Na obesa sociedade mexicana, o movimento Segunda sem Carne começa a sacudir os maus hábitos.
Cidade do México, México, 22 de julho de 2013 (Terramérica).- O décimo primeiro mandamento poderia ser: “não comerás carne… pelo menos um dia por semana”. Esse objetivo, modesto em um mundo cada vez mais carnívoro, é buscado por um movimento que ganhou força nos Estados Unidos em 2003 e que se estende lentamente na América Latina, com presença no México, Panamá e Brasil.
“É uma ferramenta para convidar as pessoas a variarem, de forma simples, sua dieta e diminuir o consumo de carne”, disse ao Terramérica a presidente do capítulo mexicano do Segunda sem Carne, Ana Arizmendi. “E chega em um momento muito conjuntural: o país tem uma crise de saúde pública, e tanto os indivíduos como as instâncias políticas e privadas estão muito receptivas a se abrirem a alternativas saudáveis”, acrescentou. Esse problema é a obesidade.
Este país com mais de 118 milhões de habitantes é um dos mais gordos do mundo, superando inclusive os Estados Unidos, afirma o documento O Estado Mundial da Agricultura e da Alimentação 2013, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A obesidade afeta 32,8% das pessoas adultas, e mais de 30% das crianças entre cinco e 11 anos são obesas ou têm sobrepeso, afirma a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição 2012. Pelo menos 6,4 milhões de mexicanos sofrem de diabete.
“A raiz da obesidade é multifatorial, e uma delas é balancear muito mais nossa alimentação e reduzir o consumo de carne e embutidos”, afirma a nutricionista, formada na Universidade de León, na Espanha, e responsável pela iniciativa no México desde 2011. O Segunda sem Carne tem uma origem remota, a Primeira Guerra Mundial (1914-1919), quando o governo dos Estados Unidos começou a promover uma queda no consumo popular de carne e de trigo para aumentar as reservas de suas tropas e aliados.
O ex-publicitário norte-americano Sid Lerner ressuscitou o conceito em 2003, em associação com o Center for a Livable Future, da Universidade Johns Hopkins. A campanha defende uma redução na ingestão de carne vermelha para minimizar o risco de diabetes, hipertensão, câncer e doenças cardiovasculares, e também para reduzir os impactos ambientais da pecuária intensiva.
A FAO estima que a indústria de carnes responda por um quinto dos gases-estufa liberados por atividades humanas. O gado necessita de muita mais água do que as hortaliças e os cereais e sua produção também implica grande consumo de combustíveis fósseis.
Além disso, na carne “muitas vezes se usa glutamato monossódico, e esse aditivo contém riscos para a saúde. Promovemos que se evite o consumo de alimentos e bebidas industrializadas, por conterem quantidades altíssimas de gordura, sal e açúcar”, disse ao Terramérica a pesquisadora em saúde alimentar da organização O Poder do Consumidor, Katia García. Para ela, se deveria retornar aos hábitos da dieta tradicional mexicana, “alta em fibra, vitaminas, minerais e proteínas de grande valor nutritivo, e consumo apenas de água potável”.
O Poder do Consumidor é uma das 22 organizações que formam a Aliança pela Saúde Alimentar que conduz a campanha contra bebidas gasosas intitulada “Você comeria 12 colheres de açúcar?”. A atenção com os diabéticos custou aos cofres mexicanos US$ 3,872 bilhões em 2012, segundo estimativas da Pesquisa Nacional. Contudo, não é fácil mudar os hábitos. “Não há um estilo alimentar único, nossa responsabilidade é encontrar o que nos mantenha saudáveis”, opinou Arizmendi, cujos pacientes são majoritariamente mulheres entre 25 e 45 anos.
Este ano, o Segunda sem Carne prepara um intenso programa de difusão por internet e redes sociais, junto com capacitação para promotores, cursos e painéis em escolas e restaurantes de empresas. “Ainda não conseguimos que algum município se comprometesse em ter segundas-feiras sem carne, mas agora queremos fazer esse tipo de difusão municipal e em empresas e escolas. É algo novo, e tem muito campo para percorrer”, ressaltou Arizmendi, que se declara onívora.
Nos Estados Unidos, o movimento organiza uma campanha dirigida à comunidade hispânica, que imitou os maus hábitos da mesa norte-americana, repleta de gorduras, sal, açúcar e farinhas. Deste lado da fronteira, o fenômeno se repete. Conforme melhorou a renda média das famílias mexicanas nas duas últimas décadas, aumentou o consumo de carnes, um símbolo de ascensão social.
Em 1970, o consumo de carnes era de 23 quilos por pessoa, em 1990 subiu para 34, e agora é de 63 quilos, segundo o Serviço de Informação Agroalimentar e Pesqueira. A carne de ave encabeça as preferências da dieta carnívora mexicana, com 29,5 quilos, seguida da bovina, com 17,4, e da suína, com 15 quilos. Na América Latina, o Uruguai é o campeão do consumo de carnes, com 98 quilos por pessoa, seguido de Argentina, com 96,9, Brasil, com 85,3, e Chile, com 73,9.
A variedade da gastronomia mexicana oferece muitas opções apetitosas e nutritivas. “Pode-se misturar um cereal e uma oleaginosa. Por exemplo, as proteínas da tortilha e do feijão se complementam e aumentam seu valor proteico. É importante o consumo de proteína para evitar algum tipo de deficiência, e a proteína vegetal tem maior benefício”, afirma García.
Muitas celebridades aderiram ao Segunda sem Carne, presente em mais de 23 países. E são várias as cidades que adotaram a iniciativa em hospitais, escolas, escritórios e restaurantes. O governo mexicano prepara uma política específica para a obesidade, que incluirá medidas reguladoras para os alimentos. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.