Porto de Galinhas, Brasil, 30/9/2011 – Mais de 20% dos latino-americanos e caribenhos não contam com saneamento básico e 15% deles diretamente não têm acesso a água potável, um recurso vítima das deficiências de gestão, alertam especialistas reunidos em Porto de Galinhas, Pernambuco. “É preciso reconhecer que a qualidade da água é um problema sério, com uma situação grave de contaminação pelo mau manejo e por incapacidades na gestão, e aquíferos que perdem suas reservas em ritmo acelerado”, disse à IPS Walter Ubal, do Centro internacional de Pesquisas para o Desenvolvimento, do governo do Canadá (IDRC).

As superconcentrações urbanas fazem crescer a demanda pela água e, consequentemente, o custo de buscá-la e deixá-la potável é “altíssimo”, destacou este especialista em gestão de recursos naturais e ambientais presente ao XIV Congresso Mundial da Água, que termina hoje nesta cidade pernambucana. Iniciado no dia 25, o encontro foi organizado pelo governo estadual e pela Associação Internacional de Recursos Hídricos (IWRA), uma rede internacional não governamental.

“O pior é que estamos manejando opções de tratamento que podem ser mais caras e gerar maiores impactos ambientais”, alertou Ubal, reconhecendo que não há outra maneira de purificar a água que seja 100% sustentável. Explicou que “é preciso encontrar formas menos más e, também, que seja possível incorporar componentes sociais”. “Tudo isto é um esforço muito grande, porque uma grande estação de tratamento de esgoto pode gerar odores e mudar o valor das moradias, o que leva a enfrentar uma complexidade além do nível técnico, que é o social”, afirmou Ubal.

Com o objetivo de compreender o estado das estações de tratamento de esgoto na região, o diretor do Instituto de Engenharia da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), Adalberto Noyola, coordena desde abril uma equipe de especialistas que busca adaptar processos e tecnologias que sejam mais sustentáveis para melhorar a situação na América Latina.

A meta da pesquisa, que inclui Brasil, México, República Dominicana, Guatemala, Colômbia e Chile, é avaliar os impactos ambientais das tecnologias mais aplicadas nessa área na região e assim identificar estratégias de mitigação de gases-estufa, explicou Noyola à IPS. “Tratamos a água para evitar contaminar o rio, o mar, o solo, e, conforme a sociedade avança e há mais demanda por água, em muitas regiões se busca reutilizá-la na irrigação agrícola e na indústria, embora ainda não para uso doméstico”, acrescentou.

Brasil e México, cujas populações somadas equivalem a metade dos habitantes da América Latina e do Caribe, têm uma porcentagem de tratamento de seus esgotos que varia de 30% a 40%. Já o Chile foi incluído no estudo por apresentar características de serviços de água e saneamento semelhantes aos do “mundo industrializado, por sua política contínua de longo prazo de privatização”, informou Noyola, afirmando que em 2012 esse país alcançará 100% de tratamento de seu esgoto. República Dominicana e Colômbia, por outro lado, realizam o tratamento de purificação em apenas 25% do esgoto, enquanto a Guatemala fica no índice entre 10% e 15%.

Noyola destacou que na região são usados basicamente três tipos de tecnologias para tratar o esgoto, que são as lagoas de estabilização, o lodo ativado e reatores anaeróbicos. As lagoas de estabilização, que são tanques de grandes extensões recobertos com cimento, argila compactada ou folhas de plástico para evitar a infiltração, “têm a vantagem de seu custo operacional ser muito baixo, embora por seu tamanho só possa ser instalada em terrenos planos”, explicou Noyola.

Já o lodo ativado é mais compacto, mas requer equipamentos, motores e mais tecnologia, e o custo operacional por energia elétrica é maior. “Pode-se ter uma boa qualidade de água constante” com este método, acrescentou o especialista mexicano. Quanto aos reatores anaeróbicos, compactos sem ar, contam “com a vantagem de seu custo de operação ser muito baixo”. Contudo, produzem metano em lugar de gerar matéria orgânica. “Sua desvantagem é que a qualidade da água é menor do que o sistema dos ativados e é necessário complementá-lo com um pós-tratamento”, segundo Noyola.

O diretor do instituto de engenharia da Unam concorda com Ubal quanto a não haver tecnologia para tratar o esgoto que seja totalmente sustentável e ambientalmente adequada em sua totalidade. “Há umas mais verdes do que outras. todo o processo que envolve energia traz uma consequência, ainda que pequena. O desafio é reduzir os impactos”, indicou.

Para Noyola, não há uma única tecnologia para utilizar o tratamento da água na América Latina, já que “há muitos cenários de tamanhos de estações de tratamento e até de áreas geográficas diversas”. Ao tratar a água, consome-se energia, o que gera uma carga de emissão de gases-estufa, afirmou. “O metano é perigoso, com um grande impacto na mudança climática. Se for lançado e não capturado pode-se estar contribuindo de forma negativa, movendo a contaminação da água para a atmosfera, ou seja, troca-se o problema de lugar”, destacou Noyola.

Este especialista coordena um estudo pioneiro que pretende elaborar um diagnóstico atual e representativo do tratamento de esgoto nas cidades da América Latina, além de reunir as informações em um guia que estará à disposição de governos municipais. “Vamos fazer um guia com recomendações para que o tomador de decisões selecione a melhor tecnologia que mais se adapta às suas necessidades. Alguns países já avançam em recomendações, mas são mais do tipo técnico e econômico. Queremos também o estudo ambiental”, destacou. Segundo Noyola, as estações de tratamento de água também têm impactos negativos e é necessário reduzi-los ao mínimo e fazer uma seleção mais sustentável da tecnologia. Envolverde/IPS