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Barcos da esperança encalham na Austrália

Um policial de guarda em um ponto próximo à localidade de Galle, comumente usada pelos cingaleses para abordar barcos que viajam para a Austrália. Foto: Amantha Perera/IPS
Um policial de guarda em um ponto próximo à localidade de Galle, comumente usada pelos cingaleses para abordar barcos que viajam para a Austrália. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Colombo, Sri Lanka, 27/9/2013 – Ananda (nome fictício), de 28 anos, oriundo do sul do Sri Lanka, tomou sua decisão diante de uma simples equação econômica: como nunca tinha dinheiro, jogou tudo para o ar e embarcou no ano passado para a Austrália. “Trabalhava como motorista de táxi de três rodas de outra pessoa e ganhava cerca de 25 mil rúpias (US$ 180) nos meses bons. Estava farto”, contou à IPS. Ele pagou 300 mil rúpias (US$ 2.160), que conseguiu das economias de sua mãe, e uniu-se a um grupo com cerca de 50 homens para percorrer 6.800 quilômetros em um mês.

Porém, sua viagem não durou muito. Por volta da meia-noite abordou uma embarcação pesqueira a três quilômetros da costa, à qual chegou de bote. Ao meio-dia seguinte já estava de volta em terra firme. “Alguém passou a informação, e a marinha nos esperava logo no começo da viagem”, disse Ananda, nascido em Weligma, parte do distrito de Matara. Ele foi um dos dez mil cingaleses que no ano passado tentaram a perigosa viagem ao destino australiano.

Aproximadamente mil cingaleses chegaram à Austrália deste modo no ano passado. A maior parte pertence à minoria tamil do nordeste do Sri Lanka, devastado por três décadas de guerra. Segundo o Departamento de Cidadania da Austrália, 6.428 pessoas conseguiram entrar em suas águas. As autoridades cingalesas dizem ter frustrado mais de três mil tentativas no ano passado. E se presume que uma quantidade desconhecida de pessoas morreu no mar.

Kanan é um jovem de Kilinochchi, vibrante centro nevrálgico da região de Vanni, norte do país, mas arrasado pelo conflito que terminou em maio de 2009 e pela lenta recuperação. Para este e muitos outros jovens, a melhoria é muito lenta. “Aqui não há trabalho”, afirmou. O desemprego da região é o maior do país. Segundo estatísticas do governo, fica entre 5% e 8%, mas estudos independentes multiplicam por três essas porcentagens.

Kanan viajou em agosto para a costa leste e um intermediário de Kilinochchi conseguiu lugar para ele em uma embarcação lotada. “Paguei cem mil rúpias, o resto minha família pagaria tão logo eu chegasse”, explicou. O custo total era de um milhão de rúpias (US$ 7.200). Mas o barco naufragou seis dias depois de partir, e navios militares do Sri Lanka o rebocaram até a costa.

Kanan voltou para sua aldeia natal. Continua desempregado e sonhando com uma vida mais próspera em outro lugar. Além do emprego, decidiu viajar em um barco avariado e sem outros instrumentos além de um GPS manual, em grande parte devido ao clima de pós-guerra que continua imperando no norte. “Para os militares e a polícia, sempre sou suspeito”, afirmou.

Canberra impôs leis mais duras para dissuadir os “balseiros” do Sri Lanka. Desde meados desse ano, todo cingalês detido em águas da Austrália perde o direito de optar pela cidadania australiana, embora consiga o status de refugiado, e é obrigado a seguir para as ilhas Nauru ou Papua Nova Guiné. O governo australiano também lançou uma importante campanha de publicidade para desestimular esse tráfego migratório.

A linha dura parece estar funcionando. No último ano chegaram à Austrália menos barcos procedentes do Sri Lanka. Até o final de agosto, 1.957 cingaleses haviam chegado a terras australianas por essa via, menos de um terço em relação a 2012. O novo governo direitista, que tomou posse no dia 18, pode adotar medidas mais rígidas, como a deportação direta das embarcações, eliminar a possibilidade de revisão de solicitações de refúgio e reduzir as cotas de admissão de refugiados.

A ação das autoridades australianas se baseia na conclusão de que a maioria dos que abordam esses barcos não é de refugiados, mas de imigrantes “econômicos”. A situação econômica tem papel crucial, mas a decisão de abordar uma embarcação para semelhante viagem se deve a muitos outros fatores, disse à IPS a diretora de investigações da Human Rights Law Centre de Melbourne, Emily Howie. “Os cingaleses viajam para a Austrália por uma complexa combinação de assuntos econômicos, políticos e de segurança”, afirmou.

Na investigação Migração Cingalesa por Barco para a Austrália: Motivações e Dilemas, Howie afirma que deportar as embarcações não é a solução. Cerca de 90% dos pedidos de refúgio de cingaleses na Austrália eram genuínos, pontuou a especialista. “Em lugar de reduzir opções, a Austrália deveria trabalhar com outros países da região para garantir formas seguras e viáveis de proteger” os que precisam de proteção, ressaltou.

Outros analistas acreditam que a maior motivação deste fluxo migratório continua sendo a pobreza. “A desolação econômica é a causa fundamental para emigrar, inclusive entre os ex-combatentes”, disse à IPS o economista Muttukrishna Sarvananthan, que dirige o Instituto de Desenvolvimento Point Pedro, dedicado às pesquisas econômicas em Jaffna, norte do país.

No final de 2010, Sarvananthan realizou uma pesquisa no norte da ilha especificamente dirigida a ex-combatentes, jovens e mulheres sozinhas. Mais de 70% dos entrevistados disseram que as más condições de vida eram seu principal motivo para desejar abandonar Sri Lanka. Outros 41% também mencionaram a falta de oportunidades. Apenas 14% dos consultados responderam que a questão da segurança era a principal razão para quererem deixar o país. Envolverde/IPS