Arquivo

Duro ficar, difícil regressar

Um raro momento de alegria na Líbia: um casamento em uma igreja de Trípoli. Foto: Rebecca Murray/IPS

Trípoli, Líbia, 5/3/2012 – No aeroporto de Mitiga, na capital da Líbia, mais de 150 jovens esperavam ser repatriados para a Nigéria em um voo da companhia local Buraq. Era um das centenas de viagens facilitadas pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) desde a queda do regime de Muammar Gadafi. A OIM estima que, antes do levante popular que levou à queda de Gadafi no ano passado, havia um milhão de trabalhadores imigrantes na Líbia enviando dinheiro aos seus países de origem. Era um número importante em uma nação com menos de sete milhões de habitantes.

No começo do levante, em fevereiro de 2011, muitos trabalhadores procedentes de Ásia, Oriente Médio, Tunísia e Egito fugiram do território líbio. Mas, continuaram chegando refugiados somalianos e eritreus a Trípoli durante a guerra, suportando difíceis travessias pelo território do Sudão.

Os atuais voos da OIM transportam especialmente imigrantes da África ocidental que atravessaram Nigéria e Chade em busca de melhor futuro econômico, e agora são obrigados a voltar. Em Mitiga, muitos nigerianos usavam as jaquetas esportivas verdes e os sapatos entregues pela OIM, e carregavam seus poucos pertences em maletas de plástico ou sacos de supermercado.

“O maior problema é a verificação de cidadania e os documentos temporários de viagem”, explicou o chefe da missão da OIM na Líbia, Jeremy Haslam. “Quem não tem os documentos em dia, como em mais de 90% dos casos, a primeira coisa que fazemos, antes mesmo de confirmar a repatriação, é confirmar de onde são”, explicou. Embora poucos nigerianos parecessem aliviados em poder voltar e rissem dos companheiros, a maioria estava desesperada.

Após uma cara e difícil viagem com traficantes de pessoas ao longo do deserto, passaram a maior parte de seus dias na Líbia em busca de trabalho ocasional e vivendo sob constante medo de serem assediados, assaltados ou detidos pelas milícias que ainda patrulham este país. Agora, voltarão com as mãos vazias, a maioria endividada com os traficantes. “Quando cheguei a Trípoli trabalhei como lavador de carro e ganhava 50 dinares líbios (US$ 40) por dia”, contou Dennis, de 24 anos. “Mas, quando a guerra começou, foi o inferno. Perdi meu passaporte e meu dinheiro para a milícia. Fui detido por 20 dias e apanhei. Durante a guerra, as milícias sempre me detinham, era só sair”, acrescentou.

A maioria dos imigrantes entrevistados pela IPS não portava seus documentos, que perderam ou foram confiscados. Nenhum tinha visto. Na realidade, a Líbia não era seu destino final, apenas uma escala para a Europa. Embora o estigma com os imigrantes da África subsaariana tenha diminuído desde a guerra – em que Gadafi empregou mercenários negros para lutar contra os rebeldes –, o racismo ainda persiste, afirmam os imigrantes. Alguns dos nigerianos que estavam no aeroporto se conheciam. Cada um deles pagou US$ 1,2 mil por uma perigosa e fracassada viagem de barco para a Europa no final do ano passado. Foram detidos pelas autoridades líbias e passaram três meses na prisão de Ain Zara, em Trípoli.

Entre eles estava Sahuna, mulher de 38 anos com duas filhas, Angel e Blessed, de quatro e um ano, respectivamente. Sahuna estava grávida quando o marido conseguiu chegar à Itália por conta própria, no começo do conflito bélico. Deu à luz a Blessed em um apartamento de Trípoli e depois pagou a viagem de barco. Foi presa com as filhas e as três passaram um tempo na prisão. “Não tenho dinheiro”, disse Shauna, enquanto abria o bolso onde só havia documentos velhos e desenhos das crianças. “O que vou fazer?”, perguntou.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) estima que cerca de 50 mil pessoas tentaram cruzar o Mar Mediterrâneo de barco no ano passado, e aproximadamente duas mil morreram afogadas. Há rumores de que Gadafi estimulou a passagem de imigrantes para a Europa em represália aos ataques da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Porém, os números são pequenos no contexto da migração total a partir da Líbia no ano passado, a maior na região desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

“É um panorama muito complicado”, lamentou Haslam. “Os imigrantes podem ter permanecido refugiados no sótão de alguma casa onde alguém os protegeu por um tempo, e depois quem os abrigou não podia mais lidar com a situação. Esses imigrantes “foram entregues a outra entidade, pessoa, grupo ou milícia, e agora vagam por todo lado. Alguns, talvez, sejam obrigados a fazer trabalho forçado para se sustentar”, acrescentou.

Haslam disse que também há oportunistas lucrando com o tráfico humano. “Os imigrantes são vendidos entre US$ 208 e US$ 642 por pessoa. Há casos suficientes para notar a tendência”, afirmou. “Um dia em particular descobrimos uma oferta: 78 pessoas por US$ 16.875. Era o preço por um grupo de africanos ocidentais, entre os quais havia mulheres e crianças”, ressaltou.

No entanto, os refugiados políticos e econômicos agora sofreram outra ameaça. O ministro do Trabalho da Líbia, Mustafa Ali Rugibani, tinha fixado prazo até ontem para todos os trabalhadores ilegais deixarem o território. “Se não estão legalizados, serão deportados”, anunciou. “Espero que não expulsem as pessoas que não devem ser expulsas, como solicitantes de asilo e refugiados, ou quem precisa de proteção internacional”, disse o chefe da missão da Acnur na Líbia, Emmanuel Gignac. Envolverde/IPS