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A Arca de Gaza se dispõe a desafiar Israel

O bloqueio israelense ameaça destruir completamente a pesca artesanal de Gaza. Foto: Emad Badwan/IPS

Gaza, Palestina, 1/4/2013 – “Uma arca é uma grande embarcação projetada para manter seguros seus passageiros e sua carga”, mas neste caso se trata de uma embarcação “que traz aos palestinos esperanças de poderem viver em paz em Gaza, sem a ameaça do bloqueio israelense”. Assim explicaram representantes da iniciativa Arca de Gaza, impulsionada por ativistas palestinos e estrangeiros, que pretendem reparar um barco com o qual romper o bloqueio que Israel exerce sobre o porto de Gaza.

A iniciativa implica “a compra de um barco deteriorado de uma família pesqueira local”, preparado para transportar artigos locais para vendê-los a compradores internacionais no Mar Mediterrâneo, explicou Michael Coleman, membro da organização Free Gaza Australia e integrante do comitê diretor da Arca de Gaza. “A restauração será feita por palestinos no porto de Gaza, e a navegação estará a cargo de uma tripulação mista com palestinos e estrangeiros”, disse David Heap, porta-voz da Arca de Gaza no Canadá e na Europa. A data de partida ainda não foi anunciada.

Apontando como exemplo um barco ancorado no porto de Gaza com um cartaz dizendo “Vende-se”, Mahfouz Kabariti, presidente da Associação de Pesca e Marinha de Gaza, se referiu à pobreza que sofrem muitos pescadores artesanais palestinos. “Por que vendê-los?”, perguntou. “Devido a anos de magra renda decorrente das restrições israelenses no mar, muitos pescadores têm dívidas que não podem pagar”, respondeu.

A Arca de Gaza pretende exportar uma quantidade simbólica de produtos elaborados por artesões palestinos. O barco levará artesanato da sociedade Aftaluna para Crianças Surdas e de outras associações de Gaza. O comitê diretor da Arca de Gaza está integrado em sua maior parte por acadêmicos, médicos e ativistas palestinos pelos direitos humanos.

A iniciativa também conta com apoio de personalidades internacionais como o arcebispo anglicano sul-africano Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, Hedy Epstein e Suzanne Weiss, ambas sobreviventes do Holocausto, vários parlamentares e ex-parlamentares canadenses e britânicos e ex-altos funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU). Desde 2008, barcos de solidariedade tentam romper o bloqueio israelense sobre o porto de Gaza.

As tentativas feitas por embarcações da organização Free Gaza em 2008 e 2009 foram seguidas pela Frota da Liberdade em 2010, abordada pela marinha israelense. Nesse violento incidente em águas internacionais morreram nove ativistas e mais de 50 ficaram feridos. O restante das mais de 600 pessoas que participavam da frota foi levado para Israel ou deportadas para seus respectivos países. Aquele “foi um ato completamente ilegal. Israel não tinha o direito de abordar o barco. Israel tem uma longa história de resistir com violência e sabotagem a ações pacíficas”, disse Coleman.

“A Arca de Gaza é a evolução do movimento de flotilhas. Já não navegamos para Gaza com ajuda”, explicou Coleman. “Agora nos focamos em navegar e levar comércio para fora, porque está muito claro que, se os palestinos puderem comercializar, sua dependência da ajuda diminuirá de maneira significante”, acrescentou.

O site da Arca de Gaza tem como slogan Comércio, não ajuda. A assistência internacional “não atende a causa das necessidades dos palestinos de Gaza: o bloqueio israelense”, diz o site. “Acreditamos que a ajuda fornece uma cobertura para as ações do governo israelense contra o povo de Gaza, aliviando a consciência das potências internacionais e deixando o bloqueio em vigência”, aponta. A iniciativa pretende “desafiar o bloqueio de Gaza de dentro”. Segundo o site, “ao adquirirem exportações palestinas de Gaza, os compradores de todo o mundo poderão levar a tão necessária atenção pública ao bloqueio, já que estarão apoiando empresários de Gaza”.

O cerco a Gaza, aplicado por Israel pouco depois que o Hamás (Movimento de Resistência Islâmica) venceu as eleições do território palestino em 2006, se tornou mais severo em 2007, quando praticamente todas as exportações locais foram proibidas e as importações drasticamente limitadas.

O Centro Al Mezan para os Direitos Humanos assegurou que “é comum a marinha israelense abrir fogo contra os pescadores, persegui-los em águas de Gaza e destruir ou confiscar seus equipamentos, incluindo redes e barcos”. E acrescentou que “esses atos constituem flagrantes violações das obrigações legais de Israel como potência ocupante segundo o direito internacional, e violam os direitos dos pescadores de viverem e trabalharem”. Os pescadores de Gaza antes eram mais de dez mil, mas, devido ao bloqueio e aos ataques, a vasta maioria optou por abandonar o ofício que herdaram de seus pais e avós.

Com o bloqueio, Israel também estabeleceu zonas proibidas no mar de Gaza, embora os Acordos de Oslo reconheçam o direito dos palestinos pescarem até 20 milhas náuticas da costa. Desde 2008, Israel estabeleceu unilateralmente um limite que varia de seis a três milhas. Mas pescadores e grupos de direitos humanos denunciam que a marinha de Israel tem assediado e disparado contra palestinos que pescam inclusive a apenas uma milha da costa de Gaza. Envolverde/IPS