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Ameaça infundada no horizonte da mineração do Chile

Em El Teniente, a maior mina subterrânea do mundo, propriedade da Corporação Nacional do Cobre do Chile, a queixa é contra o custo da energia. Foto: Marianela Jarroud/IPS

Santiago, Chile, 28/3/2013 – O governo do Chile alertou para uma potencial fuga de investimentos na área da mineração e energia para o Peru, por decisões judiciais que paralisaram projetos de envergadura no norte do país. Porém, o medo é infundado, ao menos no curto prazo. Peru e Chile figuram entre os dez primeiros destinos mundiais do investimento em exploração de metais não ferrosos, segundo o Metal Economics Group, que recopila informação sobre a indústria. Em seu relatório 2013 coloca o Chile em quinto lugar e o Peru em sexto, enquanto a América Latina encabeça o ranking das regiões, absorvendo 25% desses capitais.

O Chile é o principal produtor mundial de cobre e o país que concentra as maiores reservas a futuro deste metal. Os investimentos em mineração se concentram sobretudo no norte, limítrofe com Peru, Bolívia e Argentina, onde, se estima, consomem 80% da eletricidade da região. Em um cenário de crescente necessidade energética, o empresariado manifesta preocupação por várias decisões judiciais e administrativas contrárias a projetos para elevar essa capacidade.

Um dos casos mais lembrados é o de Castilla, projeto da empresa MPX, do brasileiro Eike Batista, que se perfilava como a central de geração térmica maior da América do Sul. Castilla foi paralisada pelo Supremo Tribunal de Justiça do Chile em setembro, após recurso apresentado pela comunidade de Totoral, a mais próxima do lugar onde seria construída a termoelétrica, na região de Atacama, 810 quilômetros ao norte de Santiago.

A rejeição a Castilla foi a gota d’água em um copo cheio de dificuldades para manter os investimentos chilenos de Eike Batista, cujo império sofre uma crise provocada pela capitalização de suas companhias baseada em projetos potenciais, não consolidados. Seis meses depois dessa resolução, a MMX, também de Batista, anunciou que abandonava um projeto de exploração de ferro que estava em fase de cartografia geológica.

A companhia argumentou que os problemas de abastecimento de energia aumentaram os custos de investimento e assim o projeto ficou “menos atraente”. Foi, então, que o ministro da Economia, Pablo Longueira, assegurou que a “dolorosa” decisão da MMX deveria levar os chilenos a se conscientizarem de que “o Peru é um lugar que crescentemente está se tornando muito atraente para o desenvolvimento da mineração”.

Para o diretor do Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais (Olca), Lucio Cuenca, as declarações do ministro são uma “chantagem fictícia”, já que o Chile, “por suas condições institucionais e de política mineral e ambiental, continua sendo o principal lugar de atração de investimentos na mineração em nível internacional”. Cuenca acrescentou que “dos US$ 320 bilhões projetados em investimentos na América Latina até o ano 2020 (segundo estimativas da indústria), um terço está previsto para o Chile.

Contudo, se a evidente demora nos investimentos do setor elétrico se consolidar, o Chile “poderá chegar a ter uma oferta energética bastante pobre, cara e, portanto, não será de estranhar que investimentos passem a ser feitos do outro lado”, disse o economista Jorge Rodríguez Grossi, ministro de Energia do governo de Ricardo Lagos (2000-2006). Mas no Peru a oposição dos povos indígenas a diversos projetos gera um clima “pouco favorável”, acrescentou.

A ex-diretora geral da Mineração do Peru e atual consultora em mineração, Marita Chappuis, não acredita que a exploração chilena emigre, “porque os problemas são fundamentalmente técnicos e podem ser solucionados, enquanto no Peru os problemas são antes de tudo sociais”. Nesse campo o “Peru não é uma ameaça para ninguém”, afirmou à IPS.

Embora não haja decisões judiciais que tenham congelado investimentos mineradores peruanos, os protestos sociais o conseguiram. Chappuis recordou o projeto aurífero Conga, que a companhia Yanacocha pretendia desenvolver em Cajamarca. “Conseguiu-se paralisar um projeto de US$ 4,8 bilhões com todas as autorizações para construção. Isso nunca ocorrera”, disse a especialista.

O advogado Javier Aroca, que trabalhou por mais de uma década como coordenador do Programa de Indústrias Extrativistas da organização não governamental Oxfam para a América do Sul, acredita que o Peru está preparado para receber mais investimentos estrangeiros, pois o governo os promove. Mas seu maior obstáculo está “nos movimentos de resistência frente a novos projetos mineradores e de hidrocarbonos nas áreas onde não há tradição de exploração extrativista”, afirmou à IPS.

“As pessoas não concordam com estas explorações por terem medo de perder seus meios de subsistência”, disse Aroca. O Peru tem mais exigências sociais do que ambientais. Por isso, quanto ao marco regulatório, “os investimentos em extrativismos no Chile têm um campo mais propício, que considerado sem propósito”, afirmou.

Para o pesquisador José de Echave, que foi vice-ministro de Gestão Ambiental e integrante da organização peruana CooperAcción, os dois países continuam atraentes para os investimentos. Se uma empresa tem más práticas no Chile, “as autoridades no Peru não verão necessariamente estes antecedentes”, que poderiam revelar que tipo de relação manterá com a população, disse à IPS.

Em definitivo, segundo o chileno Cuenca, o problema fundamental que enfrenta esta indústria nos dois lados da fronteira é a resistência comunitária e social. “As comunidades camponesas, indígenas e outras estão colocando em xeque a estratégia de investimento estrangeiro em um setor de extração de recursos naturais não renováveis”, afirmou.

Se deveria analisar o motivo de os projetos de investimento acabarem nos tribunais, disse Rodríguez Grossi, decano da Faculdade de Economia da Universidade Alberto Hurtado. No caso chileno, deve-se reformar o ordenamento territorial, de maneira a se estabelecerem zonas para tratar o lixo e para instalar indústrias ruidosas ou perigosas, sem que as populações sejam afetadas, sugeriu.

Para Cuenca, isto não basta. A exploração mineradora e energética “alimentam um processo de concentração econômica, de alta rentabilidade, de investimentos estrangeiros, mas deixam muitos problemas nas localidades e isso as pessoas percebem, o vivem”. Por essa razão, acrescentou, “a oposição continuará”. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Milagros Salazar (Lima).