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A resposta à tragédia de Ytoya é a cultura da paz e não violência

Fredrik S. Heffermehl

Oslo, Noruega, agosto/2011 – A Noruega é uma pequena nação cujo povo se encontra consternado depois do terrível ato de violência política, de uma crueldade sem precedentes, que ocorreu há poucos dias. Há em todo o país uma tangível atmosfera de profundo pesar e de tristeza nacional, como indicam as vozes apagadas e as variadas manifestações de dor das pessoas.

Felizmente, este pesadelo dos noruegueses se vê de algum modo aliviado pela compaixão e pelas manifestações de solidariedade que chegam de nossos amigos de todas as partes do mundo. Além disso, estamos agradecidos aos nossos líderes nacionais, ao governo, à polícia e ao pessoal de serviços de emergência e resgate porque reagiram com admirável compostura e eficiência.

Poucos podem compreender a magnitude de extrema devastação que um descontrolado “homem superior” foi capaz de causar. Motivado pela teoria racista da “superioridade branca”, este assassino culpou os políticos e os meios de comunicação noruegueses de participarem de uma conspiração cultural marxista e de ajudarem em uma invasão islâmica na Europa. Como fervente antissocialista, escolheu como alvo a próxima geração dos políticos do Partido Trabalhista, ao assassinar todos os que conseguiu no acampamento juvenil dos trabalhistas, na Ilha Utoya. As dezenas de assassinados eram jovens, em boa parte entre 14 e 15 anos, procedentes de municípios de todo o país.

O acampamento juvenil era o alvo principal, já que o carro-bomba colocado para explodir no centro de Oslo uma hora antes tinha como propósito criar caos, distrair a atenção da polícia e dar ao assassino o maior tempo possível para cometer sem obstáculos o massacre da juventude do Partido Trabalhista. Embora instalada em boa parte com esses propósitos, a bomba causou mortes, grandes estragos e prejuízos. Os meios de comunicação internacionais informaram que a explosão ocorreu “próximo do escritório do primeiro-ministro”, mas foi muito pior, já que foi colocada no meio de um complexo de prédios do governo e afetou gravemente quase todos os edifícios governamentais, vários deles de forma irreparável. Com poucas exceções, será necessário instalar os ministérios noruegueses em locais improvisados durante pelo menos dois anos.

Um aspecto particularmente perverso e cruel do massacre foi o uso de um uniforme da polícia pelo assassino. Os jovens do acampamento, que haviam conseguido fugir do ataque em todas as direções, estavam terrivelmente assustados quando a verdadeira polícia finalmente chegou em sua ajuda uma hora depois. Não sabiam se esses policiais iriam ajudá-los ou, ao se aproximarem, atirar para matá-los.

O autor da matança, um astuto e excepcionalmente bem organizado (ao que parece) solitário, que foi criado em um rico subúrbio, foi membro do partido norueguês de extrema direita antes de concluir que a democracia não poderia proteger a Europa de ser conquistada pelo Islã. Durante nove anos, planejou o lançamento de sua Grande Guerra contra a multiétnica e multicultural Europa, isolando-se de sua família e dos amigos para garantir que ninguém o encontraria e tentaria impedi-lo de cumprir seus propósitos.

Não podemos proteger melhor a nós mesmos contra um louco megalomaníaco como este do que contra uma catástrofe natural. Mas este fanático religioso é o produto de nossa cultura militarizada e com alta tolerância para a violência.

Peter Weiss, advogado em Nova York e presidente da Associação Internacional de Advogados Contrários às Armas, fez esta afirmação: “o que se pode fazer com este tipo de gente? Talvez, nada. Mas empreender um diálogo com extremistas, por pouco prometedor que possa parecer, seria melhor do que esperar que ocorra outra Utoya”.

O assassinato em massa de futuros políticos nessa ilha foi possível graças à moderna tecnologia militar para matar, ostensivamente produzida para nossa “segurança”. Albert Einstein disse, e Alfred Nobel estaria de acordo, que na era nuclear a verdadeira segurança pode ser construída somente com base na justiça, cooperação e compaixão, bem como com o reconhecimento de todos os membros da família humana como nossos irmãos, deixando no esquecimento as fronteiras e as divisões religiosas e étnicas.

A Noruega está em uma posição especial para promover a paz mundial por meio da lei e das instituições internacionais, já que esta foi a ideia que Nobel quis promover por meio de seu prêmio para os campeões da paz. A resposta às atrocidades não deve ser mais a do uso do poder e da violência. Em lugar disso, devemos criar uma cultura global de paz e não violência.

Na longa série de histórias dramáticas, sobressai a de um membro da agrupação trabalhista, uma jovem de origem indiana, ou do Sri Lanka, que foi convencida por seus amigos a nadar com eles para fugir do assassino. Uma má nadadora que deveria percorrer 600 metros em águas geladas e com as balas zumbindo próximo de sua cabeça. Quando se jogou na água eram altas as probabilidades de se afogar, como ocorreu com muitos outros jovens. Entretanto, conseguiu atingir a margem, e quando chegou foi entrevistada por uma equipe da TV e, ao ser perguntada sobre seus sentimentos com relação ao assassino respondeu: “sinto piedade por ele. Se este homem tivesse desfrutado de uma boa amizade com um único imigrante negro, este desastre poderia jamais ter ocorrido”. Envolverde/IPS

* Fredrik S. Heffermehl é advogado e escritor, e diretor da Ialana, a Associação Internacional de Advogados Contrários às Armas Nucleares.