A nova realidade é adversa ao armamento nuclear

Jonathan Frerichs.

Genebra, janeiro/2012 – Uma nova e urgente realidade sobre os enormes riscos que implicam as armas nucleares está emergindo ao redor do mundo. Nesta realidade se substitui a fissão nuclear pelos fatos nucleares, já que 2012 começou com ruído de sabres no Oriente Médio e terminará com novas lideranças em cinco Estados com armas nucleares.

A versão mais curta desta situação provém da nova Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (Ican): Pergunte a qualquer um: você pode imaginar um mundo sem armas nucleares?. E a resposta será: posso”.

Uma versão mais longa surgiu em um seminário realizado no final de 2011 na Escócia com a participação de personalidades religiosas e diz assim:

Vivemos sob um “guarda-chuva” nuclear que é antiquado, difícil de lidar, imensamente caro, que também não funciona. Atualmente, as pessoas se sentem parte de uma comunidade global e querem que a vida seja protegida em lugar de ser colocada em risco. As armas nucleares são inaceitáveis e devem ser eliminadas. É tempo de nos envolvermos nisso. Cada pessoa pode fazer a sua parte. Todos unidos podem fazer a grande diferença.

A nova situação está fazendo com que as armas nucleares sejam mais vulneráveis. Há um novo nível de pressão política e social nos círculos dirigentes. Agora, 130 governos votam a favor de um Convênio sobre Armas Nucleares nas Nações Unidas e cinco mil prefeitos e milhares de parlamentares e cidadãos de destaque uniram-se a iniciativas abolicionistas. Os desafios são de vários tipos: geográficos (zonas livres de armas nucleares), legais (leis humanitárias) e financeiros (déficit nacionais, dívidas soberanas e desinvestimento).

Líderes governamentais e militares desacreditam as estratégias nucleares; a ciência as condena como prejudiciais ambientalmente; médicos, cientistas e advogados deslegitimam as armas nucleares; filmes, sites na internet e livros geram um debate público; e as religiões mundiais as condenam tanto moral quanto ética e espiritualmente. O desastre de Fukushima nos recorda que, mesmo em sua versão pacífica, a energia nuclear é letal.

É preocupante ver que os 5% dos governos que possuem armas nucleares se oponham ao bem comum da humanidade e rejeitem o cumprimento de sua obrigação de se desarmar. Faz pensar que os 95% dos governos que não possuem armas nucleares não conseguem impor o desejo da maioria dos habitantes do planeta de eliminar esse armamento.

A nova e a velha realidade nuclear oferecem diferentes cenários em 2012. A seguir, três exemplos.

– No Nordeste da Ásia, o guarda-chuva da dissuasão nuclear está fora de moda. Se converteu no banco de testes de como fracassa o instável statu quo do Tratado de Não Proliferação Nuclear (NPT). Este ano, a cúpula de Segurança Nuclear será em Seul, mas o conceito de “segurança nuclear” no Nordeste da Ásia está em clara contradição com a situação real. A nova realidade nuclear poderia considerar no plano regional o que o coreano secretário-geral da ONU chama de “a infecciosa doutrina da dissuasão”. A infecção precisa de tratamento, por exemplo, um compromisso para enfrentar a desnuclearização da península coreana.

– O Oriente Médio é outra região onde o guarda-chuva nuclear não funciona e é tão madura a proliferação que o futuro do NPT está vinculado à criação ali de uma zona livre de armas nucleares. Uma conferência da ONU com tal objetivo foi anunciada para este ano, após atraso de 17 anos. No entanto, a velha realidade nuclear paira sobre a conferência. A retórica irresponsável está de novo impulsionando o míope ponto de vista de que a aplicação de normas duplas é a solução para o Oriente Médio e não o problema. Enquanto Israel não é membro do NPT, seus vizinhos são e se pretende que aceitem considerar Israel como se fosse um Estado com armamento nuclear integrante do NPT. Esta é uma receita para a proliferação em outros países dentro e fora da região. A nova realidade nuclear deve se referir ao bem-estar de todos os Estados da região, incluindo Israel, o que implica uma zona livre de todas as armas de destruição em massa, incluindo as nucleares.

– A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) é uma aliança cuja potência nuclear é inútil e um desperdício de dinheiro. As mais de 200 armas nucleares táticas da Otan são um emblema do que ainda contêm os arsenais dos velhos gigantes da Guerra Fria. Suprimir esses mortais vestígios reduziria o número de países possuidores de armas nucleares de 14 para nove e também eliminaria um obstáculo para os novos acordos de segurança entre Otan e Rússia, que em 2010 acordaram “contribuir para a criação de um espaço comum de paz, segurança e estabilidade na área euro-atlântica”. A pergunta é se a cúpula da Otan deste ano em Chicago seguirá a nova realidade ou a velha.

No novo cenário, enquanto os arqueólogos nucleares se aferram ao passado, os arquitetos da segurança humana propõem o futuro. O Nordeste da Ásia, o Oriente Médio e a Otan são sítios críticos. A tarefa é enorme e faltam muitas mãos, mas o precedente de progressos no tema já existe. Cada novo ano pode agora progredir para um futuro mais seguro para a humanidade. Envolverde/IPS

* Jonathan Frerichs dirige o Programa sobre Pacificação e Desarmamento do Conselho Mundial de Igrejas.