“Cor da pele ainda influencia carreiras no Brasil”

Até quando as lideranças empresariais do país vão aceitar que a raça ou a cor da pele continuem interferindo na carreira profissional dos brasileiros e brasileiras?

Pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com 15 mil pessoas em cinco Estados e no Distrito Federal, mostra que o trabalho é o local onde os brasileiros mais sentem a influência da raça ou da cor da pele sobre suas vidas: 71% dos entrevistados avaliam que esse fator interfere na carreira profissional.

Os Estados pesquisados foram Amazonas, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraíba e São Paulo, além do Distrito Federal. Neste último, aliás, 86,2% dos entrevistados consideram que a cor da pele interfere no trabalho, a maior porcentagem entre as unidades da federação pesquisadas. São Paulo vem logo a seguir, com 72,6%, e depois o Mato Grosso e a Paraíba (71,7%), o Rio Grande do Sul (65,6%) e o Amazonas (54%).

O resultado dessa pesquisa é importante porque os próprios entrevistados informam que percebem o preconceito racial no espaço social que mais envolve o cotidiano do cidadão adulto: o trabalho. Essa percepção confirma o que para muitos brasileiros era uma afirmação “radical” e “sem base”: o Brasil ainda é um país preconceituoso e está longe de promover uma verdadeira integração racial.

Junto com a falta de oportunidade no mercado de trabalho, a questão da violência também veio à tona nessa pesquisa: depois da carreira, a situação na qual a cor da pele mais interfere, segundo os entrevistados, é na relação com a Justiça ou com a polícia.

Se há um lado “positivo” nesse estudo é que, pela primeira vez, o IBGE preocupou-se em dar um recorte de raça mais aprofundado nos levantamentos demográficos que faz. Com isso, a sociedade pode refletir sobre os resultados e encontrar os caminhos para superar o preconceito racial, uma chaga que permanece no armário da sociedade brasileira desde a abolição da escravatura.

Superando obstáculos

A pesquisa Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil, realizada pelo Ethos e pelo Ibope, mostra que houve avanços muito lentos na inclusão racial nas empresas, entre 2003 e 2010. No nível executivo, os negros ocupavam 1,8% dos cargos nas 500 maiores em 2003 e, em 2010, 5,3%. No nível gerencial, os índices evoluíram de 8,8% para 13,2%. Nos quadros de supervisão, a participação subiu de 13,5% em 2003 para 25,6% em 2010. No quadro funcional, a evolução foi de 23,4% para 31,1%. Observe-se que os negros são 46,5% da população economicamente ativa do Brasil.

Adotar a inclusão racial como estratégia de negócio é uma questão ética e social para as empresas: todas as pessoas precisam ser respeitadas e todas precisam ter oportunidades para desenvolver seu potencial.

Algumas organizações já estão nesse caminho há mais de uma década e declaram resultados positivos no ambiente de trabalho e mesmo no desempenho do negócio. São esforços solitários, por assim dizer, já que dependem mais da vontade política das lideranças do que de esforço integrado de um grupo de companhias ou de um setor da economia.

O programa da Febraban e dos bancos

Os bancos estão empenhados como setor a promover uma inclusão racial que não só traga reflexos na representação funcional das instituições, mas gere impactos na sociedade. Por isso, a a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) iniciou há quatro anos o Programa de Valorização da Diversidade, com foco não só na inclusão de negros, como também na de mulheres e de pessoas com deficiência.

O programa fez um levantamento das práticas já adotadas pelos bancos e a cultura de cada um sobre os temas raça, gênero e deficiência. Também realizou um censo entre os bancos para aferir a participação dos negros, das mulheres e das pessoas com deficiência nos quadros funcionais das instituições. Em 2007, ano do censo, os negros representavam 19% dos 462 mil funcionários do setor.

De posse dessas informações, a diretoria da Febraban constituiu uma Comissão de Diversidade, que passou a sugerir ações e diretrizes para os bancos atuarem internamente, enfrentando os obstáculos de acordo com a cultura de cada um.

De modo geral, a Febraban sugere que estratégias consistentes de inclusão precisam englobar:
• discussões prévias com os funcionários para explicar o programa de inclusão;
• implantação gradual em áreas específicas;
• avaliação transparente dos resultados alcançados; e
• apoio técnico de entidades especializadas, se for o caso.

A Febraban, em acordo com os bancos, reserva 10% das vagas de estágio do setor para os alunos do Programa Universidade para Todos (ProUni). Também mantém um site de recrutamento que centraliza as vagas de todo o setor bancário, com filtros que permitem mapear os candidatos por raça, localização geográfica, formação, gênero, idade e eventual deficiência.

O censo bancário ainda não foi atualizado, mas dados analisados a partir desse site dão conta de que as contratações de negros aumentaram 70% entre os bancos que utilizam esse serviço, nos últimos quatro anos.

O caso do Itaú-Unibanco

Eleito o banco mais sustentável do mundo pelo jornal britânico Financial Times, o Itaú-Unibanco tem um programa voltado para afrodescendentes desde 2005, anterior, portanto, ao projeto da Febraban. É um programa de trainees feito em parceria com a Unipalmares que dura dois anos e capacita os participantes a atuar no mercado de serviços bancários e financeiros. Já foram constituídas sete turmas e contratadas 179 pessoas (60% dos participantes). Aqueles que não foram efetivados conseguiram bons empregos em outras empresas, pois o processo de treinamento e capacitação qualifica esses ex-estudantes, tornando-os profissionais atraentes para o mercado.

Estabelecer metas reais para a inclusão racial e encetar esforços para atingi-las não é um bicho de sete cabeças para nenhuma empresa. O retorno existe. Pesquisas como a Akatu-Ethos (Responsabilidade Social das Empresas – Percepção do Consumidor Brasileiro) mostram que a sociedade reconhece a companhia que abraça um problema social como sendo do “seu” negócio e adota ação para resolvê-lo.

O que não se pode mais aturar é a indiferença das lideranças em relação a males tão tristes quanto o preconceito racial e a exclusão social. Até quando os executivos vão continuar pensando que a falta de afrodescendentes nas empresas não é com eles?

* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.

** Publicado originalmente no site do Instituto Ethos.