Após a queda do bloco socialista e a aparente vitória “final” do capitalismo, a afirmação de que “outro mundo é possível” se tornou uma forma de expressar a resistência à ideologia neoliberal e à atual globalização capitalista. Para muitos, a afirmação por si seria um tipo de comprovação de que outro mundo é possível. Porém, penso que é importante refletirmos um pouco sobre como mostrar a plausibilidade deste outro mundo.
É claro que para os já convencidos não há necessidade desta discussão, porém é preciso reconhecer que a maioria da população continua pensando que não há alternativas. Afinal, o poder e a capacidade de sedução dos meios de comunicação estão aí para, entre outras coisas, vender essa ideia. Por isso, é fundamental para a “esquerda”, cristã ou não, que mostremos a plausibilidade da afirmação “outro mundo é possível”.
Para o início da conversa, é importante reconhecer que o simples desejo de que outro mundo seja possível não serve de argumento para “comprovar” que este outro mundo realmente chegará a existir. Além disso, na afirmação “outro mundo é possível” o acento está na possibilidade de uma alternativa, mas não há uma explicitação de como seria este outro mundo. Tratando-se do desejo, é claro que, sob a expressão “outro mundo”, vamos encontrar imaginação de um mundo quase que perfeito, se não perfeito, onde a descrição se dá muito mais em termos das realidades que não existirão (mundo sem exploração, sem opressão, sem injustiça etc.) ou em termos qualitativos (harmonia, solidariedade…). Muito pouco aparece da descrição dos mecanismos sociais e institucionais de produção e distribuição dos bens econômicos e das relações de poder e leis na esfera pública e estatal.
A afirmação de que outro mundo é necessário também não é suficiente para mostrar a plausibilidade, pois a afirmação da necessidade pressupõe o raciocínio de que, se outro mundo não surgir, a humanidade irá desaparecer ou entrar em profundo caos. Isto é, para que o mundo humano não entre em caos, é necessário um outro mundo. Porém esta necessidade não é garantia da realização, mas sim uma condição para que o caos não se estabeleça. As pessoas podem muito bem pensar que não há alternativa e que devemos nos preparar para o caos ou que a possibilidade do caos é apenas uma chantagem dos alarmistas. Alguns, especialmente cristãos conservadores fundamentalistas, podem até pensar que o caos previsto seria o Armagedon, sinal de que o final dos tempos está chegando e, com isso, a volta triunfal de Jesus. Portanto, deveríamos esperar ansiosamente por este caos final.
Já que o simples desejo e a afirmação da necessidade não são suficientes para mostrar a plausibilidade do outro mundo possível, precisamos apresentar outros tipos de argumentações. O primeiro pode ser a afirmação de caráter metafísico de que nenhum mundo ou civilização são eternos. Só Deus é eterno e todo o mais é passageiro ou contingente. Assim, mostramos que o sistema capitalista atual também passará. Esta é uma afirmação importante porque é da característica de todos os Impérios afirmarem-se como eternos. Isto é, em termos cristãos, a idolatria de se apresentar como expressões históricas de Deus ou do Reino de Deus.
Entretanto a afirmação da contingência do atual Império (não o norte-americano, mas do sistema capitalista global) é uma condição necessária, mas não suficiente para mostrar a plausibilidade de outro mundo melhor do que atual. Muito menos para motivar as pessoas a se engajarem na luta por este outro mundo.
Um outro argumento usado no campo religioso é de que o “mundo justo” é promessa de Deus, que nos pede para lutarmos por este outro mundo. No caso do cristianismo de libertação, textos bíblicos, especialmente dos profetas, são citados para “comprovar” como Deus se revela no mundo anunciando este outro mundo. Porém, este tipo de argumento só funciona junto às pessoas que compartilham a mesma fé e o mesmo tipo de leitura bíblica ou de outro livro sagrado. Além disso, se é verdade que textos sagrados revelam, não somente a vontade de Deus, mas a garantia da realização do outro mundo, muitos poderiam perguntar por que após mais de dois mil anos essas promessas ainda não se realizaram.
Essas reflexões nos mostram que argumentos teóricos “a priori” são necessários, mas não suficientes –se é que existem– para mostrar a plausibilidade e, ao mesmo tempo, motivar pessoas a se engajarem na luta. Precisamos então voltar nossos olhos para experiências históricas. (A continuar…)
* Jung Mo Sung é Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo. Autor, junto com Hugo Assmann, do livro “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus. Twitter: @jungmosung.
** Publicado originalmente no site Adital.