Arquivo

Coreia do Norte segue bem sem a do Sul

Um novo centro de esqui inaugurado no ano passado na Coreia do Norte atrai muitos turistas. Foto: Koryo Tours, Pequim
Um novo centro de esqui inaugurado no ano passado na Coreia do Norte atrai muitos turistas. Foto: Koryo Tours, Pequim

 

Seul, Coreia do Sul, 28/2/2014 – Se nos anos 1990 a Coreia do Norte era vista como uma nação famélica que gerava um êxodo de famintos, o panorama deveria ser ainda mais nefasto agora, seis anos depois de encerrada a generosa ajuda da Coreia do Sul. Mas, não é assim. Essa nação de 24 milhões de habitantes, a mais fechada do mundo e considerada uma ameaça nuclear, parece ter se saído bem com o passar dos anos.

Atualmente há notícias de melhora na situação econômica. Muito mais gente se dedica ao comércio. O regime comunista, cuja condução coube por herança ao líder supremo Kim Jong Eun após a morte de seu pai em 2011, está atraindo investidores estrangeiros e turistas e introduzindo reformas. Pyongyang inclusive flexibilizou sua atitude em relação a Seul para retomar as conversações entre as duas partes.

Entre 1998 e 2007, o governo liberal sul-coreano fornecia anualmente ao seu vizinho do norte cerca de 400 mil toneladas de arroz, grandes quantidades de leite em pó e remédios para bebês, bem como cimento, equipamentos para a construção e fertilizantes. Os caminhões carregados cruzavam a fronteira hipercontrolada que separa os dois países desde a Guerra da Coreia (1950-1953).

A cada mês, milhares de turistas sul-coreanos visitavam o pitoresco monte Kumgang, no norte, o que rendia milhões de dólares a Pyongyang. Mas os vínculos entre as duas Coreias quase ficaram congelados após a assunção de um governo conservador no Sul em 2008. Em maio de 2010, após o afundamento de um navio de guerra que Seul atribuiu a Pyongyang, a Coreia do Sul interrompeu todo envio e a maioria de seus investimentos com seu vizinho e rival.

Gradualmente, a Coreia do Norte foi ficando sem os alimentos e demais produtos sul-coreanos. Ao perder Seul como principal doador, Pyongyang se tornou mais dependente da China, sua maior benfeitora e aliada. De acordo com a Associação Internacional de Comércio da Coreia, entre 2012 e 2013 o intercâmbio entre China e Coreia do Norte aumentou 10%, ficando em US$ 6,54 bilhões. A Coreia do Norte também foi obrigada a ser mais autossuficiente.

Multiplicaram os empresários de “classe média” e entre eles estão cerca de 240 mil norte-coreanos, que possuem entre US$ 50 mil e US$ 100 mil em bens como apartamentos, segundo o jornal Chosun Ilbo, publicado em Seul.

“Estas novas camadas médias são uma indicação de que Pyongyang permite aos agricultores e às pessoas comuns fazerem negócios no mercado. Antes, isso era algo impensável, a menos que se demonstrasse lealdade ao governante Partido Comunista”, pontuou ao jornal um funcionário de Seul. Desertores norte-coreanos na Coreia do Sul explicam que essas pessoas endinheiradas costumam ser ex-agricultores, comerciantes ou diplomatas.

Recente estudo da Media Research que analisou os casos de 200 desertores da Coreia do Norte diz que pelo menos 80% das pessoas comuns participam do comércio local. Os norte-coreanos já não dependem das rações do regime, que nos últimos anos caíram pela metade. Os chamados “apartamentos da superclasse” na capital norte-coreana são vendidos a US$ 100 mil cada um.

Segundo o Programa Mundial de Alimentos, agora há menos norte-coreanos precisando de comida. Seu estudo de 2013 diz que 46% dos consultados contavam com alimentos “adequados”, em comparação com 26% em 2012. Se algo toda essa situação indica é que a suspensão da ajuda de Seul criou dificuldades apenas no curto prazo para o Norte, mas no longo prazo ajudou a reformar a economia.

Ao cessarem os alimentos e a ajuda que vinham do Sul, os trabalhadores que se dedicavam a administrar esses fornecimentos perderam seus empregos e tiveram de encontrar outra ocupação. “Muitos se converteram em vendedores que vão de um mercado a outro”, disse Joo Sung-Ha, especialista em temas da Coreia do Norte radicado em Seul.

Por outro lado, na medida em que os Estados Unidos aumentam sua pressão sobre a China para que a Coreia do Norte renuncie às armas nucleares, Pyongyang deverá buscar novas fontes de financiamento, segundo analistas.

A Coreia do Norte já lançou uma série de reformas. Em junho de 2012 introduziu um sistema de “granjas familiares” pelo qual cada estabelecimento familiar deve entregar 30% de sua colheita ao governo e pode comercializar o resto de forma privada. O governo também anunciou a construção de 14 zonas francas, onde os investidores estrangeiros poderão negociar em condições preferenciais.

Em janeiro foi inaugurado um novo centro de esqui na cidade de Wonsan, onde turistas estrangeiros podem se misturar aos locais e beber cervejas europeias e até Coca-Cola. Pyongyang também propôs o reinício das conversações com Seul. Este mês, pela primeira vez desde 2007, funcionários de alto nível dos dois países se sentaram para debater a reunificação de famílias separadas desde a guerra.

Kim Jong Eun tem motivos para realizar reformas. Governa uma nação vista como uma ameaça para o mundo. E se deseja reforçar sua legitimidade deve reduzir a forte dependência da China e tentar abrir a economia. Mas, por acaso essas reformas podem gerar uma mudança real?

Eun, que sucedeu seu pai Kim Jong Il e seu avô, Kim II Sung, é acusado de promover o culto à personalidade para manter sua família no poder. No ano passado, mandou executar o número dois do regime, seu tio Jang Song Taek, acusado de traição. “Agora Kim está aterrorizando a nação ao enviar centenas de homens do círculo de Jang para campos de concentração”, afirmou Cho Myong-Chull, legislador do Coreia do Sul que foi professor na Universidade Kim II Sung, de Pynongyang.

Muitos norte-coreanos dizem que seu governo se preocupa mais por si mesmo do que em alimentar o povo. Cerca de 90% dos entrevistados pela Media Research acreditam que há uma grande brecha entre ricos e pobres devido ao surgimento de uma nova classe endinheirada. As indústrias são afetadas pela falta de eletricidade. Contudo, ao mesmo tempo, o norte-coreano está começando a conhecer o mundo exterior.

O estudo da Media Research sobre os dissidentes concluiu que 70% dos entrevistados haviam visto telenovelas e ouvido canções populares sul-coreanas enquanto viviam no Norte. Estima-se que mais de três milhões de norte-coreanos possuem telefone celular. A maioria dos dissidentes assentados na Coreia do Sul fala por este meio de comunicação com os familiares que ficaram em seu país.

Na Coreia do Sul vivem mais de 26.100 dissidentes norte-coreanos. Os que fugiram na década de 1990 o fizeram pela fome. E, desde 2007, mais e mais pessoas vão em busca de uma vida melhor e de uma educação de mais qualidade para os filhos. Nos últimos anos, a Coreia do Norte tentou o retorno dos dissidentes mais do que sua perseguição. E, de fato, a emigração para o país vizinho diminuiu desde que Eun chegou ao poder, segundo o Ministério de Unificação da Coreia do Sul. Envolverde/IPS