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Classe média da Costa do Marfim: cresce ou desaparece?

Um centro comercial na Costa do Marfim. Muitos negócios do país começam a visar a classe média. Foto: Marc-Andre Boisvert/IPS
Um centro comercial na Costa do Marfim. Muitos negócios do país começam a visar a classe média. Foto: Marc-Andre Boisvert/IPS

 

Abidjan, Costa do Marfim, 28/3/2014 – “Sou da classe média, definitivamente”, afirmou com segurança Sonia Anoh, uma jovem de 30 anos, que tem mestrado, trabalha no setor de marketing, ganha US$ 1,47 mil mensais, vive sozinha, possui um automóvel e tenta comprar uma casa. Mas nesse país nem todos podem identificar tão facilmente seu status socioeconômico como Anoh fez à IPS.

Definir a “classe média” africana é um grande desafio. Segundo o Banco Mundial, é formada por todos os que ganham entre US$ 2 e US$ 20 por dia. Trata-se de uma faixa muito ampla e, embora o Banco Africano de Desenvolvimento também a use, destaca a necessidade de subdividir o setor em dois grupos. A classe média alta, segundo essa definição, ganha entre US$ 10 e US$ 20 por dia, e a classe média baixa é a que obtém entre US$ 2 e US$ 4 diários. Esta última está pouco acima da linha de pobreza, de US$ 1,5 por dia.

A Costa do Marfim costumava ter a classe média mais sólida da região, até que foi sacudida pela crise econômica dos anos 1980 e voltou a ser afetada pelo caos pós-eleitoral de 2010 e 2011. Mais de três mil pessoas morreram na violência desatada depois que o ex-presidente Laurent Gbagbo se negou a reconhecer a vitória nas urnas de Alassane Ouattara, atualmente no cargo.

Agora a classe média é formada por mais de dois milhões dos 23 milhões de marfinenses, segundo dados do governo. Embora este grupo socioeconômico possa ter diminuído no passado, há sinais de que estaria se recuperando lentamente. Segundo o Instituto para Estudos de Mercados Emergentes, com sede em Moscou, a classe média africana triplicará, ao passar de 32 milhões em 2009 para 107 milhões em 2030, o maior crescimento do mundo. O Banco Mundial prevê que a economia marfinense aumentará à taxa de 8,2% este ano, o que traz a esperança de que muitos saiam da pobreza.

“Construir uma classe média forte era uma importante preocupação do ex-presidente Félix Houphouet-Boigny” (1905-1993), disse à IPS o decano da Faculdade de Economia da Universidade Privada de Abidjan, Marcel Benie Kouadio. “Naquela ocasião, a classe média era constituída principalmente por funcionários públicos, médicos, juízes e outros profissionais liberais”, acrescentou.

“Houphouet-Boigny implantou várias políticas para transformar uma casse média dependente do Estado em um setor empreendedor. O Estado estimulou a classe média a investir em plantações de cacau ou palma, como forma de fazê-la produzir bens”, explicou Kouadio.

Jean Coffie é um funcionário público aposentado e um exemplo do que sonhou Houphouet-Boigny. Agora sobrevive graças a alguns investimentos. “Minha aposentadoria não dá para viver. Mas investi em borracha. A renda é irregular, mas ainda assim ganho mais do que com a pensão do governo”, contou à IPS. Com esse dinheiro extra também pode ajudar a pagar os estudos de seu neto na França.

Entretanto, Coffie esclareceu que a vida da classe média marfinense já não é o que era. Durante o governo de Houphouet-Boigny, “recebíamos muito apoio para nos desenvolvermos. A universidade e a atenção médica eram mais acessíveis. Talvez sejamos ainda classe média, mas perdemos muitos privilégios”, lamentou. Com ele concorda Benie Kouadio. “A classe média diminuiu. Há 20 anos, professores e médicos eram de classe média. Agora não podem comprar um carro. O setor perdeu poder de compra”, apontou o economista.

Poder aquisitivo é um conceito estratégico. Na hora de definir a classe média, os especialistas preferem analisar a capacidade de compra em lugar da renda. Ser de classe média é chegar a um “ponto ideal” em que se é capaz de gastar dinheiro em coisas que não são para sobreviver, diz um informe da empresa de auditoria Ernst & Young.

Marcel Anné é diretor-gerente da rede de supermercados Jour de Marché, localizada no centro de Abidjan, capital econômica do país. Por isso, tem um conhecimento direto da emergente classe consumidora marfinense. “Para dizer a verdade, este supermercado agora é menos visitado do que antes, mas isso se deve mais a uma mudança dos hábitos de consumo. Este costumava ser um lugar da classe média. Os funcionários públicos compravam aqui e iam para suas casas”, detalhou à IPS.

A classe média na Costa do Marfim se diversificou. Agora já não é formada apenas por funcionários públicos. A privatização de várias empresas públicas, a necessidade de trabalhadores qualificados em tecnologias da informação e nos novos campos de petróleo e gás transformaram a composição no setor. Diante disso, o Jour de Marché decidiu abrir “mais e menores supermercados nas áreas onde vive a classe média”.

Por outro lado, o auge imobiliário em torno de Abidjan também sugere o crescimento desse setor econômico. A antiga plantação de palma de Riviera Palmeraie foi eliminada para dar lugar a pequenos bangalôs, um dos primeiros projetos imobiliários na cidade para oferecer moradia acessível. Projetos semelhantes estão em andamento em toda a cidade e em outros lugares do país.

Ousmane Bah é diretor da Alliance Cote d’Ivoire, uma das construtoras de moradias para a classe média. Sua empresa ergueu o Residencial Akwaba, um dos vários projetos de desenvolvimento imobiliário nos arredores de Abidjan. Os preços das casas variam de US$ 21 mil, com um quarto, até US$ 36,1 mil, com quatro quartos. “Está voltado principalmente para jovens profissionais que começam a vida, bem como para funcionários públicos”, disse à IPS.

Seu projeto, como muitos outros, tem apoio do governo e é parte de uma iniciativa para impulsionar as moradias sociais para a classe média. O governo se preocupa em particular com as famílias com renda inferior a US$ 840 por mês. Os compradores só precisam apresentar um depósito de 10% e com isso receber um empréstimo com juros baixos.

Essas iniciativas procuram resolver o problema que mais entorpece o crescimento da classe média marfinense: a falta de crédito. “As pessoas aqui não estão acostumadas a comprar apartamentos. Elas alugam. As instituições de crédito não costumam oferecer empréstimos habitacionais. Isso é um grande problema. Não podemos simplesmente construir e esperar que as pessoas comprem”, enfatizou Bah.

Amohamed Diabaté é o primeiro a concordar. “Isso é ridículo. Quero um crédito para minha casa. É mais fácil obter um empréstimo para comprar uma cabra em uma festividade muçulmana do que apresentando um projeto realmente sustentável. Nem mesmo viram minha carteira”, protestou à IPS esse especialista em tecnologias da informação, de 40 anos. Ele contou que, mesmo tendo “uma renda cômoda” e emprego há 12 anos, não consegue empréstimo para comprar sua casa.

Benie Kouadio destacou que o problema de crédito significa “uma clara limitação para o crescimento da classe média. Os bancos não dão empréstimos para moradias nem para automóveis”, afirmou. Envolverde/IPS