Desde 2009 vigora em El Salvador uma proibição total ao aproveitamento de ovos, carne, óleo, ossos, carcaça e inclusive exemplares dessecados de tartarugas marinhas.
Ilha La Pirraya, Usulután, El Salvador, 10 setembro de 2012 (Terramérica).- Um rincão escondido do Oceano Pacífico, a salvadorenha Baía de Jiquilisco, está se convertendo em um paraíso de quelônios ameaçados. “Os moradores dizem que era uma onda de dez metros de altura, que arrasou com tudo”, diz o ecologista Emilio León sobre um sismo na costa pacífica, cuja onda destruiu vários viveiros com 45 mil ovos de tartaruga, no dia 26 de agosto.
O maior dano aconteceu na Ilha de Méndez, sul do departamento de Usulután, na Baía de Jiquilisco, lugar favorito de desova das quatro espécies que visitam El Salvador: de pente (Eretmochelys imbricata), de couro (Dermochelis coriacea), oliva (Lepidochelys olivacea) e verde (Chelonia mydas agassizii). Os criadouros destruídos na Ilha de Méndez estão a cargo da não governamental Fundação Zoológica de El Salvador (Funzel). Pela importância da Baía de Jiquilisco para as tartarugas, várias organizações ambientalistas mantêm projetos de conservação ali.
“Contra a força da natureza nada podemos fazer, a não ser continuar trabalhando para levantar o que foi destruído”, disse León, diretor do Programa de Conservação da Tartaruga Marinha da Funzel. O tremor, de 6,7 graus na escala Richter, foi pouco percebido pela população, mas jogou por terra meses de trabalho para preservar as quatro espécies, todas em risco de extinção. Nas atividades conservacionistas participam autoridades, entidades ambientalistas nacionais e estrangeiras, e os pescadores da área, que mantêm incubadoras de ovos de tartaruga e concebem mecanismos para que as comunidades se envolvam em seu cuidado.
“Ali se vê uma”, disse Obed Rodríguez em sua pequena lancha no meio do mar, apontando a cabeça de uma tartaruga-de-pente que emerge das águas. O animal se deixa ver por completo durante alguns segundos e submerge novamente. O pescador faz parte da equipe que desde maio desenvolve um programa de cuidado de ovos, patrocinado pela Iniciativa Carey do Pacífico Oriental (Icapo), um projeto regional com sede nos Estados Unidos para pesquisar e proteger as populações da espécie nesta região do oceano. “Esta é a zona onde as de pente fazem seus ninhos, e não é raro vê-las nadando”, contou ao Terramérica.
Sobre a tartaruga-de-pente pende a ameaça maior. É capturada para aproveitamento de sua carne e seus ovos, mas, sobretudo, para uso de sua carapaça – de escudos translúcidos nas cores amarela, âmbar, vermelho, marrom e preto – na elaboração de objetos de decoração, pentes, armação para óculos e joias. Entre 200 e 300 fêmeas continuam fazendo ninho nas praias do Pacífico entre o México e o Peru, e metade delas o fazem na Baía de Jiquilisco, indicam pesquisas do Icapo e do Southwest Fisheries Science Center (Centro Científico para as Pescas do Sudoeste) do Escritório Nacional de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos.
Já não há incentivos para que os pescadores vendam ovos de tartaruga para os restaurantes. Desde 2009 vigora total proibição do aproveitamento desse produto, bem como da carne, do óleo, dos ossos, da carcaça e de exemplares dessecados. Por medo de terem os ovos apreendidos pelas autoridades, os pescadores preferem entregá-los ao projeto do Icapo, que paga US$ 2,5 por 14 unidades, e uma ninhada pode ter até 160, explica Rodríguez.
A penetração do mar na costa de Usulután determina a forma característica do mapa salvadorenho nesta baía do sudeste. Os indígenas a chamavam Xiriualtique, ou baía das estrelas, porque suas águas tranquilas refletiam o céu estrelado. Ali se encontra a maior extensão de mangues do país. Em 2005, esta região foi incluída na lista Ramsar de mangues de importância internacional, e em 2007 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) a declarou Reserva da Biosfera Xiriualtique-Jiquilisco a Baía das Estrelas.
Pouco a pouco, seus habitantes assumem que a região deve ser preservada, apesar da forte presença hoteleira em áreas vizinhas, que coloca em dúvida a capacidade local se mantê-la a salvo. Contudo, no ano passado foram postos 1,7 milhão de ovos, e deles nasceram e foram liberadas para o mar 1,5 milhão de tartaruguinhas, a maioria de pente e oliva, as de maior presença neste país, segundo o Ministério do Meio Ambiente e de Recursos Naturais.
No final de agosto, o explorador e documentarista francês Fabien Cousteau, neto do famoso Jacques-Yves Cousteau, chegou a esta costa para rodar um filme. “Não se trata apenas de filmar o progresso que houve na proteção das tartarugas marinhas em El Salvador, mas também de contar uma história de esperança”, declarou em uma entrevista coletiva. A organização não governamental que fundou, Plant a Fish (Plante um Peixe), e sua iniciativa local Vivazul trabalham, a partir deste ano, com comunidades das praias El Amatal e Toluca, onde estabeleceram áreas para incubar até 200 mil ovos e liberar a maior quantidade possível no mar.
A Funzel persegue uma meta mais ambiciosa: que a população local organize suas próprias atividades econômicas em torno da conservação de tartarugas, sem intermediação de organizações ambientalistas. Por exemplo, que desenvolvam seus próprios viveiros e cobrem dos turistas pelo privilégio de libertar uma tartaruga no mar. “Fazemos isto em um plano-piloto na Ilha de Méndez, e a ideia é ampliá-lo cada vez mais”, assegurou León. O preço deste serviço é de US$ 7 por visitante. “O futuro é promissor”, enfatizou. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
LINKS
Tartarugas marinhas presas no frio repentino do inverno uruguaio
Pescadores resgatam tartarugas
Praias mortais para as tartarugas
Fundação Zoológica de El Salvador, em espanhol
Iniciativa Carey do Pacífico Oriental, em espanhol e inglês
Plant a Fish, em inglês
Vivazul, em espanhol e inglês