Arquivo

Bônus de impacto social, apenas uma nova promessa?

Propostas de bônus de impacto social para combater a pobreza. Foto: Mario Osava/IPS
Propostas de bônus de impacto social para combater a pobreza. Foto: Mario Osava/IPS

 

Cidade do México, México, 31/10/2013 – Em contraste com os programas estatais de atenção social executados por governos progressistas na América Latina e no Caribe, surge uma proposta que apela ao investimento privado e que já a partir de sua apresentação recebe variados questionamentos.

A iniciativa é conhecida como “bônus de impacto social” (SIB), um mecanismo com marcado acento monetarista e sujeito apenas a sucessos concretos. A organização não governamental Social Finance, da Grã-Bretanha, os define como uma forma de contrato baseado em resultados, no qual órgãos públicos se comprometem a pagar por uma melhoria significativa em metas sociais de um segmento específico.

“Há muito interesse em desenvolver esses modelos, não só da parte de governos mas também de fundações e agências de desenvolvimento. Vemos muitos temas, mas devem ser diferentes na América Latina” por sua situação social, disse à IPS o norte-americano Michael Eddy, um dos fundadores da não governamental Instiglio.

Essa entidade sem fins lucrativos, com sedes nas cidades de Boston, nos Estados Unidos, e Medellín, na Colômbia, desenhou em 2012 um SIB para esse último país, com a meta de reduzir as gravidezes em 450 casos no período de quatro a seis anos. O investimento previsto nesse caso foi de US$ 2 milhões e rendimento de 10%. Mas o esquema não foi executado porque mudou a administração municipal.

A ideia dos SIB é promovida como uma tentativa de abordar o investimento na prevenção de problemas sociais e de saúde e para economizar fundos públicos, mas é difícil para as instituições encontrar os fundos e incentivos necessários. O economista neozelandês Ronnie Horesh foi o primeiro a recomendá-los, em 1988, em seu artigo Bônus de Política Social, no qual argumenta que poderiam ser comercializados.

O mecanismo é que o governo do lugar escolhido identifica um problema social a ser atendido, assina um acordo com um intermediário que arrecada fundos de bancos, fundações ou indivíduos, e contrata um prestador de serviços sem fins lucrativos. Os atores se dirigem a um terceiro para que avalie o alcance dos objetivos e resolva qualquer disputa. Se o projeto atinge as metas programadas, o governo paga os rédito aos investidores a uma taxa que varia geralmente entre 6% e 13%.

No entanto, a ideia gera preocupações sobre sua aplicação na América Latina, onde problemas sociais já foram abordados mediante a contratação de terceiros. “É um problema, porque não resolve a questão do fundo. Não se vê economia e há dúvidas sobre a eficiência. Esse dinheiro teria que ser utilizado pelas instituições públicas para atender diretamente os problemas”, afirmou à IPS a ativista Martha Juárez, do Consórcio para o Diálogo Parlamentar e a Igualdade, dedicado a defender os direitos de gênero.

A essas críticas soma-se a análise de Kyle McKay, analista da Assembleia Geral (legislativa) do Estado de Maryland, nos Estados Unidos, que estudou os mitos de capital novo para programas sociais, economias orçamentárias, pagamentos por metas alcançadas e enfoque de resultados que levem a inovações em seu artigo Refutando os Mitos Por Trás da Especulação dos Bônus de Impacto Social.

“Esses empreendimentos em criatividade financeira podem se converter em experimentos caros, que deixariam os governos com o risco último e os provedores com contratos quebrados ou em disputa”, apontou McKay em seu trabalho, publicado em abril, na revista norte-americana Revisão de Inovação Social, da Universidade de Stanford.

Atualmente, há 32 SIB em fase de desenho em diferentes partes do mundo e outros seis em execução na Grã-Bretanha, Austrália e nos Estados Unidos, segundo um mapa esboçado pela Instiglio. Na América Latina só figura o esboçado para Medellín. As temáticas incluem saúde, cuidados infantis, justiça juvenil, pessoas sem moradia e povos indígenas.

Jane Newman, diretora internacional da Social Finance, explicou à IPS que é necessária para os SIB “uma medição forte de resultados, um objetivo claramente definido, um tema prioritário, tanto para o setor público quanto para os investidores, e uma intervenção baseada em evidências”.Essa organização, que realiza intervenções sociais na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, lidera a execução do primeiro bônus social no mundo, lançado em 2010, para evitar a reincidência de três mil homens presos com condenações inferiores a 12 anos na prisão central da cidade inglesa de Peterborough.

O projeto atraiu 17 investidores com aporte superior a US$ 5 milhões, cuja taxa máxima de retorno anual será de 13% durante oito anos, e uma meta mínima de redução da reincidência de 7,5%. Se essa não se concretizar, os financiadores não receberão nada de volta por parte do Estado. A primeira aferição será feita em 2014 e, segundo Newman, os dados parciais indicam que o objetivo calculado foi alcançado.

Para a América Latina o dilema não passa apenas pela adaptação temática, mas também pelo manejo do risco, pelas questões orçamentárias e pelo êxito efetivo dos propósitos. “As economias são muito complicadas”, assinalou Eddy, comparando entre o que pagaria um governo pelas metas alcançadas e o custo, caso a administração pública empreenda o programa, pois em todo caso o custo deve ser menor do que o de não resolver o problema. Eddy mencionou pesquisas no México e Paraguai para desenhar o SIB.

No primeiro caso, poderiam ser introduzidos tratamento de doenças como diabetes, ou saúde materna, embora ainda não haja planos concretos para sua introdução. Além disso, Eddy ressaltou que na Colômbia a intenção é apresentar ao governo nacional o projeto de redução da gravidez de adolescentes. “São necessárias regulações pontuais” referentes a temas como “perspectiva de gênero, qualidade de serviço e respeito a direitos”, afirmou Juárez.

No começo do próximo ano o Fundo Multilateral de Investimentos, vinculado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, proporá à sua junta diretora um programa para apoiar a emissão de SIBs, seja mediante financiamento ou como compradores desses documentos. Envolverde/IPS