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“A percepção de insegurança cresce com a prosperidade do povo”

Marta Lagos: “Na medida em que se soluciona a pobreza e os países consolidam a democracia, a população dá maior importância à violência e à criminalidade”. Foto: Gentileza do Latinobarômetro.
Marta Lagos: “Na medida em que se soluciona a pobreza e os países consolidam a democracia, a população dá maior importância à violência e à criminalidade”. Foto: Gentileza do Latinobarômetro.

Santiago, Chile, 28/6/2013 – Apesar de “o narcotráfico ser uma ameaça que pesa sobre a América Latina, as elites evitam o tema porque não sabem como abordá-lo”, afirmou em entrevista à IPS a socióloga chilena Marta Lagos. A insegurança e a sensação de que aumenta estão associadas à prosperidade e não à pobreza, apontou. O informe divulgado no ano passado pela corporação Latinobarômetro, que ela dirige, indica que a segurança da sociedade em 11 dos 18 países analisados é o principal problema mencionado pelos entrevistados, com porcentagens que vão de 20%, no Peru, a 61%, na Venezuela, o que deixa uma média regional de 28%.

Esta empresa de consultoria internacional elabora e divulga estudos de opinião pública, que distribui anualmente em 18 países da região. O próximo informe sobre esta matéria está previsto para ser publicado entre agosto e setembro. Marta Lagos disse que a recuperação da democracia na década de 1980 e começo dos anos 1990 em muitos países latino-americanos trouxe consigo uma abertura de informação que, progressivamente, foi conscientizando a população sobre a importância da violência de rua, o crime e a delinquência.

IPS: Qual a evolução da segurança pública na América Latina nos últimos anos?

MARTA LAGOS: Há duas coisas a considerar: uma é a quantidade de delitos registrados de maneira recorrente nas sociedades, e a outra é o conhecimento público da existência deles. As duas coisas não têm a mesma evolução, segundo demonstra o informe de 2012. Há países onde por muitos anos a pobreza, a repressão estatal, o autoritarismo, a ditadura, deixavam explícita a existência de outros problemas que eram mais importantes do que o crime e a delinquência. Então, estes não apareciam como os temas principais de preocupação da sociedade. Na medida em que se vai solucionando o problema da pobreza e que os países voltam à democracia e vão tendo mais informação sobre o que ocorre, independente de os níveis de crimes não variarem muito, cresce progressivamente a importância da violência na rua e a criminalidade comum. A partir de 2009-2010, o peso do tamanho dos crimes, a vitimização, a violência e a delinquência começam a se equiparar com o peso que tem a opinião pública, pela primeira vez. Isso faz com que a percepção de delinquência na América Latina dispare a níveis muito altos em média, inclusive em países onde, aparentemente, os níveis desse problema são menores, como Chile e Uruguai.

IPS: Isso explicaria que países como Argentina e Uruguai apareçam com os mais altos indicadores de sensação de insegurança e, como contraste, apresentem índices de criminalidade menores do que outros países.

ML: Exato, é que o índice de quantidade e crime não é tão relevante com a congruência entre os dois e ao longo do tempo para cada país. Por exemplo, durante muitos anos na Venezuela e no México a percepção de crimes e de violência estava em 1% ou 2%, enquanto os crimes chegavam a 30% ou 40%. Atualmente, o crime e a violência nesses dois países estão no mesmo nível que a percepção do crime. Há um segundo fenômeno que é o aumento da criminalidade e do crime. É o caso de Honduras, Venezuela e Argentina, que duplicam o impacto da presença do crime e da segurança pública como o tema principal da América Latina.

IPS: Existe relação entre a insegurança e os níveis de pobreza?

ML: Em princípio, nenhuma, porque os países latino-americanos são historicamente muito pobres. A percepção de insegurança tem a ver mais com a prosperidade, se produz sobre a propriedade. A ciência política descreve isso claramente: as revoluções não acontecem em momentos de depressão ou de grandes dificuldades econômicas, porque ninguém tem nada. Os alertas e as preocupações e problemáticas se produzem quando se começa a acumular posses. O chamado quinquênio virtuoso, entre 2003 e 2008, quando se dá o grande crescimento econômico, a estabilidade que vem aumentando na América Latina, a maneira como se enfrentou a crise, faz com que de alguma maneira em muitos países aumente a delinquência porque há algo para roubar.

IPS: E entre segurança e educação, há alguma relação?

ML: Há uma relação, mas é cada dia mais fraca porque, infelizmente, nos últimos cinco ou seis anos, foi o crime organizado que tomou as ruas. Antigamente, quando os crimes eram esporádicos, havia uma relação mais importante.

IPS: Os países sabem enfrentar o crime organizado e o narcotráfico?

ML: Creio que não se dá suficiente importância à influência do narcotráfico na instalação organizada do crime e da delinquência. Me parece que aí existe uma correlação oculta que de alguma forma se ignora nos governos como o do Peru, onde o que se chama de delinquência é, no fundo, narcotráfico.

IPS: Os planos dos órgãos internacionais para ajudar os governos a combater o problema têm resultado?

ML: Difícil falar dos órgãos internacionais, mas o que se pode saber com certeza é que o investimento de dinheiro que faz a Administração de Controle de Drogas (DEA) dos Estados Unidos aumentou exponencialmente quase na mesma velocidade que aumentou a penetração do narcotráfico. Nesse sentido, alguém poderia dizer que há um fracasso total nas estratégias de combate ao narcotráfico. Além disso, não existe uma política preventiva. Isto é como a evasão fiscal. Alguém poderia dizer que a União Europeia conseguiu evitá-la, mas esta acontece nas Ilhas Virgens. Com o narcotráfico acontece o mesmo, por mais que os organismos norte-americanos continuem investindo milhões e mais milhões de dólares, não conseguem vencer a luta contra o narcotráfico. Para mim esta é uma ameaça que pesa sobre a América Latina e que não está suficientemente presente na agenda e que penetrou em todos os países, nas classes médias, na juventude, e é um tema que as elites evitam. Envolverde/IPS