Conflitos de interesse são inerentes a qualquer democracia, como entre os que defendem a energia nuclear e os que são contra; os que querem um novo Código Florestal que favoreça mais ao meio ambiente, ou mais ao agronegócio; os que defendem o uso de transgênicos, de agrotóxicos, e os que lutam pelos alimentos orgânicos; os que estão dispostos a investir em novos empreendimentos que causarão impactos ambientais, e os que querem a natureza preservada; e assim por diante.
Dependendo da situação, dos interesses em jogo, é preciso negociar um consenso em torno do que é possível e suportável para a convivência entre os diferentes lados em disputa. O poder público deveria atuar como árbitro, mas geralmente está comprometido com um dos lados, descredenciando-se pela falta de isenção.
A principal ferramenta para a negociação de conflitos ainda é o diálogo. O que não significa que seja fácil, em parte pelos interesses em jogo, em parte pela imaturidade ou despreparo, seja de conhecimento seja para o diálogo. Muitas vezes dizemos uma coisa e o outro entende outra. E copo cheio não aceita mais nada. Às vezes, enquanto um fala, o outro, em vez de escutar, está pensando no que vai dizer em seguida, um tipo de diálogo de surdos.
Além disso, por mais que percebamos a verdade, aos nos comunicar interferimos no resultado da observação, e a comunicação, além de ser apenas uma parte da verdade, será a verdade de um dos lados, que ainda pode sofrer influência da ênfase num ou noutro aspecto que favoreça alguns argumentos em detrimento de outros.
Existe o jeito fácil ou difícil de conduzir uma negociação. Pode-se iniciar a partir das semelhanças, pelos pontos de interesse em comum, ou pelas diferenças. Nem sempre o entendimento se dá pelo amor. Às vezes é pela dor. Chico Mendes promovia os empates para impedir que os tratores avançassem sobre a floresta até conseguir a criação das reservas extrativistas para os seringueiros que preservavam a floresta. Ganhou a luta, mas perdeu a vida, assassinado pelos que se viram contrariados em seus interesses. Todo conflito carrega em si os seus riscos.
Ninguém nasce sabendo como negociar e nem todos têm estômago para suportar as idas e vindas de um processo de negociação. Por isso, nem sempre uma única pessoa consegue dar conta da tarefa. Uns são melhores em acirrar o confronto, outros, em facilitar o entendimento, e, dependendo das circunstâncias, cada um pode ser útil à sua maneira, pois tem hora que é preciso demonstrar força, criar dificuldades, para abrir caminho para os facilitadores.
Demora-se um pouco até se perceber direito quais são os reais interesses em negociação, quem são de fato os aliados e os adversários, quem está colaborando para ajudar ou para atrapalhar, que estratégias e armas estão sendo usadas, o que é fato e o que é manobra para distrair, qual é o verdadeiro campo de batalha.
Às vezes, o entendimento pode se tornar muito difícil e até impossível se os lucros, o salário, o emprego, os privilégios e cargos, os interesses de negócios ou políticos, ou partidários, eleitorais e ideológicos, dependerem da pessoa não ser convencida.
Em outros casos, quando os interesses são inconfessáveis, ou se está numa posição dominante, alguns podem preferir não se expor e procurar combater das sombras, fazer valer seus interesses na base do tráfico de influência, o poder do dinheiro e da corrupção, da violência, do “nada a declarar”. Pode adotar o marketing mentiroso, ou amplificar exageradamente pequenos resultados como se fossem grandes conquistas, entre outras manobras para enfraquecer os argumentos dos adversários, para confundir a opinião pública, para ganhar tempo ou manter os adversários desunidos. Pode usar o direito de resposta para ampliar seu tempo de exposição; ou tentar desqualificar o oponente; ou lançar cortinas de fumaça que ocultem suas verdadeiras intenções e fragilidades; ou colocar um ‘bode na sala’ para desviar a atenção do que realmente interessa, passando uma idéia de que está respeitando o diálogo e o jogo democrático; ou trocar de negociadores à medida que forem se queimando, como se fossem fusíveis num sistema elétrico em curto, obrigando, às vezes, os oponentes a recomeçar do zero, quando as promessas e avanços já obtidos esvaem-se como fumaça no ar; ou esconder o lobo de interesses privados sob uma pele de cordeiro de interesses públicos. Ou radicalizar e exagerar na reivindicação, criando gorduras para cortá-las depois durante as negociações, preservando as carnes.
Não é um jogo para leigos ou ingênuos. A sinceridade, a verdade, às vezes, é o que menos importa quando há muito em jogo e o risco de perder for grande. Não é à toa que existem leis que demoram décadas para serem aprovadas, como a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, ou acordos internacionais que andam a passinhos de formiga enquanto os problemas se agigantam a passos largos de elefantes, como as questões envolvendo as mudanças climáticas.
O campo de batalha geralmente é a opinião pública, às vezes interessada e esclarecida, mas quase sempre não, e dividida em diferentes segmentos, mais ou menos interessados, dependendo de como serão afetados.
A mídia nem sempre consegue ser neutra e exerce um papel fundamental nos conflitos, pois a informação pode esclarecer ou confundir, dependendo dos interesses e compromissos com patrocinadores e leitores. Nem sempre a informação que o leitor quer e se dispõe a pagar para ter é a que ele precisa para formar opinião. Por isso, são necessárias políticas públicas que permitam corrigir as distorções do mercado, para fazer chegar à sociedade a informação que ela precisa, ainda que não esteja disposta a pagar por ela.
O diálogo permite o ajuste das percepções e a busca dos pontos convergentes e o esclarecimento sobre os divergentes. E nem sempre o consenso é possível, o que não é motivo para que não exista uma convivência respeitosa entre os adversários. Às vezes, a tensão pode durar uma vida inteira, e ainda assim a vida continua.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a Rebia – Rede Brasileira de Informação Ambiental e edita, deste janeiro de 1996, a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.