Arquivo

Aborto seguro e legal também é essencial para o desenvolvimento

http://www.ipsnoticias.net/2014/03/aborto-seguro-y-legal-tambien-es-clave-para-el-desarrollo/
http://www.ipsnoticias.net/2014/03/aborto-seguro-y-legal-tambien-es-clave-para-el-desarrollo/

 

Washington, Estados Unidos, 28/3/2014 – Legisladores e líderes da sociedade civil de aproximadamente 30 países lançaram a Declaração de Airlie, que pede o acesso universal a abortos seguros e legais. Divulgado no dia 26, em Washington, o texto surge no contexto de uma avaliação realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao se completarem 20 anos da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994 no Cairo.

Essa histórica conferência exigiu o acesso a abortos seguros em países onde o procedimento era legal, enquanto a declaração desta semana pede a despenalização da interrupção voluntária da gravidez em todos os países. A Declaração de Airlie também se antecipa à nova agenda de desenvolvimento internacional que será adotada a partir de 2015. Seus promotores querem incluir o direito ao aborto na próxima série de metas mundiais que entrarão em vigor quando expirarem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).

“A verdadeira igualdade de gênero não pode ser obtida sem acesso ao aborto seguro e legal. Nas últimas duas décadas, cerca de um milhão de mulheres e meninas morreram e mais de cem milhões sofreram sequelas – muitas delas por toda a vida – devido a complicações de abortos inseguros”, diz a Declaração. O quinto ODM chama para a redução de três quartos na mortalidade materna e acesso universal à saúde reprodutiva. Mas não inclui os abortos seguros em sua definição.

Agora, os ativistas planejam apresentar formalmente essas recomendações em uma cúpula pelo vigésimo aniversário da conferência do Cairo. O encontro acontecerá em abril em Adis Abeba.

No processo de elaboração de novos objetivos de desenvolvimento, “a única meta que não consideraram foi a da saúde sexual e reprodutiva para todos”, ressaltou à IPS Nafis Sadik, assessora especial do diretor-executivo da Onusida e ex-diretora-executiva do Fundo de População das Nações Unidas. A nova declaração não só aponta para incidir na próxima agenda de desenvolvimento internacional mas também influir nos políticos norte-americanos.

As leis vigentes nos Estados Unidos há quatro décadas impedem que programas de ajuda exterior financiem campanhas relacionadas com o aborto. Críticos afirmam que o resultado é uma desconexão entre o trabalho feito pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e os serviços de saúde feminina oferecidos.

“Com relação ao problema da política norte-americana, não se trata apenas de apoio financeiro, mas também de liderança moral”, pontuou Sadik. “Os Estados Unidos restringirem as áreas de apoio ou de financiamento de qualquer organização não governamental que facilite abortos representa uma grande diferença”, acrescentou.

A Declaração de Airlie foi elaborada após uma conferência de dois dias próximo a Washington. Foi redigida por representantes de aproximadamente 30 países, entre eles ministros da Saúde, parlamentares e líderes médicos, além de delegados da ONU e da sociedade civil. “Nosso objetivo é transmitir esta mensagem e criar uma coalizão mais ampla”, declarou à IPS a ativista Elizabeth Maguire, presidente da Ipas, organização não governamental internacional contra enfermidades e incapacidades causadas por abortos inseguros. “Cada participante está comprometido em atuar”, acrescentou Maguire, que liderou a última conferência na qualidade de responsável por sua convocação.

Um dos participantes foi John Paul Bagala, presidente da Federação de Associações Africanas de Estudantes de Medicina. Ele trabalha em um hospital no norte de Uganda que tratou 480 mulheres por casos de abortos inseguros entre 2011 e 2012, e outras 500 entre 2012 e 2013. Segundo ele, proporcionar acesso a abortos seguros também é economicamente rentável. Tratar os ferimentos causados por um aborto ilegal em Uganda pode custar mais de US$ 100, enquanto o custo de um aborto seguro pode ser inferior a US$ 10, afirmou.

“Como estudantes de medicina na África, lutamos para divulgar a declaração em nossas respectivas instituições”, afirmou Bagala à IPS. E também para “erradicar o estigma de nossos trabalhadores da saúde quando ainda estão no sistema de formação, para garantir que as mulheres, quando buscam serviços, recebam o melhor que precisam em termos de segurança e qualidade. Nos dedicamos a integrar os aspectos desta declaração sobre direitos à saúde reprodutiva no programa de capacitação dos trabalhadores da saúde na África”, destacou.

Do mesmo modo, Maguire ressaltou que garantir acesso universal aos serviços de saúde reprodutiva não só é crucial, como também possível. No caso do Nepal, por exemplo, a despenalização do aborto melhorou a saúde feminina. “O Nepal é um dos poucos países que cumpriram o quinto ODM, e o que os especialistas dizem é que melhorou o acesso ao planejamento familiar, à atenção obstétrica de emergência e cuidados de emergência em casos de aborto”, detalhou à IPS a parlamentar nepalesa Arzu Rana Deuba.

Deuba recordou a história de uma jovem de seu país que esteve na prisão por 12 anos após ter sido violada e tentado, sem êxito, fazer um aborto ilegal. Sua história chamou a atenção internacional, e o Nepal acabou despenalizando o aborto em 2002. “É uma história de esperança”, enfatizou a parlamentar. “Depois de 2004, tivemos 1.500 provedores de saúde qualificados e 75 hospitais oferecendo serviços de abortos médicos. A partir de 2014, 500 mil mulheres têm acesso a aborto seguro, e isso é bastante para nós, que não somos um país grande.”, acrescentou.

Segundo Deuba, o êxito do Nepal não se deve apenas ao fato de haver mais serviços médicos, mas também houve uma mudança de atitude cultural em relação ao aborto. “O que sabemos agora é que a lei muda as atitudes sociais”, ressaltou.“Trabalho em nível comunitário, e os trabalhadores me dizem que já não há mais estigma, que o aborto é visto como parte dos direitos femininos, que as mulheres falam mais sobre o aborto. É visto como parte da atenção contínua. Agora as mulheres não têm motivo para morrer de aborto inseguro, e há uma sensação de confiança e segurança entre elas”, ressaltou. Envolverde/IPS