Área de ciência e tecnologia leva o país a um novo patamar de produção e inovação

É consenso para muitos empresários, políticos e acadêmicos que a área de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) é um importante motor da transformação econômica e social do país. A busca por novas possibilidades de fazer com que o conhecimento se torne inovação – e, por consequência, riqueza – tem sido um desafio constante, e envolve hoje inúmeros atores.

O estado de saúde econômica do país tem proporcionado mais investimentos em negócios que envolvam C,T&I, mas os desafios também são grandes. O número de pedidos de patentes ainda é baixo e as atividades de produção e desenvolvimento (P&D) continuam lentas no setor empresarial, deixando a maior parte do esforço de financiamento nas mãos do setor público – que representa 55% deste total. Além disto, os 63% dos pesquisadores acadêmicos continuam desigualmente distribuídos no país e a produção nacional está dominada por um pequeno grupo de universidades de excelência.

O Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Brasileiro (2007-2010), adotado pelo governo federal em 2007, propôs o aumento dos gastos com P&D de 1,07% do PIB em 2007 para 1,5% do PIB em 2010. Uma meta importante do plano era aumentar para 170 mil, em 2011, o número de bolsas disponíveis aos estudantes universitários e pesquisadores.

Um dos principais objetivos da medida federal é fomentar um ambiente propício à inovação nas empresas, de modo que fortaleça as políticas industriais, tecnológicas e de exportação, além de aumentar tanto o número de pesquisadores ativos no setor privado quanto o número de incubadoras de negócios e parques tecnológicos. O desafio fica por conta de proporcionar a este setor a coordenação com as políticas comerciais, investir em pesquisadores para o desenvolvimento social, criar novos institutos e articular sistematicamente a ciência e tecnologia com a educação.

Sabemos, contudo, que no cenário contemporâneo a inovação é reconhecidamente um instrumento fundamental para o desenvolvimento sustentável, o crescimento econômico, a geração de emprego e renda e a democratização de oportunidades. A inovação está presente como fator determinante na formação de profissionais preparados para atender as demandas diversas e complexas da sociedade e de suas empresas inovadoras.

“Compreender o papel de cada ator dentro do processo de P&D é fator determinante para a consolidação de um modelo de desenvolvimento sustentável, capaz de atender as justas demandas sociais dos brasileiros e o permanente fortalecimento da soberania nacional. Para tanto, o investimento e o financiamento em C,T&I são fundamentais para essa consolidação”, explica Ronaldo Mota, secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia.

A mobilização das políticas públicas continua sendo crucial para a construção das capacidades humanas e institucionais a fim de vencer o hiato do conhecimento e empoderar o país no desenvolvimento e na construção de habilidades adequadas de pesquisa científica. Graças ao crescimento econômico sustentado dos anos recentes, o Brasil gastou R$ 32,7 bilhões em P&D, em 2008. Esse dispêndio é comparável aos níveis de investimento da Espanha e da Itália.

O setor de agronegócios tem alcançado resultados importantes em termos de produção e de produtividade. Por meio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de outras instituições de fomento dentro do sistema nacional de P&D agrícola, este setor se beneficia do investimento público nessa área. Em função desses grandes investimentos, produtos como a soja, a laranja e o café se tornaram importantes bens de exportação, representando uma importante atividade comercial.

Um bom exemplo dessa ponte entre os investimento em P&D e o social é o Programa Brasileiro do Álcool (ProÁlcool), sendo a política mais ambiciosa do mundo para o uso de etanol como combustível renovável em automóveis. Em 2006, mais de 70% dos veículos comercializados no país eram do tipo flex – que podem ser abastecidos tanto por gasolina quanto por etanol. A tecnologia é uma invenção nacional, desenvolvida pela equipe de brasileiros que trabalha para fabricantes estrangeiros de peças e automóveis. Além disto, o Brasil adiciona 25% de etanol à sua gasolina, de modo a reduzir as emissões de carbono e os custos de importação do combustível fóssil.

“O Brasil, em virtude do momento histórico que vive, das características de seu território, de sua matriz energética, de sua diversidade regional e cultural, do tamanho de sua população, e do patamar científico que já alcançou, tem uma oportunidade única de construir um novo modelo de desenvolvimento sustentável, que respeite a natureza e os seres humanos. Um modelo que necessariamente deverá se apoiar na ciência, na tecnologia e na educação de qualidade para todos os brasileiros”, ressalta Luiz Davidovich, secretário geral da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável.

Em 2008, o país era o segundo maior produtor mundial de etanol, responsável por 24,5 bilhões de litros e com uma produção que custava a metade da média mundial. Graças aos investimentos em P&D, os institutos governamentais e as universidades conseguiram desenvolver melhores variedades de cana-de-açúcar e métodos mais eficientes de plantio e colheita.

Assim, fica claro perceber que as políticas de C,T&I desempenham um papel estratégico na redução das desigualdades. Mas a realidade do país ainda demonstra que tem sido difícil criar laços entre essa política e as polícias sociais. “As atividades neste campo são instrumentos fundamentais para o desenvolvimento, crescimento econômico, geração de emprego qualificado e renda, e democratização das oportunidades”, lamenta Antoninho Trevisan, empresário e presidente da Trevisan Escola de Negócios e do conselho Consultivo da BDO-Trevisan Auditores.

P&D no setor empresarial

Os investimentos privados em produção e desenvolvimento (P&D) corresponderam a 0,5% do PIB. O forte crescimento da economia tem conduzido ao investimento empresarial no setor. Mas ainda há um vão muito grande a ser preenchido. Das 95.301 empresas participantes da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2005, apenas 6.168 afirmaram ter realizado algum tipo de atividade de P&D, de modo permanente ou não. No Brasil, para estimular a ampliação dos gastos privados brutos nessa área, o governo possui um programa de incentivo fiscal, oferecendo abatimento de 25,5% para cada dólar aplicado em P&D.

Assim, o gasto empresarial em pesquisa e desenvolvimento, expresso como proporção da receita líquida de vendas, passou de 0,85% para 0,93%. Na indústria de transformação, o montante passou de 0,66% para 0,75%. Neste cenário, o setor chega mais perto de corresponder a 50% do P&D nacional, já que o total de investimentos atingiu 0,58% do PIB em 2008.

A atividade de inovação brasileira está concentrada basicamente em dois grupos de atividades: química pesada e material de transporte. Juntos, esses setores correspondiam a mais de 60% de todo P&D industrial brasileiro em 2008. “Isto ocorre porque a inovação está concentrada nas organizações que historicamente fazem inovação, que dependem da renovação para se tornar cada vez mais competitiva”, aponta Luís Felipe Giesteira, especialista em políticas públicas e gestão governamental e doutor em teoria econômica pela Unicamp.

Mesmo com um ambiente cada vez mais propício à P&D, o que vem acontecendo desde 2004, algumas barreiras continuam existindo: dificuldades de acesso ao capital, em função das altas taxas de juros; os problemas de logística, que atrapalham as exportações; e um sistema educacional inadequado, que penaliza não apenas o desenvolvimento social, mas também a disponibilidade de trabalhadores qualificados para quase todas as colocações.

Em decorrência da mistura entre a carência de cultura de inovação no ambiente empresarial e a insuficiente articulação ente política industrial e ciência e tecnologia, vemos uma inovação tecnológica empresarial ainda tímida. O caminho para a superação destas questões pede instrumentos de políticas públicas. “As empresas já incorporam a inovação em seus processos produtivos, tornando-se mais competitivas e mais lucrativas. Isto oferece condições para a conquista de novos mercados. O país começa a formar uma nova geração de empresários, empreendedores em tecnologia”, explica Mota.

Para Giesteira, a aplicação dessas políticas não deve estar restrita aos instrumentos financeiros, tais como subsídios governamentais, reduções de impostos e políticas de compras públicas, mas devem também incluir os instrumentos jurídicos e políticos necessários para a criação de um ambiente propício ao investimento privado em P&D.

A perspectiva empresarial de C,T&I como fonte de riqueza econômica é importante ferramenta para que as demandas de tecnologia e inovação tenham seus processos de indução, adaptação e implementação agilizados, e para que o setor contribua para que a ciência produzida tenha como horizonte suas aplicações potenciais, sejam elas decorrentes de demandas empresariais ou da necessidade para execução de políticas públicas. “É necessário integrar cada vez mais a política de C,T&I à política industrial para que as empresas sejam estimuladas a incorporar a inovação em seu processo produtivo, forma mais eficiente de aumentar sua competitividade global”, sinaliza Mota.

E os pesquisadores

Em 2008, os pesquisadores brasileiros foram responsáveis pela publicação de 26.806 artigos, fazendo do país o 13º maior produtor de ciência do mundo. O número de publicações científicas registradas no Thomson Reuters Science Citation Indez (SCI) é o indicador mais frequentemente utilizado para se medir a produção científica. As universidades públicas foram responsáveis por 90% dessa produção.

Um pequeno perfil dos pesquisadores brasileiros nos revela que a maioria deles ocupa cargos acadêmicos em tempo integral: 57% são servidores de universidades e outros 6%, de institutos de pesquisa; o setor de negócios absolve 37% dos pesquisadores. Para Hernan Chaimovich, coordenador dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da Fapesp, a incorporação de conhecimento, que permite inovação, impõe a necessidade de aumentar a percentagem de pesquisadores nos sistemas produtivos e de serviços. “Este fenômeno é evidente quando se analisam as relações percentuais de pesquisadores nos sistemas acadêmicos e produtivos e a posição dos países nas escalas de inovação”, explica.

Os artigos são o principal meio de divulgação e validação de resultados em P&D, e sua publicação e disseminação o tornam um importante mecanismo de transferência de conhecimentos. Sete universidades, sendo quatro do Estado de São Paulo, são responsáveis pela produção de 60% de todos os artigos nacionais.

“O avanço do conhecimento no Brasil pode se beneficiar de uma abordagem governamental mais equilibrada entre pesquisa pura e pesquisa aplicada. É possível observar uma tendência aparentemente excessiva para direcionar os anúncios de projetos para objetivos específicos. Isto prejudica a pesquisa movida pelo interesse puro, que é a pedra angular de um sistema acadêmico forte”, acredita Chaimovich.

Os cientistas americanos são os principais parceiros brasileiros. O relatório da Unesco sobre ciência em 2010 aponta que, entre 2003 e 2007, 11% dos artigos científicos escritos por brasileiros tinham pelo menos um coautor americano, e 3,5% tinham um britânico. Outros parceiros são: a Argentina, o México e o Chile, que juntos representaram 3,2% dos coautores.

Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o número de mestres e doutores titulados no Brasil dobrou nos últimos dez anos. A quantidade de pesquisadores formados por ano no país passou de 26 mil para cerca de 53 mil, em 2010. “Estes números são extremamente significativos”, comemora o pró-reitor de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo (USP), Vahan Agopyan. “Para padrões latino-americanos, é um crescimento muito grande. Mas ainda temos que avançar”.

Apesar de ter conseguido aumentar o número de doutores finalizados a cada ano, o Brasil ainda enfrenta uma situação de carência, especialmente em engenharia. Apesar dos números parecerem altos, a quantidade de doutores para cada cem mil habitantes ainda não chega a cinco. Em 2006, havia apenas 1,5 pesquisador para cada mil trabalhadores ocupados. Em 2007, a participação de graduados em ciência e engenharia no total dos recém-formados subiu para 11%, o que representa metade da média da OCDE. O nível de graduados na população entre 25 e 64 anos é de 11%.

Desafios

Apesar das melhoras registradas nos últimos anos, o perfil da ciência e tecnologia brasileira ainda apresenta vários pontos fracos. A baixa intensidade do P&D, com um investimento interno equivalente a 1,1% do PIB, carência na qualificação dos recursos humanos, pouca produção de patente – em 2008, 0,3 patente triádicas por milhão de habitantes, reduzido percentual de empresas efetuando inovação de produtos e/ou colaborando na realização de inovação, são ainda desafios a serem superados.

Segundo os principais relatórios sobre C,T&I, o maior obstáculo a ser enfrentado é a falta de interligação entre os diferentes atores do sistema nacional de inovação. O investimento em P&D permanece baixo, e a burocracia permanece ineficiente. O treinamento e a construção de massa crítica com funcionários altamente qualificados têm sido questões adicionais em destaque.

Há um longo caminho a ser percorrido. É certo, até o presente momento, que passos importantes foram dados na direção correta, mas ainda existem sinalizações claras de que a sociedade brasileira e os empresários, em especial, vêm gradativamente incorporando o conceito de inovação em suas agendas de investimentos. “A inovação na sociedade e nas empresas tende a ser, cada vez mais, um item fundamental para medir o atual estágio de cada país ou região e ser especialmente útil para apontar possibilidades futuras e potenciais efetivos de desenvolvimento”, conclui Mota.

Portanto, como apontam os relatórios, em primeiro lugar, é preciso intensificar a P&D empresarial, a fim de estimular a inovação e a competitividade. Em segundo lugar, é preciso desenvolver e internacionalizar as melhores universidades brasileiras. “O Brasil precisa disseminar a excelência científica além de São Paulo, Rio de Janeiro e outros grandes centros urbanos rumo a regiões menos privilegiadas, como a Amazônia e o Nordeste”, aponta Trevisan.

O desafio de ampliação e aperfeiçoamento das ações em C,T&I passa pela necessidade de se fortalecer as políticas de Estado já instituídas para a área. É, portanto, necessário expandir o sistema com qualidade e melhorar a distribuição geográfica da produção em ciência. “Precisamos intensificar as ações, divulgações e iniciativas de C,T&I para o grande público. Melhorar o ensino de ciências nas escolas e atrair mais jovens para as carreiras científicas é outro desafio a ser superado”, defende Mota.

* Conteúdo gentilmente cedido pelo Sesi – Serviço Social da Indústria.

** Publicado originalmente no site Mercado Ético.