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A Celac se impõe como tarefa frear as desigualdades

Os chefes de Estado e de governo posam para a tradicional foto durante a II Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), no Palácio da Revolução, em Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Os chefes de Estado e de governo posam para a tradicional foto durante a II Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), no Palácio da Revolução, em Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 31/1/2014 – Reduzir a pobreza, a fome e as desigualdades é o compromisso coletivo assumido pelos chefes de Estado e de governo na II Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), junto com a declaração da região como uma “zona de paz”.

Esse mandato, considerado “ambicioso” pelos próprios mandatários, fechou, no dia 29, dois dias de deliberações na capital cubana, com ações a favor de segurança alimentar, acesso à educação e melhoria nas oportunidades de emprego, como instrumentos para reduzir as iniquidades na região mais desigual do mundo.

Ao se constituir em zona continental de paz – excluídos Canadá e Estados Unidos – a região se compromete a atuar “como espaço de união dentro da diversidade” e confirmou a Celac, com apenas dois anos de vida, como o organismo político da região para dialogar e concentrar ações coletivas ao nível máximo, sem importar ideologias.

Da cúpula de Havana participaram os governantes de todos os países latino-americanos e caribenhos, salvo os do Panamá, Belize e El Salvador, os dois últimos por questões de saúde. Os 30 governantes presentes consagraram, dessa forma, o fim do isolamento de Cuba.

“Essa é uma cúpula histórica”, por decidir abordar um tema longamente exigido pelos povos latino-americanos: a luta contra as desigualdades, a fome e a pobreza, afirmou a presidente brasileira Dilma Rousseff.

Outra mulher, Michelle Bachelet, presidente eleita do Chile que assumirá o cargo em 11 de março, alertou que “não só a pobreza e a fome são desiguais”, e destacou que os governos devem enfrentar “todas as desigualdades”, entre as quais citou as de gênero, do campo e da cidade, dos povos indígenas e dos afrodescendentes.

A Declaração de Havana, de 83 parágrafos, ratifica o compromisso de promover a inclusão social e o desenvolvimento sustentável com políticas, medidas e metas mensuráveis, para universalizar “o desfrute e o exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais”, com atenção prioritária a grupos identificados como os mais vulneráveis.

Entre os principais objetivos, afirma o documento, estarão fortalecer a segurança alimentar e nutricional, a alfabetização, a educação pública geral e gratuita, a posse da terra e o desenvolvimento da agricultura, incluindo a familiar e camponesa.

Também estão incluídos o trabalho decente e duradouro, a saúde pública universal, o direito à moradia adequada e o desenvolvimento produtivo e industrial “como fatores decisivos para a erradicação da fome, da pobreza e da exclusão social”.

O documento Panorama Econômico e Social da Celac 2013, apresentado pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) durante a cúpula, mostra dados da desigualdade em uma região com mais de 600 milhões de habitantes. O estudo indica que o setor mais pobre capta, em média, 5% das rendas totais, e até menos em nações como Bolívia, Honduras e República Dominicana. Por outro lado, o mais rico recebe 55% em países como o Brasil.

Em 2012, a taxa de pobreza alcançou 28,2% da população, e a indigência ou pobreza extrema 11,3%. Isso significa que 164 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza e destas 66 milhões são pobres extremos. Esses “números da vergonha”, como disseram alguns mandatários, foram o centro das discussões na cúpula.

Os avanços registrados nos últimos anos foram “lentos, fragmentados e instáveis”, disse o anfitrião, Raúl Castro, em seu discurso inaugural. Segundo dados de 2011 e 2012, o ritmo de redução da desigualdade só superou 1% anual na Argentina, Brasil, Peru, Uruguai e Venezuela, e 0,5% no Chile, Colômbia, Equador e Panamá.

A pobreza afeta dramaticamente a infância e a adolescência, pois sua incidência é maior nas famílias com alto nível de dependência. O flagelo afeta 70,5 milhões de menores de 18 anos, dos quais 28,3 milhões se encontram em miséria extrema, segundo a Cepal.

Os maiores níveis de pobreza infantil estão na Bolívia, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Peru, onde, em média, 72% das crianças eram extremamente pobres com base em dados de 2000 a 2011. Entre os países com menor pobreza infantil (19,5%) a Cepal cita Argentina, Chile, Costa Rica, Equador e Uruguai.

Alicia Bárcena, secretária-executiva da Cepal, afirmou que a América Latina é uma “região de contrastes” e que os governos da região devem impulsionar políticas públicas que contribuam para diminuir a pobreza. E acrescentou que o emprego é a “chave mestra” para remediar a desigualdade.

Para Castro, que entregou a presidência temporária da Celac à Costa Rica, a área latino-americana e caribenha tem todas as condições para reverter o desequilibrado panorama social enumerado pela Cepal, por contar com riquezas naturais que vão de altas reservas minerais a um terço da água doce do mundo. A região também possui 12% da área cultivável, o maior potencial mundial na produção de alimentos, e 21% das florestas naturais.

Os povos da região, segundo Castro, querem melhor distribuição das riquezas e da renda, acesso universal e gratuito a educação de qualidade, pleno emprego, melhores salários, erradicação do analfabetismo, estabelecimento de uma verdadeira segurança alimentar, sistemas de saúde para toda a população, além de direito a moradia digna, água potável e saneamento.

O presidente uruguaio, José Mujica, somou a perspectiva humanista que o distingue. “Temos que nos integrar por nosso próprio desenvolvimento, mas este não é somar riqueza, aumento do consumo, é a luta pela felicidade humana”, afirmou. “Não se pode tentar um desenvolvimento contra a felicidade humana. Isso não seria desenvolvimento”, acrescentou Mujica, destacando que “defender a vida significa poder deixar pelo caminho as arestas do desperdício e da contaminação”, perguntando aos demais mandatários “por que desperdiçamos tanto?”.

O analista político cubano Carlos Alzugaray disse à IPS que a Celac, além do que consta na Declaração de Havana como metas, sai de sua segunda cúpula com “o desafio de se consolidar” como foro de conciliação política, “que fomente a cooperação regional e a projeção da região com uma só voz”.

Também tem o desafio, segundo Alzugaray, de que outras agrupações de outras regiões do mundo “a aceitem e reconheçam como porta-voz legítima e com autoridade para negociar em nome de toda a região. Isso só se consegue com um trabalho sustentado, firme, e cauteloso”. Envolverde/IPS

* Com colaboração s de Ivet González (Havana).