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A crise muda a corrente migratória

Madri, Espanha, 30/11/2011 – Os imigrantes, que há anos foram um fator fundamental para impulsionar o desenvolvimento econômico da Espanha, agora são os que mais sofrem e pagam pela severa crise econômico-financeira, que deixou milhares sem emprego e se manifesta, sobretudo, nos setores imobiliário e turístico.

Como uma espécie de vai e vem histórico, o território espanhol foi, em meados do Século 20, um grande emissor de emigrantes, especialmente para o resto da Europa e a América Latina, para em seguida passar a receptor de grandes contingentes de estrangeiros, a ponto de já somarem cerca de sete milhões os que chegaram entre 1996 e agora, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE). Contudo, essa tendência começou novamente e regredir com força.

Projeções do INE mostram que mais de 580 mil pessoas terão deixado o país ao término do ano, 50 mil das quais serão de nacionalidade espanhola. E assim como os imigrantes que voltam para seus respectivos países são em sua maioria operários ou empregados de menor nível, os espanhóis que emigram são universitários atraídos por bons salários e pelo interesse em conhecer e se relacionar em outras sociedades.

A Secretaria de Estado de Imigração e Migração (Seie), da Espanha, registra que os equatorianos encabeçam a viagem de volta, contabilizando até o final de 2010 a saída do país de 10,8% dos radicados na Espanha, seguidos dos argentinos com 9,8%, colombianos 7,73%, peruanos 5,5%, brasileiros 3,32% e cubanos 3,5%. Estes são números oficiais, o que implica que neles não figuram pessoas que entraram ilegalmente, em sua maior parte procedentes do mundo árabe e da Europa oriental, que tampouco se registram ao saírem de seus lugares de origem.

Também são dados oficiais que indicam que, em 2010, pela primeira vez diminuiu o número de imigrantes procedentes de fora da União Europeia (UE), já que a entrada foi 1,45% menor do que no ano anterior, totalizando pouco mais de 2,5 milhões de pessoas com autorização de residência vigente.

A Espanha registrou até o final de 2010 pouco mais de 47 milhões de habitantes, 4,9 milhões dos quais são estrangeiros, que agora aparecem como os mais afetados pelos efeitos nefastos sobre o país da crise financeira nascida em 2008 nos Estados Unidos e que contagiou a UE. O desemprego entre os imigrantes já supera os 30%, porque desde o surgimento da crise foram eliminados 2,2 milhões de postos de trabalho, dois milhões deles perdidos na construção.

Esta situação ameaça aprofundar-se. Técnicos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) calculam que o desemprego na Espanha aumentará dos atuais 20,3% da população economicamente ativa para 23% no ano que vem, ao final do qual se espera que a economia comece a melhorar.

No entanto, não será fácil isso ocorrer, afirma Ignacio Ramonet, diretor do jornal Le Mond Diplomatique, que ao passar por Madri disse que “dá a sensação de que não há na liderança da União Europeia uma geração política à altura da crise apocalíptica que vivemos”. E Ramonet acrescentou em entrevista ao Diário Público: “Quando surgiu a crise, podia ter sido solucionada com um pequeno esforço econômico, mas agora a gangrena evoluiu e não se sabe se o euro será capaz de resistir”.

Segundo o jornalista, “se os Estados Unidos e a UE pararem, ambos ameaçados pela recessão, a China fabricará menos, deixará de exportar e de comprar minerais do Peru e do Chile e produtos agrícolas do Brasil e da Argentina, e com isso também a América Latina deixará de crescer. Assim, Ramonet previu que “em 2013 e 2014 poderemos nos encontrar em uma recessão internacional”.

Nesse contexto de incerteza no mundo, a vice-reitora de pós-graduação da Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, Lina Gálvez Muñoz, mostrou preocupação com o futuro dos trabalhadores espanhóis e imigrantes neste país. “A situação deles vai piorar, com o aumento da precariedade no mercado de trabalho” porque o governo de centro-direita do Partido Popular (PP), que assumirá no dia 21, previsivelmente, vai flexibilizar ainda mais as relações trabalhistas, “enfraquecendo a negociação coletiva”, disse Gálvez à IPS.

“Pode piorar, sobretudo, a situação do trabalho feminino, porque os planos de austeridade atacam principalmente o setor estatal, o melhor empregador de mulheres”, afirmou a vice-reitora. Também “a diminuição do gasto público social diminuirá as oportunidades delas, que são as que fazem majoritariamente o trabalho doméstico e de cuidados não pagos, na falta de corresponsabilidade dos homens”, acrescentou. Com isso serão muito limitadas as oportunidades para que as mulheres desenvolvam sua carreira profissional e consigam autonomia financeira e liberdade para dirigir sua vida.

Gálvez disse que, segundo se prevê o que fará o futuro governo do PP, presidido por Mariano Rajoy, haverá “um autêntico atentado social, com uma mudança de tendência no modelo de Estado que a Espanha adotou desde a transição”, após a queda da longa ditadura de Francisco Franco (1939-1975). Por tudo isso, concluiu, a sociedade civil deve participar no público e na política para avançar rumo a uma sociedade mais justa e equilibrada, “não necessariamente militando em um partido político, mas procurando não se desentender do político”.

A reitora afirmou que “a atual lei eleitoral deixa sem voz muitas pessoas. Se a sociedade se preocupar mais com o político, nossos governantes estarão governando para o bem-estar da maioria da população e não para os interesses da oligarquia que representa os interesses das grandes empresas e das finanças”, disse Gálvez, após considerar que falta um “poder cidadão e democracia real”. Envolverde/IPS