De Bangkok a Doha: Nova Rodada das Negociações sobre Mudança Climática

A semana de conversas informais, em Bangkok, preparatórias para a reunião da Convenção do Clima, COP18, em Doha, no Qatar, tiveram um resultado misto. Houve avanços importantes e foram detectados pontos de impasse significativos, que precisam ser mais negociados, antes da reunião final. Tudo muito parecido com os anos anteriores.

Conversando com negociadores que estiveram em Bangkok, todos se mostraram satisfeitos com o progresso nos entendimentos finais sobre o Segundo Período de Compromissos do Protocolo de Quioto. Estão em curso três linhas de negociação. Esta que leva ao encerramento das conversas sobre os termos em que se dará a extensão do Protocolo de Quioto; a que discute o novo acordo global sobre mudança climática (LCA na linguagem dos negociadores); e a que põe em prática a Plataforma de Durban, que estabelece um cronograma e um objetivo final para as negociações deste novo acordo.

Pelo que se decidiu em Durban, no ano passado, em Doha devem ser definitivamente encerrados os trabalhos dos grupos que negociam o segundo período do Protocolo de Quioto (chamado AWG-KP), as linhas gerais e alguns dos instrumentos previstos em relação ao novo acordo global para o clima (AWG-LCA), ficando apenas as negociações dentro do quadro definido pela Plataforma de Durban (ADP). Com relação a esta última, o que se decidiu é que na reunião deste ano no Qatar se deve aprovar um plano de trabalho para 2013 e 2014, que permita chegar à forma e ao conteúdo definitivos do novo acordo global do clima para ser aprovado em 2015 e entrar em vigor em 2020. Na COP18, os países devem, também, planejar como farão para rever as metas de redução de emissões de gases estufa para o período 2015-2020, à luz do relatório do IPCC, que sairá em 2014.

Os negociadores comemoram com entusiasmo os avanços em relação ao Protocolo de Quioto, inclusive com a possibilidade de adesão de países que haviam declarado, em Durban, que não participariam dele, como a Austrália. Mais de um negociador, porém, me disse que não vê como se poderá fechar as conversas em torno dos termos para o novo acordo. Alguns sentiram que a convergência é em direção a um novo instrumento legal, provavelmente um novo protocolo, e, por isso, dão importância ao fechamento consensual do Protocolo de Quioto. Com ele ficariam de pé, com validade até 2020, o arcabouço legal e as instituições que poderiam ser utilizadas e ampliadas pelo novo Protocolo.

Esse entendimento de que a frase relativamente ambígua da Plataforma de Durban converge para um novo protocolo é que está dando problema. Ela foi aprovada por consenso na madrugada do domingo de 11 de dezembro passado, após três noites de negociação quase ininterrupta, em que os negociadores praticamente não dormiram. Nas conversas de Bangkok países como China, Índia e Arábia Saudita, levantaram uma série de obstáculos à definição do formato legal que deveria ter o novo acordo. Muitos países estão revelando só agora terem começado a avaliar, para valer, o que aprovaram, insones, naquela madrugada do ano passo.

O que os países decidiram e está escrito na Plataforma de Durban foi “lançar um processo para desenvolver um protocolo, outro instrumento legal, ou um resultado consensual com força legal aplicável a todas as Partes sob a Convenção”. Para evitar que se fixe a ideia de um novo protocolo, uma das estratégias é impedir o encerramento das discussões sobre o novo acordo global de longo prazo (LCA).

Os negociadores mais otimistas vêm Doha como a última COP de uma série que teve início praticamente após a assinatura da Convenção do Clima e que deu início aos trabalhos em torno do segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto e deste acordo global de longo prazo. Começaria, então, uma nova série, mais curta, imaginam, que daria início concreto ao processo aprovado em Durban e chegaria a 2015 com um novo acordo global e a revisão das metas aprovadas em Copenhague, na COP15, em 2009, e legalizadas no quadro da Convenção do Clima, em Cancún, em 2010. Mesmo o cenário mais otimista não descarta que fiquem pendências nessas negociações, mas imaginam que elas sejam tópicas e possam ser transferidas para os chamados “corpos subsidiários”, o que trata das questões de ciência e tecnologia (SBSTA) e o que trata da implementação da Convenção (SBI).

Alguns negociadores estão tentando a adoção de uma estratégia de negociação que deixe para o final, isto é para a COP21, em 2015, a definição da forma legal do novo acordo e se discutam em 2013, COP19, e 2014, COP20, a substância do acordo, seu conteúdo. Dessa forma, crêem ser possível elidir as objeções que vêem sendo trazidas por países como China e Índia ou países menores que cumprem o papel de defender as teses desenvolvidas por esses grandes. A primeira tarefa seria reinterpretar o princípio das “obrigações comuns, porém diferenciadas”. Até agora, explica um dos negociadores, essa interpretação era que os países desenvolvidos tinham obrigações legais (obrigatórias) e os países em desenvolvimento obrigações apenas voluntárias. Na nova interpretação, todos teriam obrigações legais, isto é, compulsórias, mas elas seriam, de alguma forma, quantitativamente diferenciadas entre os países, de acordo com seu grau de desenvolvimento e seu nível de emissões. Essa nova interpretação, de acordo com um experimentado negociador, muda de fato o paradigma das “obrigações comuns, porém diferenciadas”. É difícil, mas é factível, desde que se defina, previamente, qual seria o conteúdo dessas obrigações e como elas seriam diferenciadas. O grande problema é que China e Índia têm entendido que a proposta, principalmente tal como formulada pelos Estados Unidos e e União Europeia, significaria obrigações iguais e isso é para eles tão inaceitável, que sequer consideram iniciar qualquer negociação. O EUA, por sua vez, jamais ratificaria um tratado que não dissesse que a China tem obrigações iguais. Por isso vai se buscar intensamente uma fórmula para dizer que as obrigações são legalmente iguais, ainda que quantitativamente diferenciadas. O objetivo dos negociadores empenhados em romper esse impasse é chegar a formas mais inteligentes de formulação deste princípio – que consideram inarredável – em 2013 e 2014. Seria uma das linhas centrais das negociações na COP19 e na COP20.

Em Doha, o objetivo seria encerrar a pauta do passado, relativa ao Protocolo de Quioto e ao acordo de longo prazo, extinguindo os grupos de trabalho respectivos AWG-KP e AWG-LCA. Isso daria base para uma série decisões concretas até 2020 e fortaleceria o processo dentro da Convenção do Clima, a UNFCCC. Entre outros objetivos, gostariam de pôr para funcionar realmente, a partir do início de 2013, o Fundo Verde para o Clima, o fundo e o plano para adaptação dos países mais vulneráveis à mudança climática, e o Centro e a Rede de Tecnologia, que permitiria a cooperação científica e tecnológica e a transferência de tecnologias para redução de emissões (mitigação) e adaptação à mudança climática. Tudo isso está atrasado, já estava previsto no Mapa do Caminho de Bali, aprovado em 2007 e  por isso é parte da “pauta do passado”.

A maioria dos negociadores está convencida de que a divulgação do próximo relatório do IPCC, em 2014, terá um forte efeito político, gerando pressão sobre os governos e dentro da convenção para que se tenha um acordo mais ambicioso sobre mudança climática, seguindo a Plataforma de Durban. Por isso acha que o melhor caminho é investir na criação de condições para que esse acordo possa estar delineado em 2014, para ser aprovado em 2015, deixando os pontos mais intratáveis para a fase final. Isso significaria abandonar, por enquanto, a discussão de qual seria o estatuto jurídico do que negociariam em 2013 e 2014.

A reunião de Bangkok revelou novas fissuras no G77+China, que está em crise há vários anos. Escrevi sobre esta crise no livro Copenhague Antes e Depois. É um aglomerado de países com interesses cada vez mais divergentes. Mas o próprio BASIC, Brasil, África do Sul, Índia e China, também tem enfrentado dificuldades internas. Esses países farão uma reunião esta semana, em Brasília, para discutir sua posição em Doha e ainda haverá uma outra reunião do BASIC, em Pequim, antes da COP18 no Qatar.

A COP18, de Doha está entre o impasse, que a colocaria como um ponto em branco no calendário das negociações do clima, e o encerramento de um longo ciclo dessas negociações, que a tornaria um marco na história da política climática global. Se será uma ou outra, só se ficará sabendo, muito provavelmente, na madrugada do domingo, 9 de dezembro de 2012.

Meu comentário sobre o tema na CBN está aqui.

* Publicado originalmente no site Ecopolítica.