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A cooperação internacional em xeque

 

Ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente. Foto: Clovis Fabiano
Ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente. Foto: Clovis Fabiano

 

Em entrevista exclusiva à equipe da cobertura online da Conferência Ethos 2013, ministra Izabella Teixeira comenta principais temas da agenda global.

Em um planeta onde os desafios são globais, os países trabalham fortemente para manter suas identidades. Com isso, muitas vezes, não conseguem ser ágeis o suficiente na tomada de decisões. É o que se vê atualmente nas Nações Unidas, que tem um tempo diferente do que está sendo demandado nas ruas em todo o mundo. Mas nem só de más notícias vive a ONU. Segundo Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, as negociações na Rio+20 conseguiram manter as principais pautas da sustentabilidade global em pé, com avanços, principalmente, em relação à criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), que ao contrário dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) – que eram apenas para os países pobres e emergentes –são para todas as nações.

Falando ao público presente na tarde do terceiro e último dia (5) da Conferência Ethos 2013, a ministra disse que os países têm pautas próprias, inclusive quando se trata de objetivos globais. Para ela, a crise de 2008 mudou a lógica da cooperação internacional, que reduziu drasticamente os recursos aportados em projetos para a redução da pobreza nos países pobres. “Atualmente, a maioria dos recursos utilizados nesses projetos são nacionais, vindos dos próprios países beneficiados”, explicou Izabella. A ministra chamou a atenção para a necessidade de projetos de controle ambiental terem uma relação com as necessidades sociais dos locais onde são implantados. Como exemplo, ela citou o caso de empresas que atuam com madeira ilegal. Para fechá-las, bastam algumas horas, mas, para criar novos empregos, são necessários esforços articulados de diversos setores, o que pode demorar muito tempo.

A ministra concedeu uma entrevista exclusiva à equipe da cobertura online da Conferência Ethos:

Envolverde – Ministra, por que a senhora disse acreditar que os países emergentes devem caminhar numa faixa diferente dos desenvolvidos na implementação do desenvolvimento sustentável?

Izabella Teixeira – Porque nós propomos mudar rapidamente os padrões de produção e consumo. Quando fazemos isso, estamos mudando a base econômica deles. Isso está na agenda central do secretário geral da ONU, Ban Ki Moon, e que será apresentada este mês na Assembleia Geral quando lançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O tema central é a pobreza e a erradicação da miséria para a preservação do planeta. E isso tem a ver muito com o comportamento das ruas em todo o mundo.

Envolverde – Por que a Conferência Nacional do Meio Ambiente está focada em resíduos sólidos?

Izabella Teixeira – O que precisamos discutir na Conferência é que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos é importante, mas tem prazos inviáveis. A lei não enxergou todo o Brasil. Se tiver que mexer na lei, não é mais um trabalho para o Congresso., Vamos criar um fórum para a sociedade mostrar para os legisladores como deve funcionar. A sociedade vai mostrar os meios que tem para tratar dos resíduos. E, em consequência disso, vamos tratar também de Cidades Sustentáveis, um tema muito importante para o Brasil.

Envolverde – Qual é o papel do Brasil no cenário da sustentabilidade global?

Izabella Teixeira – As opções que a sociedade brasileira adotar daqui pra frente influenciarão, ou poderão influenciar, outras sociedades. Depois da Rio+20, três grandes aspectos modelam a discussão global em que o Brasil deve, no meu entendimento, engajar a sociedade de maneira distinta do que vinha acontecendo nos últimos 20 anos. Primeiro, o paradigma do Desenvolvimento Sustentável ficou em pé. Parte das negociações internacionais foi para evitar o retrocesso nos temas socioambientais. Mas esse desenvolvimento sustentável não é o de 92. O mundo é outro, as relações de sociedade são outras: as vinculações, o papel político dos chamados major groups das Nações Unidas, que são os representantes da sociedade, esse papel político é outro. Cultura, justiça e direitos humanos são conceitos inseridos na nova agenda, uma agenda mais política, e cada vez mais centrada nas escolhas individuais refletidas no caminho do coletivo. Ou seja, as Nações Unidas precisam buscar um novo caminho: é isso o que está sendo dito nas ruas e que as sociedades e as nações estão demandando na velocidade que é requerida.

O Desenvolvimento Sustentável do novo milênio tem outros aspectos que vão exigir transformações muito robustas e corajosas de todas as sociedades, em escalas diferenciadas. Não esperem que o modelo do Brasil seja repetido nos Estados Unidos, por exemplo. As sociedades, embora globalizadas, estão cada vez mais trabalhando suas identidades nacionais. Tem a ver com o que a sociedade brasileira está chamando de sociedade do bem-estar, uma sociedade que sai do consumo e quer migrar para o bem-estar. Não é mais só acesso, é uso e qualidade dos bens e serviços.

O segundo tema estratégico na agenda global é a erradicação da pobreza até 2030. Isso vem em todos os documentos das Nações Unidas. Recomendo a leitura do novo relatório “The New Global Partnership”, que sugere uma agenda pós-2015 e tem esse tema no centro das propostas. É o que vai modelar as relações globais e locais, entre países e sociedades, em termos de desenvolvimento sustentável. Nós temos 1 bilhão e 300 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza!

A cooperação internacional também está em xeque. Nos últimos dez anos, os esforços feitos nos países da América Latina para erradicação a pobreza têm 90% dos recursos de origem nacional, não são de cooperação internacional. Ou seja, as sociedades estão pagando a erradicação da pobreza.

* Publicado originalmente no site da Conferência Ethos 2013.