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África do Sul busca um imposto indolor para o carbono

Casas do município Khayelitsha, na periferia da Cidade do Cabo, beneficiadas com tetos isolantes, aquecedor solar de água e lâmpadas de baixo consumo. Foto: Brendon Bosworth/IPS
Casas do município Khayelitsha, na periferia da Cidade do Cabo, beneficiadas com tetos isolantes, aquecedor solar de água e lâmpadas de baixo consumo. Foto: Brendon Bosworth/IPS

 

Cidade do Cabo, África do Sul, 2/6/2014 – A África do Sul tenta frear suas emissões de gases-estufa e para isso quer aplicar um imposto ao dióxido de carbono (CO2) que os grandes contaminadores lançam na atmosfera. A transição para uma economia baixa em carbono será mais fácil para a África do Sul (que está em 12º lugar em volumes de CO2) se as empresas que contaminam pagarem pela quantidade de gás que emitem.

“Temos uma das economias com maior conteúdo de carbono no mundo”, disse à IPS o pesquisador em economia verde Anton Cartwright, do Centro Africano para as Cidades, da Universidade da Cidade do Cabo. As centrais termoelétricas a carvão proporcionam cerca de 90% da eletricidade da África do Sul, o que deixa a economia extremamente dependente da emissão de CO2. “Não tiramos muito proveito de nosso carvão. Utilizamos um carvão de baixa qualidade com alto conteúdo de CO2”, destacou.

Estava previsto que o imposto entraria em vigor em 2015, mas em fevereiro o Ministério da Economia anunciou seu adiamento para janeiro de 2016, alegando que precisa fazer “mais consultas”. Inicialmente, o imposto obrigaria os grandes contaminadores – mineração, combustíveis fósseis e aço – a pagar US$ 11,5 por tonelada equivalente de CO2, mas gravando somente entre 20% e 40% do total de suas emissões.

Para amortizar o efeito na indústria, o Ministério propôs que se permita aos contaminadores reduzir sua carga tributária mediante investimento em projetos para compensar o dióxido de carbono emitido mediante a absorção do CO2 presente na atmosfera. “A combinação do imposto com a compensação é muito delicada. Primeiro se estimou o mercado e depois lhe são dadas flexibilidades”, criticou Cartwright.

A compensação do carbono é uma forma de reduzir, evitar ou capturar gases. Os contaminadores compram certificados, cada um equivalente a uma tonelada de CO2, de projetos verificados, como reflorestamento ou iniciativas de eficiência energética nas moradias, e a preços menores do que o imposto. O mercado das compensações de carbono está parado atualmente na África do Sul.

“No momento não há operações”, explicou Robbie Louw, diretor da Promethium Carbon, empresa de consultoria em carbono e mudança climática. “O preço internacional dos certificados é muito baixo atualmente”, apontou à IPS. Na Europa, os créditos de carbono são negociados a menos de US$ 0,50, acrescentou.

Se não se gravar o carbono, os grandes emissores sul-africanos não terão obrigação de reduzir sua contaminação nem de aplicar políticas de compensação, pontuou Carl Wesselink, diretor da SouthSouthNorth, uma organização sem fins lucrativos da Cidade do Cabo, dedicada à mudança climática e ao desenvolvimento. O imposto sobre carbono deveria mudar essa situação.

O imposto em questão e a legislação de compensação farão crescer a demanda e o preço dos certificados de carbono, assegurou Roland Hunter, da C4 EcoSolutions, uma firma que assessora o governo sobre um projeto para reflorestar partes degradadas da província do Cabo Oriental com spekboom, uma árvore do tipo suculenta com grande capacidade de absorver CO2.

A iniciativa principal de compensação de carbono na África do Sul, o Projeto-Piloto Kuyasa, registrado como um mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) no Protocolo de Kyoto, se mostra muito lenta na emissão de certificados. Esse programa premiado equipou 2.300 casas de baixo custo em Khayelitsha, município semi-informal na periferia da Cidade do Cabo, com aquecedores solares de água, tetos isolantes e lâmpadas de baixo consumo.

Essas medidas de eficiência energética evitam a emissão de sete mil toneladas de CO2 por ano. Mas, apesar de registrado como MDL em 2005 e ter se completado em 2010, o projeto ainda não expediu nenhum crédito de carbono. Esse problema se deve à burocracia dos governos locais e nacional para implantar o burocrático processo de verificação do MDL, ressaltou Wesselink, cuja organização desenvolveu o projeto e, como sócia da Cidade do Cabo, responde pela venda dos créditos.

Calcula-se que este ano serão expedidos cerca de dez mil créditos de Redução de Emissões Certificadas (CER), disse Wesselink. O dinheiro resultante será destinado aos gastos com manutenção, que são assumidos atualmente pela SouthSouthNorth com fundos de doadores.

Os fundos são necessários porque os 1.500 aquecedores solares, fabricados por uma empresa chinesa, são propensos à oxidação e a vazamento e têm vida útil curta, disse à IPS o gerente do projeto MDL de Kuyasa, Zuko Ndamane. “Em um dia podem chegar até dez pessoas para comunicar vazamento de água. Se não estou no escritório, vão à minha casa”, afirmou.

Com a venda de crédito, o projeto investirá na troca dos aquecedores oxidados por unidades com vida útil de 20 anos e fabricadas por uma empresa sul-africana, acrescentou Ndamane.

O Kuyasa não tem fins lucrativos. São necessárias décadas para recuperar o custo do projeto, de US$ 3,5 milhões, exclusivamente vendendo créditos de carbono. “A instalação de aquecedores solares e isolamento nas casas é algo que o governo, ou alguém mais, deveria financiar. É uma coisa boa”, opinou Wesselink. Os benefícios que deixa para a saúde pública e o desenvolvimento social fazem com que o desembolso valha a pena. Mas esse tipo de projeto deve ser feito em grande escala para terem sentido financeiro, ressaltou.

O imposto sobre carbono e as opções de compensação associadas a ele deveriam impulsionar a cotação de projetos limpos na África do Sul. Mas o imposto preocupa a indústria, especialmente a Eskom, empresa elétrica do Estado, que não poderia absorver o aumento de custos que implica o imposto de carbono, explicou à IPS Gina Downes, representante da companhia.

Além disso, a empresa discute com o Ministério da Economia uma forma de recuperar os custos da implantação do Plano Integral de Recursos do Departamento de Energia, que prevê reduzir a proporção de carbono na geração elétrica em 90% com relação ao que havia em 2010 e em 65% em 2030, explicou Downes. “Creio que pode haver mudanças substanciais” no desenho do imposto, “sobretudo em relação às emissões da Eskom”, disse Louw. “É o setor que tem maior impacto na economia”, acrescentou. Envolverde/IPS