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Crise financeira derruba governos sem mudar políticas

Berlim, Alemanha, 29/112011 – As causas que levaram à grave crise de dívida soberana na União Europeia (UE), cujos primeiros sinais de debilidade remontam a 2007, não foram eliminadas com a sucessão de mudanças de governo em vários países do bloco. Na Espanha, as eleições gerais do dia 20 terminaram com vitória do centrista Partido Popular (PP). O resultado foi uma clara condenação ao governante Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) por não conter a profunda crise econômica que causou um desemprego sem precedentes e maior pobreza, seguidos de um grande mal-estar social.

O PP venceu apesar de sua óbvia responsabilidade na bolha imobiliária que precipitou a crise e que nasceu durante seu governo, entre 1996 e 2004. Tampouco explicou durante a campanha como fará para promover o crescimento econômico, nem como responderá ao movimento dos “indignados”. A mudança de governo na Espanha é a quinta que acontece este ano na União Europeia e na zona do euro, diretamente vinculada à crise econômica que se abate sobre o Norte industrializado, derivada do colapso dos mercados financeiros de 2008 nos Estados Unidos.

Islândia e Hungria, que não pertencem à zona do euro, também mudaram de governo em 2009 devido à crise financeira e de dívida soberana. O processo se deu por via democrática na Islândia, Irlanda, Hungria, Espanha e em Portugal. Não se distingue um padrão nas preferências ideológicas expressas pelos respectivos eleitorados nas urnas. As pessoas simplesmente votaram na oposição, fosse de direita ou de esquerda, e para expulsar o partido governante, sem importar seu programa nem seu desempenho anterior.

Os governos de Giorgos Papandreou, na Grécia, e de Silvio Berlusconi, na Itália, tiveram que dar um passo atrás este ano por sua incapacidade para enfrentar uma elevada dívida e foram substituídos por coalizões de tecnocratas, não eleitos pelo voto popular. Contudo, as mudanças não desembocaram em resultados substanciais no que diz respeito a eliminar as causas da crise, como são a desregulamentação e supremacia dos mercados financeiros internacionais e a decisão dos governos de recorrer ao crédito para financiar as atividades estatais, em lugar de gravar a renda e a riqueza.

Os novos líderes que assumem funções reduzem o gasto público e os planos de bem-estar social, aumentam os impostos sobre o consumo e, provavelmente, prolonguem os programas de austeridade já implantados por seus antecessores, sem levar em conta que as medidas possam agravar a recessão e diminuir a capacidade do Estado para melhorar sua arrecadação.

Outro lado da realidade é que os países mais afetados da zona do euro, que são Irlanda, Portugal, Espanha, Grécia e Itália, conservarão o euro como moeda própria, apesar de as diferenças na competitividade econômica sugerirem que a atual organização da união monetária não parecer factível. O que dificulta a operacionalidade na zona do euro é a falta de coerência no sistema de impostos dos países que a integram e de uma política econômica comum.

Além disso, independente de sua cor política, alguns governos parecem reticentes em atacar o que numerosos economistas e analistas consideram o núcleo do problema: regulamentar os mercados financeiros, proibir as transações sem valor econômico objetivo e restaurar o domínio das instituições democráticas públicas sobre os interesses privados. Um exemplo da falta de vontade para realizar mudanças no sistema financeiro é o fracasso da proposta de implantar a chamada taxa Tobin sobre transações financeiras. Lançada há quase 40 anos, pelo hoje falecido Prêmio Nobel James Tobin, a iniciativa é discutida na Europa desde que surgiu a crise financeira e se generalizou no Norte em 2009.

O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron, deixou claro, na semana passada, que seu governo vetará a incorporação da taxa pela UE. Como todas as decisões fiscais dentro do bloco devem ser aprovadas por unanimidade, a medida já não tem a mínima possibilidade de ser implantada. A proibição de impor instrumentos financeiros enormemente especulativos e com ares de ilegalidade, como a venda rápida de ações, as compras financiadas por terceiros e as permutas de descumprimento creditício descobertas (CDS), provavelmente também não será conseguida.

Também é altamente provável que a Grã-Bretanha se oponha a aplicar medidas gerais, apesar de a UE ter suspendido em algumas ocasiões nos últimos quatro anos vendas curtas escolhidas e, na metade deste mês, o Parlamento Europeu propôs novas regras para as CDS. A oposição britânica à taxa Tobin e ao controle de transações altamente especulativas se relaciona diretamente com o peso dos mercados financeiros, como é o caso da City de Londres, um dos centros mais importantes da economia desse país.

As CDS, já comparadas com contratos ilegais de seguros contra incêndios, foi considerada um instrumento fundamental da aceleração do estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, que desencadeou a queda da economia global e a crise de dívida soberana dos últimos quatro anos. As CDS permitem que os especuladores apostem na queda dos preços das casas e no ganho de grandes quantias de dinheiro quando efetivamente cai o mercado imobiliário. Na crise de dívida soberana, os fundos de risco e outros especuladores com CDS sobre bônus de Estados europeus apostavam que um determinado país, a França, por exemplo, não conseguiria pagar sua dívida.

Os fundos de risco e outros especuladores podem pressionar as agências de qualificação que avaliam a solvência de países endividados e induzi-las a se comportarem segundo seus interesses. Especula-se que a última baixa de qualificação dos bônus europeus obedeceu, em parte, a essa conivência enganosa. No começo deste mês, uma agência qualificadora baixou por erro a nota da solvência da França. Imediatamente o corrigiu e explicou que o e-mail com a informação falsa fora enviado por engano. No entanto, a possibilidade de serem cometidos “erros” com este mostra que as empresas estão longe de serem rigorosas.

Os governos europeus, por sua vez, afirmam que as pessoas “vivem acima de suas possibilidades”, para justificar os cortes do gasto público e dos programas de bem-estar social. A verdade é que a Europa é, apesar da crise, um continente extremamente rico, cuja riqueza está injustamente distribuída e gravada. Diversos estudos mostram que a riqueza, que aumenta de forma sustentada há décadas, também está cada vez mais concentrada nas classes altas. Enquanto 27% da população alemã não tem nenhum patrimônio, 10% da mais rica possui 60% da riqueza do país. Envolverde/IPS