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Aumentam as apostas por intervenção da ONU na República Centro-Africana

Rebeldes no norte da República Centro-Africana. Foto: hdptcar/cc by 2.0
Rebeldes no norte da República Centro-Africana. Foto: hdptcar/cc by 2.0

 

Nações Unidas, 28/11/2013 – A violência na República Centro-Africana ameaça se transformar em uma nova guerra, enquanto aumentam os pedidos para que a Organização das Nações Unidas (ONU) intervenha. A França anunciou que triplicará seus efetivos nesse país, para 1.200, a fim de apoiar 2.500 soldados de vários países africanos que até agora não conseguiram deter um crescente estado de anarquia.

“Já não há serviços de segurança estatais em Bangui, a capital, nem no resto do país”, contou Thierry Vircoulon, diretor para a África Central do Grupo Internacional de Crise. “As pessoas estão jogadas à própria sorte; apenas as igrejas oferecem algo”, acrescentou. Desde o começo dos combates, há quase dois anos, aproximadamente 400 mil pessoas foram forçadas a abandonar suas casas.

Séléka, uma aliança de milícias rebeldes do norte muçulmano, tomou a capital em março e obrigou o presidente, François Bozizé, que foi acusado de violar anteriores acordos de paz, a sair do país. Em agosto, o chefe rebelde Michel Yotodia foi nomeado presidente interino, se convertendo no primeiro muçulmano a ocupar esse cargo. Entretanto os atos de violência não cessaram.

Quando Yotodia anunciou, em setembro, a dissolução da Séléka, ocorreram ataques e saques, cometidos pelos descontentes rebeldes. Segundo a Anistia Internacional, desde a derrubada de Bozizé, a quantidade de milicianos que se identificam como da Séléka passou de aproximadamente cinco mil para 20 mil. Há informes de que milicianos dessa aliança não falam francês nem sango, a língua nacional, o que indicaria que podem estar chegando de países vizinhos, como o Sudão.

A organização Human Rights Watch (HRW) acusou um comandante da Séléka, Abdallah Hamat, de assassinar civis em um ataque, no dia 10 de novembro, contra a aldeia Camp Bangui. “Ataques como esse contra áreas povoadas estão causando destruição em massa e deixando a população com medo”, disse Daniel Bekele, diretor para a África da HRW.

Na semana passada, os Estados Unidos prometeram US$ 40 milhões para aumentar a presença da força regional que há meses está praticamente escondida em Bangui. Embora a Missão Internacional de Apoio para a República Centro-Africana pretenda elevar seus efetivos de 2.500 para 3.600, autoridades da região acreditam que pouco poderá fazer sem autorização para operar como uma missão de manutenção de paz da ONU.

Os últimos informes de ataques contra mesquitas e igrejas cristãs lembram outros momentos em que a ONU foi muito lenta e não conseguiu impedir massacres ou genocídios, como em Ruanda. Depois de um relatório interno indicando a falta de ação da ONU nos meses finais da guerra civil no Sri Lanka, a resposta do fórum mundial na República Centro-Africana será considerada uma prova de como cumpriria suas promessas de agir de forma rápida e mais decidida para impedir a ocorrência de matanças.

Os muçulmanos, que dominam a Séléka, constituem apenas 15% da população centro-africana. Esse conflito emerge após “anos de marginalização e discriminação dos muçulmanos no noroeste” do país, disse o subsecretário-geral da ONU, Jan Eliasson. Em muitos lugares, integrantes da maioria cristã respondem à violência criando suas próprias milícias, conhecidas como “antibalaka” (antifacões). “Houve vários choques entre a Séléka e a população essa semana. As tropas africanas se retiraram, não conseguem impedir nada”, alertou Vircoulon à IPS.

Embora esse país tenha uma longa história de golpes de Estado e rebeliões, a religião nunca havia aparecido nesse grau – como no restante do Sahel –, ao menos até agora. “Isso não começou como um conflito religioso. Nenhuma das partes tinha uma agenda religiosa”, afirmou Philippe Bolopion, da HRW.

Enquanto o conflito avança, centro-africanos cada vez mais jovens são incorporados às fileiras de todas as partes. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que existam atualmente seis mil crianças-soldado. Ao falar no Conselho de Segurança da ONU, Eliasson se referiu a um sofrimento que está “além do imaginável” e afirmou que o fórum mundial deve agir para “evitar atrocidades”.

Porém, é muito pouca a informação que sai do país, onde há pouca movimentação de trabalhadores humanitários e da sociedade civil organizada. Milhares de pessoas fugiram das principais cidades para as florestas, onde podem contrair malária ou outras doenças. Enquanto a ordem não for restaurada, acredita-se que muitos dos que fugiram morrerão. “Parte do problema é que não sabemos nada”, apontou Bolopion à IPS.

Na semana passada, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, expressou seu apoio a uma força de paz de seis mil soldados. Mas o representante da França, Gérard Araud, declarou aos jornalistas que o escritório do secretário-geral demoraria até três meses para estabelecer um plano de ação, que poderia estar pronto em março. Essa observação leva à pergunta sobre que papel jogará a França em sua antiga colônia. Há menos de um ano, Paris lançou uma operação militar no Mali para acabar com uma rebelião que havia criado um estado de fato no norte do país. Envolverde/IPS