Genebra, Suíça, 6/5/2011 – As máximas autoridades mundiais da saúde e uma rede de organizações não governamentais, crítica da proliferação nuclear, reiniciaram contatos sob o peso dos efeitos da catástrofe atômica de Fukushima, no Japão, e pelos que ainda persistem da explosão em Chernobyl, na Ucrânia. A diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, recebeu representantes de um grupo de organizações não governamentais que criticam severamente as políticas dessa agência da Organização das Nações Unidas diante dos perigos da radiação nuclear.
A coalizão, denominada Pela Independência da OMS, entregou a Chan um pedido para que sejam adotadas disposições a fim de enfrentar eventuais acidentes nucleares como os ocorridos em 11 de março, em Fukushima, e no dia 26 de abril de 1986 em Chernobyl, na Ucrânia, que na época era parte da hoje extinta União Soviética.
A sociedade civil reclama medidas urgentes para prestar cuidados médicos, tratamentos e proteção adequados para as populações que vivem nas regiões contaminadas. Também pedem que, em coordenação com outras agências internacionais, seja fornecida a essas pessoas alimentação adequada para facilitar a eliminação dos radionuclêicos e a redução das doses radioativas liberadas nas células.
Outra ideia dos ativistas, que se reuniram no dia 4 com Chan, se refere à criação de uma comissão sobre a radiação ionizante e a saúde, integrada por especialistas independentes, para estudar cientificamente as consequências do acidente em Chernobyl. Nenhum dos integrantes dessa comissão deverá ter relação, financeira ou de outro tipo, com a indústria nuclear e nem com associações vinculadas a esse setor, diz a iniciativa.
O informe do órgão deverá ser apresentado na Assembleia Mundial da Saúde de 2014. Na mesma comissão deverão atuar grupos de trabalho dedicados a avaliar e informar sobre as lacunas nas pesquisas sobre a radiação e a saúde. A coalizão também cobra a divulgação das atas das conferências de Genebra, em 1995, e de Kiev, em 2001, sobre as consequências do acidente de Chernobyl. Os ativistas afirmam que estes documentos são mantidos ocultos para defender os interesses da indústria nuclear.
Em relação a esse ponto, a coalizão pede a revisão do acordo de 1959, entre a OMS e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), de maneira que as emendas permitam à agência sanitária atuar como organismo coordenador nas questões relacionadas com as radiações ionizantes e a saúde. A radiação ionizante é a que incide sobre os átomos alterando seu estado físico para convertê-los em átomos ionizados que, uma vez instalados nos tecidos vivos, modificam os processos biológicos normais.
A proposta da coalizão foi distribuída entre as missões diplomáticas dos países representados em Genebra, mas nenhum governo assumiu até agora a responsabilidade de promover a iniciativa na assembleia mundial da saúde. O governo de Cuba se mostrou disposto a secundar o projeto se outro país o propuser, disse à IPS a ativista Alison Katz, do Movimento pela Saúde dos Povos, rede de grupos da sociedade civil que apoiam a Declaração pela Saúde para Todos os Povos, adotada pela OMS em 1978 durante a Assembleia Mundial realizada em Alma Ata, no Cazaquistão.
A esse respeito, Chan recordou aos representantes da coalizão que, embora caiba à OMS elaborar diretrizes e normas para apresentar aos governos, são estes que aplicam estas regras. Quanto às relações da OMS com a AIEA, Chan disse que existe cooperação em temas de interesse comum, mas com um espírito de respeito mútuo e independência.
Chan afirmou que a AIEA não tem importância alguma nem é determinante no comportamento da OMS, “mesmo discurso que ouvimos há quatro ou cinco anos”, disse Katz, negando que a reunião da sociedade civil com esta agência da ONU tenha sido um fracasso. Pelo contrário, “o encontro com Chan demonstra que nossa ação tem um efeito”, afirmou.
Desde 27 de abril de 2007, a coalizão realiza uma vigília de protesto diante da porta da sede da OMS em Genebra, com cartazes exortando a organização a recuperar sua independência frente à AIEA, a organização que promove a indústria nuclear. Durante a entrevista do dia 4, Chan aprovou a paixão e a persistência da sociedade civil e prometeu que manterá aberto o diálogo com seus representantes.
Na determinação de Chan em receber a delegação de ativistas influíram a catástrofe de Fukushima, no dia 11 de março, e o aparecimento, em uma publicação da Academia de Ciências de Nova York, de um informe preparado pelos cientistas Alexey V. Yablokov, Vassily B. Nesterenko e Alexey V. Nesterenko sobre as consequências de Chernobyl. O informe menciona números de vítimas do acidente nessa usina que superam em muito os dados fornecidos em 2005 pela OMS e pela AIEA.
Katz disse que Chan reconheceu que não acredita que a quantidade de mortes em razão do acidente em Chernobyl tenha sido de apenas 50 pessoas, como afirmava o discutido informe da OMS e da AIEA. O informe das duas agências acrescentava que no futuro poderiam ser registradas cerca de mais quatro mil mortos por casos de câncer relacionados com a explosão do reator. A OMS nunca havia corrigido esses números, até agora, por isto é importante o que disse Chan, afirmou Katz.
Ao resumir o encontro, Katz afirmou que, em comparação com a última reunião, desta vez não discutiram os argumentos da sociedade civil. “Da última vez, todas as nossas ideias foram descartadas, com certa arrogância”, afirmou. “Minha impressão é que desta vez não houve arrogância, mas vontade de se mostrar interessado e preocupado. Chan não disse que concorda, mas tampouco discutiu”, acrescentou. Envolverde/IPS