Rio de Janeiro, Brasil, 1/3/2012 – O Brasil começa a promover seu modelo de ajuda Sul-Sul em busca de consolidar sua presença como doador e sua influência internacional. Já chega com recursos a 65 países e sua cooperação financeira triplicou nos últimos sete anos. Não foi seu batismo como doador internacional, mas a iniciativa de estender a cinco países da África o financiamento para compra de alimentos permitiu confirmar que o país, tradicional receptor de recursos, passou para o grupo dos emissores de ajuda externa.
A Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou no mês passado que o Brasil entregará US$ 2,37 milhões para um programa de compra local de alimentos, para benefício de camponeses e setores vulneráveis das populações de Etiópia, Malawi, Moçambique, Níger e Senegal. Assim, o projeto, implementado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA), estenderá aos beneficiários a experiência adquirida pelo Brasil com seu próprio Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
O PAA se baseia na compra da produção dos pequenos produtores agrícolas e sua distribuição para setores em risco alimentar, incluindo crianças e adolescentes, por intermédio de programas de merenda escolar. Além de ajudar a combater a fome, a iniciativa busca fortalecer os mercados locais de alimentos. O PAA é um dos pilares do programa Fome Zero, instituído pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e seguido pelo de Dilma Rousseff.
Esse programa, acompanhado de outras políticas públicas para a redução da pobreza, contribuiu para reduzir a desnutrição em 25% e tirar da miséria extrema cerca de 24 milhões de pessoas, de acordo com avaliações do governo Lula. “É uma maneira de ajudar outros governos a desenvolverem políticas de apoio ao agricultor familiar, que no Brasil responde pela produção de 60% dos alimentos consumidos no país”, explicou à IPS o diretor da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Itamaraty, Marco Farani.
O PAA é um programa que, segundo Farani, “funciona muito bem e mantém o homem no campo, cuidando de seu pequeno pedaço de terra e fazendo disso sua forma de vida e subsistência”. O projeto para os países africanos estabelece a colaboração da FAO e do PMA na produção e no fornecimento de sementes e fertilizantes, e a organização das compras e da distribuição de alimentos, entre outros aspectos. Precisamente, a FAO é presidida desde janeiro pelo brasileiro José Graziano da Silva.
Em entrevista dada à IPS em dezembro, Graziano se comprometeu em levar para essa organização sua experiência como um dos gestores do programa Fome Zero, em áreas como fortalecimento dos circuitos locais para produzir alimentos de maior qualidade, desperdiçar menos e baratear seus custos. Agora, em associação com organizações da ONU ou de maneira bilateral, o Brasil quer ajudar a expandir pelo Sul em desenvolvimento iniciativas que, como o PAA, tiveram êxito dentro do país. Trata-se de um modelo de cooperação que, na verdade, se consolida desde 2005.
Naquele ano, a agora sexta potência mundial destinou US$ 158,1 milhões à cooperação externa, quantia que em 2009 passou para US$ 362,8 milhões. A ABC estima que em 2010 a ajuda internacional oficial atingiu US$ 400 milhões, mas a conta exata ainda não foi fechada. No entanto, Brasília prevê destinar US$ 125 milhões à cooperação técnica no próximo triênio, mais que o dobro do que o próprio país receberá como receptor de ajuda internacional nessa área.
“Hoje, atuamos em mais de 65 países, enquanto há três ou quatro anos só o fazíamos nos países de língua portuguesa da África. Atualmente, temos projetos de cooperação em 38 nações africanas e na América Latina”, destacou Farani. A região latino-americana recebe 45% dos recursos da ajuda externa. O restante é distribuído para outras zonas do Sul em desenvolvimento, a maior parte canalizada de forma bilateral, mas também por meio da ONU, como no caso do novo fundo de alimentos para os cinco países africanos.
O Brasil integra a lista dos dez maiores países doadores do PMA. A diferença, segundo o diretor da ABC, é que “em nossa prática de cooperação Sul-Sul não impomos modelos fechados ou soluções. Buscamos reconhecer a experiência dos outros países e estender a nossa de acordo com suas possibilidades”. Dentro deste contexto, o Brasil estabeleceu uma espécie de manual da cooperação internacional. “Somos um país em desenvolvimento, em primeiro lugar, e por isso nossa atitude frente ao resto do desenvolvimento é de humildade, porque o desenvolvimento ainda é um desafio para o Brasil”, afirmou Farani.
O diretor da ABC também explicou que “além disso, temos realidades e desafios parecidos” e, como países em desenvolvimento, “um olhar de que é possível vencer esses desafios, enquanto o olhar de um país do Norte (industrial) é ‘vamos ajudar para que não se deteriorem ainda mais’”. O analista Maurício Santoro, da Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro, acrescenta razões políticas à estratégia expansiva do Brasil como doador. O país aspira um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU e maior poder de decisão em fóruns multilaterais como Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio.
“O objetivo político é aumentar a influência do Brasil em outros países em desenvolvimento, em particular na América Latina e na África. É parte da consolidação da liderança internacional brasileira frente às nações do chamado Sul global”, destacou Santoro. No entanto, estabelece uma diferença com relação aos doadores tradicionais que utilizam a cooperação como instrumento para abrir novos mercados e para consolidá-los.
Empresas brasileiras, como a Petrobras e grupos privados dos setores da construção e mineração, operam de maneira crescente em países da América Latina e de outras regiões. “O foco está mais na política do que na economia. A cooperação não é, necessariamente, mais forte com grandes sócios comerciais”, afirmou Santoro à IPS.
“Funciona como uma espécie de amortecedor de tensões entre países como Bolívia, Paraguai ou Moçambique, onde é forte a presença de empresas brasileiras”, ressaltou. Outra diferença, explicou o especialista, é que a cooperação do Brasil não impõe condições e, em geral, promove projetos que priorizam a formação de recursos humanos, como a capacitação de funcionários públicos. Trata-se do famoso conceito de “ensinar a pescar, em lugar de dar o peixe”, afirmou. Envolverde/IPS