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Alemanha marca o caminho verde

Berlim, Alemanha, 28/7/2011 – A decisão era esperada, mesmo assim sacudiu a indústria nuclear. No dia 29 de maio, cerca de dois meses e meio após o desastre na central japonesa de Fukushima-Daiichi, a Alemanha anunciava que abandonava a energia atômica. Embora até agora este país tenha dependido da produção nuclear para cobrir cerca de 27% de suas necessidades elétricas, dentro de 11 anos terá posto fim a todo uso de centrais atômicas.

Dos 17 reatores existentes, foram canceladas as operações em oito deles, incluindo os sete mais antigos, imediatamente após a catástrofe no Japão. Na época, a chefe de governo, Angela Merkel – enfrentando a oposição das corporações de energia alemãs – anunciou que todas as demais usinas também seriam fechadas no máximo até 2022.

Isto significou uma drástica mudança na política alemã, já que o governo direitista de Merkel anteriormente previra aumentar sua dependência da energia nuclear. Críticos da chanceler a acusam de ter cedido à pressão popular. E não há dúvidas de que a mudança é resultado da mobilização popular contra as oportunistas políticas de energia do governo.

As eleições regionais, realizadas em maio, foram acompanhadas por manifestações maciças em várias cidades contra a energia nuclear. Nessas eleições, o Partido Verde, contrário às usinas atômicas, surgiu como principal vencedor. A saída da Alemanha da era atômica não é um passo isolado. Representa uma tendência que, se não inclui toda a Europa, o é em grande parte. Pelo menos dois governos da Europa ocidental tomaram decisões semelhantes sob a pressão da opinião pública.

A Suíça, que havia planejado a construção de novas centrais, agora abandonou oficialmente essa iniciativa, enquanto na Itália, governada pelo direitista Silvio Berlusconi, ressurgiram com mais força os sentimentos antinucleares. Em 2008, Berlusconi anunciava planos para construir quatro novas centrais atômicas, pondo fim, assim, à suspensão de todos os programas nucleares adotada depois da catástrofe de Chernobil, na Ucrânia, de 1986, que comoveu o mundo.

No entanto, em maio passado, o governo italiano voltou a congelar as iniciativas para construir as centrais e agora não está em posição de reiniciar os programas. Em um referendo de 15 de junho, uma esmagadora maioria de 94% a 96% expressou sua rejeição à instalação de novos reatores. A participação no referendo, de 57%, não parece alta, mas o resultado foi considerado um forte golpe contra o governo de Berlusconi.

A decisão de Merkel foi o resultado de um longo processo iniciado no começo da década de 1990. Há 20 anos, uma parte da elite política e empresarial da Alemanha já visualizara a necessidade de uma transição da energia nuclear e dos combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, para fontes alternativas, como as energias hidrelétrica, eólica e solar.

Em 1991, o governo alemão aprovou uma lei que obrigou as empresas fornecedoras de energia a adotarem as fontes eólicas e solar junto com os combustíveis fósseis. A lei também estabelece o preço que deve ser pago aos fornecedores de energia alternativa. O sistema foi aperfeiçoado em 2000, quando da adoção de um segundo texto oferecendo aos fornecedores de energias alternativas uma garantia de 20 anos. Alguns críticos dizem que o regime tem várias lacunas importantes, e não é o setor corporativo, mas os lares alemães, que sofrem a carga das proteções ao setor alternativo.

Entretanto, não há dúvidas de que o contexto legal facilitou uma significativa transição. As fontes de energia renováveis forneciam não mais do que 3,1% da eletricidade da Alemanha em 1990, mas no ano passado chegaram a 17%. Além disso, este país é responsável por 25% de toda eletricidade gerada no mundo com moinhos.

Os defensores da energia nuclear na Alemanha lançaram uma vigorosa contraofensiva: questionam as repercussões da decisão de Merkel nos esforços internacionais contra a mudança climática. O governo criou uma comissão ética, e o resultado de seu trabalho não apoia essas acusações. Em linha com as recomendações dessa comissão, o governo alemão continua comprometido tanto com a redução das emissões de dióxido de carbono (40% abaixo dos níveis de 1990, até 2020) como para uma rápida expansão na geração de energia eólica.

No curto prazo, a Alemanha prevê construir novas centrais de energia à base de gás e do contaminante carvão. Isto parece, no mínimo, contraditório. Mas acontece que todo o debate na Europa sobre os futuros fornecimentos de energia ainda está reduzido à suposição de que o crescimento exponencial na produção de energia continuará para sempre.

 

Este é justamente o ponto que deve ser urgentemente questionado, pois só é possível evitar tanto uma catástrofe climática quanto uma nuclear, ou uma combinada, se forem adotadas severas restrições ao uso da energia por parte dos consumidores ocidentais. No entanto, a decisão da Alemanha de abandonar a indústria atômica é saudável do ponto de vista ambiental.

A criação do setor nuclear durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com o Projeto Manhattan do governo norte-americano, teve um duplo impacto negativo. Por um lado, a humanidade entrou na era das armas atômicas. Por outro, o começo da produção nuclear (primeiro com fins militares e depois civis) também marcou ou coincidiu com o começo da crise ecológica global. Esta crise ainda se agrava e foge ao controle humano. É neste contexto que a decisão de Merkel, de atender as demandas da população, parece indicar o início de uma nova tendência.

 

No entanto, é verdade: a Alemanha não está neste momento construindo uma economia “verde”. Estamos longe disso. E também é verdade que o sistema deste país para promover a energia alternativa não é mais do que um elemento keynesiano em uma política claramente neoliberal. Também é certo que a polêmica sobre a energia agora passa por outros eixos. Por exemplo, se a produção com moinhos e painéis solares deve ficar nas mãos das corporações ou ser descentralizada.

Entretanto, as decisões dos governos da Europa ocidental de rechaçar a ideia de um renascimento nuclear têm impacto além da própria produção. Pelo menos uma parte da humanidade decidiu conscientemente rejeitar uma tecnologia que é claramente destrutiva e que prejudica severamente a vida na Terra. Isto mostra que um futuro ecológico para o mundo é possível. Envolverde/IPS

* Peter Custers é especialista em dejetos nucleares.