Cruzamento inédito de dados mostra que o país já fornece mais do que recebe em ajuda internacional entre governos e agências multilaterais. Conforme se expande a cooperação brasileira, cresce também o seu poder econômico e político no mundo.
Em busca de um lugar de destaque no cenário global, o Brasil está se firmando como doador de recursos a países pobres. De acordo com cruzamento de dados inédito realizado pelo Le Monde Diplomatique Brasil, o governo já fornece mais ajuda internacional do que obtém de países e agências multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU). Entre 2005 e 2009, o Brasil recebeu US$ 1,48 bilhão. No mesmo período, doou US$ 1,88 bilhão – uma diferença de US$ 400 milhões em relação ao que recebeu.
Os valores ainda são pequenos, mas refletem o crescimento da economia brasileira e o desejo do país de ter mais influência nas decisões mundiais. “É bastante conhecido que o Brasil tem ambições de ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Todas essas apostas no sentido de apoiar mais são formas de mostrar que o país está à altura de ser visto como um líder mundial do ponto de vista político”, diz a pesquisadora Lídia Cabral, do centro de pesquisas britânico Overseas Development Institute.
Durante décadas, o Brasil foi basicamente receptor de ajuda internacional. Hoje tem um amplo programa de cooperação internacional com países em desenvolvimento e parou de receber de alguns fundos como, por exemplo, o Banco Mundial e o FMI – agora é o Brasil que envia dinheiro para essas duas instituições.
Mas o Brasil ainda recebe muita ajuda de outros países e de agências multilaterais e ocupa atualmente um papel intermediário, em que tanto a vertente de receptor como a de doador são importantes. Este papel é bem ilustrado pelo aumento significativo da cooperação trilateral, realizada em conjunto com um país do Hemisfério Norte e alguma outra nação do Sul. O Brasil entra com assistência técnica e seus parceiros, com dinheiro. É com recursos do Japão, por exemplo, que a Embrapa vai realizar um grande projeto para tornar produtiva a savana moçambicana, parecida com o Cerrado brasileiro.
O aumento da importância do país como fornecedor de recursos para fora “é uma evolução natural do Brasil. À medida que melhora a sua situação econômica e social interna por meio de políticas sociais mais efetivas, o país vai deixando de necessitar de ajuda externa. Por outro lado, passa a dispor de um excedente que pode ser usado em cooperação com outros países em desenvolvimento, que estão ainda em situação de maior carência”, afirma o embaixador Piragibe Tarragô, responsável pelas relações entre o Brasil e a África no governo Lula.
Nos últimos anos, especialistas, pesquisadores e diplomatas já vinham apontando para a tendência de o país reduzir seu peso como receptor de ajuda internacional e acentuar seu papel de fornecedor, mas não havia, até então, uma comparação entre os volumes recebidos e fornecidos em ajuda internacional que pudesse confirmar ou negar essa tendência.
A diplomacia brasileira não gosta de ver o Brasil como um doador, nem de chamar sua assistência de ajuda internacional. O principal motivo é que o país quer se distanciar o máximo possível (inclusive em teoria e conceito) do modelo tradicional de ajuda internacional prestada pelas nações doadoras do Hemisfério Norte.
“O doador tradicional com muita frequência traz embutidas condicionalidades. E o Brasil presta cooperação para quem deseja cooperação sob demanda. Cedemos conhecimento sem nenhuma condicionalidade. Por isso, a ideia de parceria para o desenvolvimento é mais justa, mais precisa (do que a de doação de ajuda internacional)”, diz o ministro Olyntho Vieira, segundo secretário do Brasil na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). “O Brasil acaba sendo percebido de forma diferente dos doadores. Tenho muito medo da ideia de que um dia (os doadores) possam nos dizer: agora vocês estão do lado de cá.”
Cruzamento de dados
O critério chamado Assistência Oficial para o Desenvolvimento (AOD), da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é o mais usado no mundo para medir fluxos de ajuda internacional entre países e entre eles e agências multilaterais. De acordo com esse critério, os Estados Unidos são os maiores doadores do mundo, fornecendo US$ 28 bilhões em 2009, seguidos por França e Alemanha, que doaram cerca de US$ 12 bilhões cada no mesmo ano.
O Brasil não faz parte do grupo de doadores da OCDE, que tem como meta a doação de 0,7% do PIB por ano para AOD e estabelece uma série de condições para o envio do dinheiro. Por isso, a OCDE não computa o apoio do Brasil para o desenvolvimento de países pobres. Por outro lado, reúne dados sobre a ajuda fornecida para o Brasil: US$ 1,48 bilhão em AOD entre 2005 e 2009. É a única fonte de informação disponível sobre a ajuda recebida pelo Brasil, já que o governo brasileiro ainda não dispõe de um balanço sobre o tema.
Já a contribuição internacional do Brasil foi computada pela primeira vez pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgada em janeiro deste ano – antes não havia nenhum dado consolidado. O valor obtido foi de US$ 1,43 bilhão, fornecido pelo Brasil entre 2005 e 2009. Ele não pode ser comparado com o valor da OCDE, porque o Ipea não trabalhou com a definição de AOD.
Há três diferenças entre a AOD e a metodologia usada pelo Ipea, segundo Marcos Cintra, coordenador da pesquisa do Ipea. Não entraram na conta do instituto brasileiro três vertentes de ajuda consideradas pela AOD: perdão e renegociação de dívida, projetos de cooperação realizados por universidades públicas (federais e estaduais) e empréstimos concessionais (com taxas de juros diferenciadas e percentual de doação).
Para comparar o apoio fornecido pelo Brasil com a ajuda recebida de países e agências multilaterais, o Le Monde Diplomatique Brasil procurou adequar as duas metodologias. Para isso, somou ao valor obtido pelo Ipea (US$ 1,43 bilhão), o montante total que o Brasil forneceu em perdão de dívida no mesmo período – de US$ 448 milhões, segundo o Ministério da Fazenda. O valor obtido, de US$ 1,88 bilhão, mostra que o Brasil forneceu mais do que recebeu em ajuda internacional entre 2005 e 2009. Esse valor é semelhante ao da AOD provida por Polônia (US$ 1,6 bilhão) e Luxemburgo (US$ 1,75 bilhão).
A diferença entre a ajuda fornecida e a recebida pelo Brasil seria ainda maior se fossem levados em conta os valores gastos pelas universidades brasileiras, mas não existe nenhum balanço sobre o tema. Outro valor não considerado foi o dos empréstimos concessionais fornecidos pelo Brasil. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fornece créditos à exportação de bens e serviços nacionais, geralmente usados por construtoras brasileiras com atuação na África e América Latina para a realização de obras de infraestrutura. De acordo com Marcos Cintra, o Tesouro Nacional faz operações de equalização das taxas de juros de alguns dos créditos de exportação do BNDES, configurando empréstimo concessional. Mas não é possível saber valores porque o órgão não informa o montante subsidiado.
De acordo com a pesquisa do Ipea, a ajuda ao desenvolvimento prestada pelo Brasil aumentou 50% em termos reais, de 2005 a 2009. Os maiores gastos foram com contribuições para organismos internacionais (76% do total) e bolsas de estudo para estrangeiros (10%). Assistência humanitária, prestada em casos de desastres naturais ou conflitos, foi a vertente de cooperação que mais cresceu (aumento de 73 vezes).
Já com relação à ajuda recebida pelo Brasil em cooperação bilateral entre países e agências multilaterais, não se percebe uma tendência geral de queda, apesar de a ajuda dos Países Baixos ter sido encerrada em 2006 e da cooperação bilateral do Canadá, ativa desde 1968, ter sido finalizada ainda em março deste ano. “Durante as duas últimas décadas, o Brasil avançou muito no combate à pobreza e nos demais desafios de desenvolvimento”, justifica o governo do Canadá.
O número total de projetos de cooperação técnica com o Brasil também caiu de 171, em 2005, para os atuais 54, de acordo com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), órgão do Itamaraty. Por outro lado, o Japão e a Alemanha mantêm grandes operações de ajuda ao Brasil, por exemplo, em projetos de preservação ambiental.
Estilo brasileiro
O foco brasileiro é ajudar os países do Sul a se desenvolverem, na chamada Cooperação Sul-Sul, replicando experiências nacionais bem-sucedidas. Os princípios desta cooperação ainda estão em construção, mas há características gerais que estão se estabelecendo na prática, como não exigir condicionalidades nem intervir nos países ajudados – ao contrário da cooperação dos países do Hemisfério Norte.
O Brasil não tem como objetivo atingir resultados específicos com os países que ajuda, como, por exemplo, promover as metas da ONU para melhoria de índices sociais ou estimular o desenvolvimento econômico. O objetivo brasileiro, por enquanto, está na maneira de prestar ajuda. Ele é, “em primeiro lugar, atender a demandas que outros países tenham, mediante transferência de solução (que encontramos para resolver nossos próprios problemas)”, diz o ministro Marco Farani, diretor da ABC.
A menina dos olhos da ajuda brasileira é a cooperação técnica, que promove capacitação e transferência de conhecimentos em áreas em que o Brasil tem projetos bem-sucedidos, como agricultura tropical e combate à aids. Apesar de representar uma pequena fatia da ajuda total provida pelo Brasil (R$ 252 milhões, menos de 10% do total), é a vertente de cooperação que mais recebe atenção do governo brasileiro. “Cooperação técnica é a vertente mais importante de cooperação que o Brasil realiza”, diz Farani. “Ela leva os conhecimentos e transfere ferramentas que vão ser instrumentos para o desenvolvimento desses países. Ao mesmo tempo, projeta o Brasil (internacionalmente).”
Apenas em 2010, foram concluídas quase 600 iniciativas de cooperação técnica em 81 países do mundo. Somente na África, 300 em 38 países, enquanto em 2002 havia apenas 21 projetos em seis países. África e América Latina são os alvos principais da cooperação técnica e receberam do Brasil US$ 40 milhões e US$ 29 milhões, respectivamente, entre 2003 e 2010. Os mais ajudados foram Moçambique, Timor Leste, Guiné Bissau e Haiti.
Os recursos para a cooperação técnica aumentaram consideravelmente a partir do início do governo Lula, em 2003. O orçamento da ABC passou de R$ 4,5 milhões, em 2003, para R$ 52 milhões em 2011 – crescimento de dez vezes. Mas foi em 2008 que o Brasil deu seu passo mais ousado, iniciando projetos de grande escala, chamados de estruturantes. Os maiores parceiros do governo brasileiro na realização desses grandes projetos são Embrapa, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Senai, instituições que atuam justamente nas três áreas nas quais o Brasil mais desenvolve projetos de cooperação: agricultura (22% dos projetos), saúde (16%) e educação (12%).
Não há uma prioridade política do Brasil para a realização de projetos nessas áreas. Há, pelo contrário, uma maior demanda por eles. “Cansei de ouvir por todo país onde andava que queriam uma filial da Embrapa. Se fosse atender a todos os pedidos, hoje a Embrapa teria 150 filiais pelo mundo. A cooperação brasileira em agricultura cresceu muito porque somos reconhecidos pelo que se fez nesta área no Brasil”, diz Olyntho Vieira, que antes de ir para a FAO foi coordenador-geral da cooperação brasileira em agricultura.
A Embrapa tem hoje escritório em Gana, na África, e deve montar uma filial internacional no Panamá. Seu projeto mais audacioso é o Cotton 4, que transfere tecnologia brasileira na produção de algodão para Mali, Benin, Chade e Burkina Faso, e pretende ampliar a geração de comida conjugada com a de algodão. Já o Senai tem um grande centro de formação no Paraguai, que já formou mais de dez mil trabalhadores, e três na África (Angola, Cabo Verde e Guiné Bissau). Outros quatro estão sendo instalados na América Latina e dois no continente africano.
A Fiocruz está envolvida em projetos de bancos de leite materno, sendo 12 na América Latina. Também é parceira do maior e mais ousado projeto de cooperação técnica brasileiro: uma fábrica pública de medicamentos genéricos contra a aids, em Moçambique. O projeto, inédito na história da cooperação brasileira, surgiu em 2003 com a intenção de transferir a experiência brasileira na produção desses medicamentos, criando capacidades locais. Os investimentos públicos brasileiros na fábrica, que começa a operar este ano, são de R$ 15 milhões.
O Brasil também teve iniciativas fracassadas. Em Moçambique, por exemplo, tentou criar uma fábrica de bolas de futebol. Em tese era uma ideia simpática e bastante brasileira, mas não deu atenção suficiente para as dificuldades como o acesso a matéria-prima e a energia para fazer a fábrica operar. Resultado: o projeto foi desativado.
Interesses econômicos
Apesar de não fazer exigências econômicas em troca da sua cooperação, o Brasil vem colhendo frutos econômicos do aumento das suas doações internacionais. Conforme o país aumenta seu prestígio junto àqueles que ajuda, as empresas brasileiras elevam as exportações e realizam mais operações de internacionalização.
Em viagem à Tanzânia em 2010, o ex-presidente Lula pregou que é preciso “viajar cada vez mais, batermos cada vez mais em portas diferentes, tentando vender os nossos produtos”. E, de fato, o incremento das visitas diplomáticas e da assinatura de projetos de cooperação ajudaram o Brasil a vender mais. As exportações brasileiras para a África mais que triplicaram nos anos Lula (2003-2010). Já a América Latina foi o maior destino das exportações brasileiras em 2008, adquirindo cerca de um quarto dos produtos exportados – US$ 50 bilhões.
A ligação entre cooperação e negócios pode não ser direta, mas é estreita. A mineradora brasileira Vale, por exemplo, firmou contrato com o governo de Moçambique para explorar carvão naquela que pode ser a maior mina do mundo, em 2004, um ano depois do anúncio do apoio brasileiro à construção da fábrica de medicamentos contra a aids. A fábrica acentuou amizades entre Brasil e Moçambique e, indiretamente, facilitou a penetração da Vale. Com investimento de US$ 1,6 bilhão, a mina da Vale começará a produzir este ano, quando também começa a produzir a fábrica de antirretrovirais – graças a uma doação de US$ 4,5 milhões da própria mineradora para a finalização do projeto.
“A ajuda técnica nunca é a troco de nada, não é benevolência, não é boa vontade”, alerta a pesquisadora Ana Saggioro, da PUC-Rio e do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). Se por um lado o Brasil fornece mais ajuda do que obtém, por outro já investe mais no exterior do que recebe em investimentos estrangeiros. “O movimento de fortalecimento da Cooperação Sul-Sul, de ascensão do Brasil, envolve a expansão do capital com sede no país.”
Segundo a pesquisadora, o Brasil dá apoio político à expansão das empresas brasileiras de forma não institucionalizada. Ela cita dois exemplos: a abertura de embaixadas no exterior, que favorece a disputa por espaço pelas empresas brasileiras e as visitas do ex-presidente Lula, sempre acompanhadas de missões empresariais. “Quando Lula estava negociando o acordo nuclear no Irã, o Brasil fazia acordos de cooperação técnica na área de energia e 77 empresas brasileiras estavam no país fazendo negociação de exportação, principalmente carne”, conta Ana Saggioro.
Já a consultora Melissa Andrade não vê problema na expansão das companhias nacionais. “Nada impede que uma empresa brasileira que for se expandir contribua também para o desenvolvimento dos países com que o Brasil coopera”, diz. Mas o Estado deve regular a atuação da empresa no exterior: “É preciso fazer que a atuação da empresa seja de interesse público e que não seja meramente comercial, trazendo emprego de curto prazo e remetendo os lucros todos para o Brasil”, acrescenta.
Cara própria
O Brasil está moldando uma cara própria para sua cooperação e se diferenciando de outros modelos já existentes, principalmente dos de países doadores da OCDE. Chamados de doadores tradicionais, eles são focados em prover recursos financeiros (não cooperação técnica) em troca do cumprimento de condições políticas e econômicas – muitos países foram inclusive obrigados a aderir ao FMI e ao Banco Mundial para começar a receber a ajuda.
O modelo da OCDE é altamente criticado por tornar os países receptores altamente dependentes da ajuda e das políticas impostas pelos doadores. A Unctad, órgão de comércio da ONU, diz que apenas dois dos países menos desenvolvidos do mundo conseguiram melhorar significativamente desde o início desse modelo de ajuda internacional.
Moçambique – que é o maior receptor de cooperação técnica brasileira no mundo – tem quase metade do seu orçamento de Estado custeado por um grupo de doadores tradicionais. Eles estabelecem anualmente uma lista de metas políticas, sociais e econômicas que o país precisa cumprir para receber a ajuda. Insatisfeitos com o decorrer das eleições de 2009, esses doadores entraram em greve no ano seguinte, provocando um caos nas contas públicas, inflação e aumento do custo de vida. Exatamente o oposto do estilo não intervencionista brasileiro.
“É preciso virar a página dos modelos impostos de fora (…) O Brasil não tem a pretensão de ditar modelos para ninguém – sempre deseja aprender com a dignidade e a sabedoria dos povos irmãos”, discursou o ex-presidente Lula no Fórum Social Mundial em Dacar, no Senegal, este ano. Seguindo o princípio do não intervencionismo, o Brasil continua a enviar missões diplomáticas e comerciais para países cujos dirigentes são internacionalmente acusados de violação de direitos humanos, como a Guiné Equatorial, e se absteve na decisão da Conselho de Segurança da ONU que autorizou uma intervenção militar na Líbia, que vive desde fevereiro uma turbulência social contra o regime de Muammar Gadafi, no poder há mais de quatro décadas.
Com essas características, o Brasil estaria inaugurando um novo modelo de ajuda internacional? “Não sei se chamaria de novo modelo, porque não foi pensado como novo modelo”, diz o embaixador Tarragô. Mas “nós temos uma maneira de fazer que não tem as mesmas condicionalidades ou exigências. Porque a ênfase não é na doação de recursos financeiros”, mas na cooperação técnica. Embora menos vistosa que a doação de dinheiro, a cooperação técnica é “mais eficiente” porque “os resultados são mais duradouros por meio da formação de pessoas que vão ficar por gerações inteiras pondo em prática o que terão aprendido conosco”.
Política de cooperação
A mudança de perfil do Brasil é muito recente e ainda faltam diretrizes e agenda para a cooperação brasileira. Mas a consolidação do país como doador e o aumento constante da ajuda que fornece tornam necessário que o governo passe a discutir os termos da sua cooperação. Apesar de haver uma ideia geral de princípios, falta uma política de cooperação internacional brasileira, que defina em primeiro lugar o que somos e o que queremos ser como um país doador, além de simplesmente prestar cooperação na prática.
“O Brasil vai atuar da mesma forma que algumas potências tradicionais?”, questiona o ministro Bitencourt, da embaixada do Brasil em Moçambique. Ou da mesma forma que a China? E como vai se dar a conjugação da cooperação brasileira “com nossos interesses econômicos” de internacionalização das empresas e disputa por mercados e matérias-primas? Como “a transformação do bioetanol em ‘commodity’ internacional” vai surtir impactos na cooperação? “São perguntas como essas que acabarão se colocando e cujas respostas permitirão definir a visão que queremos ter para nossa atuação e para a cooperação”, diz Bitencourt.
A pesquisadora Melissa Andrade concorda que chegou a hora de o país discutir sua cooperação. “O Brasil, nessa demanda que está tendo de exportar know-how para o resto do mundo, tem uma oportunidade excelente de olhar para si de forma muito crítica e ver o que a gente está querendo dar para o resto do mundo”, diz a pesquisadora. “Nós, que fomos tão críticos durante tanto tempo em relação a importar uma série de ideologias e programas que não tinham a ver com nossa realidade, até que ponto vamos agora começar a fazer a mesma coisa? Como vamos conseguir dialogar?”.
“Não existe uma resposta pronta ainda”, continua Melissa Andrade. “Estamos começando a debater cooperação internacional como política pública de forma mais séria agora. Até recentemente o Brasil recebia mais assistência do que oferecia. Por isso, este é um debate tão importante. Temos que nos preparar para fazer uma cooperação que seja de fato diferente, que não reproduza os mesmos modelos tanto técnicos quanto ideológicos da cooperação que a gente teve no passado.”
* Amanda Rossi é jornalista.
** Publicado originalmente no site Le Monde Diplomatique Brasil.