aumento na circulação internacional da moeda chinesa busca a implantação de uma nova divisa, que já está sendo negociada em mercados importantes como o de Hong Kong”, ressaltou Branco. Castro tampouco acredita que o aporte em yuan dos novos créditos tenha efeitos no comércio ou nas políticas monetárias da região no curto prazo, pois, para esta moeda se converter em uma divisa internacional, teriam que existir outras condições políticas na China. “O sistema chinês é fechado. Todos sabemos que o governo ajusta a taxa de câmbio segundo seus interesses. Teria que criar credibilidade internacional para que a conversibilidade de sua moeda fosse aplicada na prática, e não na teoria”, concluiu.

O economista Mauricio Claverí, da consultoria Abeceb, considera que, para analisar eventuais efeitos da introdução do yuan no comércio regional, é preciso se voltar ao que ocorreu dentro do Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. “A experiência de comércio em moedas locais entre Brasil e Argentina é que apenas um setor muito reduzido, de 2% a 2,5% do intercâmbio, é feito em moedas locais. As grandes empresas continuam usando o dólar”, afirmou. Inclusive, Brasil e Argentina tinham a ideia de somar a essa iniciativa Uruguai e Chile, mas não o fizeram, e “o sistema nunca decolou, porque as companhias estão muito apegadas ao dólar”, explicou o especialista à IPS.

No entanto, a possível expansão do yuan na América Latina apresenta outras dúvidas. Por exemplo, o que se faria com esta divisa? Branco considera que a primeira utilização do yuan seria em futuras negociações com a própria China. “Esta moeda poderia ser usada como garantia de contratos em momentos em que o euro ou o dólar apresentem maior volatilidade, como ocorreu ultimamente”, afirmou. Porém, a criação de reserva em yuan ocorreria em um segundo momento, depois da solidificação do mercado financeiro global nessa moeda, ressaltou.

Para Castro, “como o yuan não é uma moeda conversível, haveria dificuldades para ser negociada no mercado interno”. No caso do Brasil, o Banco Central deveria absorver os yuans e depois tentar colocá-los no mercado internacional, o que implica um risco financeiro, alertou. Um informe do centro norte-americano de análises Diálogo Interamericano, publicado este mês, mostra que a China concedeu créditos de US$ 37 bilhões à América Latina em 2010, mais do que emprestaram juntos Banco Mundial, BID e o banco de exportações e importações dos Estados Unidos. Mais de 90% deste valor foi destinado a Brasil, Venezuela, Argentina e Equador, especialmente para financiar a compra de matéria-primas e para empresas com capital chinês com investimentos nestes países. Nações como Venezuela e Equador, para os quais não é fácil obter empréstimos multilaterais, se beneficiam particularmente dessa assistência.

Dentro de um plano estratégico de pelo menos 20 anos, a China emprestou à Venezuela mais de US$ 40 bilhões desde 2007. O primeiro empréstimo foi de US$ 4 bilhões, do qual foram feitas reposições para um “fundo sino-venezuelano” de investimentos em infraestrutura e programas sociais cujas cifras exatas não são conhecidas. Em 2010, foi negociada uma linha de crédito de US$ 20 bilhões, metade deles nesta moeda e metade em yuans, destinada fundamentalmente à compra de bens e ao pagamento de serviços à China. Também as corporações petroleiras chinesas CNPC e CNOOC puseram à disposição da estatal Petróleos Venezuelanos vários milhares de milhões de dólares para projetos do setor. Os investimentos chineses na Venezuela vão desde produção de petróleo até ferrovias, obras de infraestrutura, construção habitacional e unidades de montagem de carros, motos e telefones celulares, entre outras. Envolverde/IPS

* Com as colaborações de Marcela Valente (Buenos Aires) e Humberto Márquez (Caracas).