Santa Catarina originalmente era 100% coberta pelo bioma da Mata Atlântica. Segundo a Fatma (Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina), hoje o estado possui 41% do seu território com cobertura vegetal de mata nativa. Já a SOS Mata Atlântica afirma que não chega a 23%. O estado está entre os três campeões de desmatamento do último Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica.
O estado é um dos mais ricos do país: está entre as sete unidades da federação que juntas detém 75% do PIB do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, é o segundo pior índice de saneamento básico, perdendo apenas para o Piauí – o menor PIB do país. Isso talvez se explique pelo excesso. Num estado onde a maioria dos municípios é banhado por água farta, a ênfase nunca foi cuidar do que tem.
O efeito que a contaminação da água causa na disponibilidade da água é severo. Não por acaso, o extremo oeste do estado, que mais desmatou e possui o maior índice de rios poluidos, é também o que mais tem sofrido com a falta de água no estado. “A gente não repõe o que tira da natureza e a água é esgotável, como todos sabem. Se você aliar isso com as mudanças do clima e a intensificação dos efeitos extremos, imagina o que pode acontecer”, diz Erico Porto Filho, gestor ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina.
Dentro da administração dos recursos hídricos, a construção desenfreada de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) é outra preocupação. Segundo o promotor Luis Souto, do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, hoje há a previsão da construção de 400 PCHs no estado. O maior problema delas é que a autorização para a construção de cada unidade não leva em conta o conjunto do sistema hídrico. Há casos extremos. Apenas o rio Canoas, por exemplo, tem cinco dessas usinas em seu curso.
Segundo o ecologista Lauro Bacca este é um grande impasse para os ambientalistas. “Quando construiram Itaipu, todos diziam que pequenas centrais hidrelétricas teriam menos impacto. Mas e agora? Se botar 50 pequenas ou três grandes num rio Uruguai, qual a diferença? E, quando a quadrigentésima for feita e tiver acabado com todas as quedas de água do estado? O desenvolvimento tem que ter limites. O ser humano perdeu completamente o senso de limite das coisas. A economia já está tirando 30% a mais que a capacidade da biosfera de se recompor. Se alguém está gastando 30% a mais do que o salário que ganha, o que você fala pra esse cara? Vai dizer: Meu filho, você está à beira da falência total”.
O Diretor de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani diz que “em regiões como Santa Catarina com grande disponibilidade de recursos hídricos e quedas de água, a construção das PCHs poderia ser uma saída genial”. O problema é a quantidade e a falta de estudos sobre cada área licenciada. “Eles utilizam como base uma avaliação que a Eletrobrás fez em 1970. Esses estudos precisariam ser atualizados”.
Outra alternativa é diversificar a matriz energética. Além da vocação para hidrelétricas, Santa Catarina já poderia investir em geração de energia a partir de resíduos de porco na região oeste e eólica no sul. “Nós já começamos a desenhar um mapa das vocações para a produção de energia de cada região de Santa Catarina”, diz Guilherme Dallacosta, Diretor de Mudanças Climáticas da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável de Santa Catarina. “A ideia é incentivar a criação de políticas públicas que utilizem esses potenciais. Mas temos um grande entrave que é impossibilidade legal dessa energia gerada ser ditribuída em nossa rede elétrica”, diz.
Desproteger sai caro
A justificativa dos defensores da mudança do Código Florestal é que os produtores precisam de mais terras – eles não podem se dar ao luxo de perder receita para preservar o ambiente. Mas perder as matas ciliares provavelmente vai acabar saindo mais caro.
“Isso soa como argumento ambientalista, mas, se você colocar no papel o gasto com fertilizantes, uréia e calcário que que os pequenos agricultores têm com a perda da qualidade do solo, vê que o rombo é grande”, afirma Miriam Prochnow, ambientalista e agricultora da Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida). 75% das espécies utilizadas na alimentação depende da polinização de insetos que só existem na mata ciliar. Desmatar diminui a produção.
Nos últimos dois anos, com as chuvas cada vez mais intensas, os agricultores têm sofrido grandes perdas que poderiam ser minimizadas se as produções não estivessem tão vulneráveis, na beira do rio. Nas áreas urbanas, a ocupação das matas ciliares não é menos prejudicial. Enchentes constantes, intensificadas pela impermeabilização e assoreamento dos rios, provocam não só a perda de bem material, quanto de vidas com afogamentos e demoronamentos.
Os cofres públicos também pagam pelo desequilíbrio e mau uso do solo. Por ano, 280 mil hectares de terra são perdidos por erosão – e esse monte de terra contribui para assorear os rios e causar enchentes. Só para a fatia de despesas com dragagem dos rios de Santa Catarina o Governo Federal destinou (em junho de 2010) R$ 525 milhões.
*Publicado originalmente no !sso Não é Normal.